terça-feira, janeiro 19, 2016
EM TRÊS ATOS
Delicado e inquietante, EM TRÊS ATOS (2015), o mais novo trabalho da brava Lúcia Murat, é dividido em três momentos distintos mas complementares: o corpo, a morte e a despedida. A cineasta utiliza inicialmente a dança para compor o seu trabalho. A dança e a música. E nesta dança vemos duas bailarinas, uma jovem e uma idosa. Fala-se do quanto o corpo velho já não responde às vontades como antes e a diretora não se furta a destacar as rugas da bailarina idosa em close-up. Nem a bailarina parece se importar com isso.
Na verdade, o filme fala justamente sobre isso: sobre o tabu do corpo exposto e principalmente do corpo nu da pessoa mais velha, ou da mãe, como descrita no texto de Simone de Beauvoir, que serve de base para a parte mais interessante do filme: a que trata com palavras duras da relação entre a pensadora e sua mãe, do distanciamento de gerações, de quando ela passou a cuidar dela no hospital e tentou uma aproximação, ainda que em vão, e do rancor que a mãe guarda da filha por ter parte da sua vida roubada em benefício de outra pessoa, ainda que sua filha.
Pode parecer cruel isso tudo e algumas mães talvez não concordem com essas palavras, ou não se sintam identificadas. Afinal, ser mãe não é algo sagrado? Mas ser filho não é também ser humano e tentar compreender o outro, as necessidades do outro? Mas o filho é essencialmente egoísta. Até porque, se ele não for, ele vive em função da mãe. É uma questão tão delicada, mas que nos deixa pensando bastante a respeito, dando vontade, inclusive, de ir em busca dos textos integrais de Beauvoir.
Creio que o que me encantou no filme não foi a dança, embora seja interessante e belo acompanhar certos momentos, mas as palavras da pensadora e no quanto isso mexe com a gente, o quanto faz pensar na vida, na morte, na vontade de não morrer, ou mesmo no desejo de se livrar de alguém muito querido, por já estar um tanto cansado de tudo. Pensamentos considerados ruins que passam pela mente em circunstâncias difíceis.
E que bom poder ver Andrea Beltrão e Nathália Timberg no papel de intérpretes dessas palavras, como se aquela situação tivesse ocorrido com elas. Lembro-me do quanto fiquei emocionado com Andrea, em sua participação em JOGO DE CENA, de Eduardo Coutinho, no quanto ela adentrou a personalidade daquela mulher que acreditava que a filha morta estava viva em outro lugar, enquanto que para ela, que não acredita em Deus, aquilo seria impossível e por isso mesmo motivo de muito choro. Esse recurso de levar a vida real para a interpretação deve ser tão doloroso para os atores e atrizes.
Quanto ao filme, ele pode não ter atingido o seu potencial, mas talvez EM TRÊS ATOS tenha nascido para ser "pequeno", e a intenção da diretora tenha sido bem sucedida, nesse sentido. Afinal, não é todo dia que somos confrontados com ideias tão profundas, tão cruéis e tão humanas, como num desafio ao expectador em olhar para si mesmo, para seu próprio egoísmo, a sua própria fragilidade como representante da espécie humana.
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