quinta-feira, fevereiro 25, 2016
MORTALMENTE PERIGOSA (Gun Crazy / Deadly Is the Female)
Foi vendo o recente TRUMBO – LISTA NEGRA e percebendo o cartaz exposto de MORTALMENTE PERIGOSA (1950) no escritório dos irmãos King, os produtores, que eu vi o quanto precisava ver esse lendário filme de Joseph H. Lewis, cineasta conhecido pela excelência em produções de baixo orçamento, mas ainda não popular o bastante, embora o culto a seus filmes tenha crescido consideravelmente a partir da descoberta de gente boa como a crítica francesa e Peter Bogdanovich.
Aliás, foi lendo a entrevista que Lewis deu para Bogdanovich, contida no livro Afinal, Quem Faz os Filmes, que eu vi o quanto uma única cena de MORTALMENTE PERIGOSA deu o que falar, especialmente entre os realizadores de cinema. Trata-se da cena do assalto a banco, que não contou com o uso tradicional das projeções de fundo, que eram enxertadas em cenas externas e que hoje tornam alguns filmes visualmente datados.
Em vez disso, Lewis filmou toda a sequência em uma só tomada, com a câmera colocada no banco de trás do carro, enquanto, de maneira natural, o casal de foras-da-lei se preocupa em encontrar algum lugar para estacionar, e, posteriormente, em lidar com um policial que aparece na calçada. Assim que Barton entra no banco, Annie sai do carro para distrair o policial. É uma sequência admirável. Acabei de rever.
MORTALMENTE PERIGOSA é desses filmes que encantam desde o início, com a cena do pequeno Barton quebrando uma loja para assaltar uma arma. Sua obsessão por armas que levou a este primeiro crime o levará a um reformatório. Depois da decisão do juiz o filme salta para Barton adulto (John Dall), seu retorno à cidade, depois de uma temporada no exército e com disposição para ser um cidadão de bem, ainda que sua obsessão por armas não tenha diminuído em nada.
E como não se apaixonar por Annie, a bela moça que apresenta um show de tiros em um circo, vivida por Peggy Cummins? A atriz está tão linda e tão perfeita no papel que parece tudo um milagre, uma conspiração do bem para que o resultado saia perfeito. É Annie quem acaba levando Barton para o mundo do crime, depois que os dois se casam em uma cidadezinha e veem o quanto é difícil manter uma vida com um pouco mais de luxo, sem ter um emprego bom. Daí ele ter aceitado a vida do crime, só para não perder Annie.
E como o filme é muito compacto e ágil, a gente não sente o tempo passar. E sentimos, além de tudo, o que Barton diz sentir em determinado momento, ao falar que às vezes acha que está vivendo um sonho ou pesadelo, pois a vida dele não parece estar acontecendo de verdade. O filme passa esse ar de perigo e maravilhamento, de estar vivendo intensamente, ao mesmo tempo sabendo que está fazendo uma coisa errada. Principalmente quando Annie age por impulso e mata pessoas.
Curiosamente, GUN CRAZY foi lançado primeiramente nos cinemas com o título "Deadly Is the Female", a partir de decisão do estúdio, por acreditarem ser um título de filme classe A. Joseph H. Lewis foi totalmente contrário, mas acabou aceitando. O resultado nas bilheterias foi um desastre e até o relançaram em poucas salas com o original "Gun Crazy", mas aí já era tarde demais. O filme não rendeu nada e só foi descoberto por um público maior tempos depois. Além de ter sido também chamariz do excelente trabalho de Lewis para, a partir de então, passar a trabalhar na MGM.
MORTALMENTE PERIGOSA é um filme que tanto é da tradição dos dramas criminais que nos fazem ver a vida do ponto de vista dos bandidos, e por isso fazem com que nos solidarizemos com eles e suas tragédias pessoais, como também é uma crítica a duas coisas que são bem fortes da cultura americana: a obsessão por armas e o consumismo.
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