domingo, novembro 29, 2015
STRAIGHT OUTTA COMPTON – A HISTÓRIA DO N.W.A. (Straight Outta Compton)
Um dos grandes sucessos nos cinemas americanos este ano foi STRAIGHT OUTTA COMPTON – A HISTÓRIA DO N.W.A. (2015), cinebiografia do maior grupo de rap dos Estados Unidos, e que teve uma importância muito grande na luta pela liberdade de expressão e também pelo crescimento do poder aquisitivo de vários artistas negros do país, que passaram de jovens pobres da periferia de Los Angeles, para milionários em um intervalo de tempo até que bem pequeno.
Dos cinco nomes do N.W.A., os nomes mais famosos, até por depois trilharem carreira solo, foram Ice Cube, Dr. Dre e Eazy-E. E justamente por isso os três são mais iluminados na narrativa que mostra os primórdios da formação do grupo, quando Eazy-E se inspirou em gângsteres de verdade da região onde morava para construir letras sobre situações violentas, e muitas vezes assumindo o papel de bandidos no eu lírico das músicas. Com a ajuda dos demais e também o talento de Dr. Dre para construir a musicalidade do grupo, a história de glória, decadência, separação, retorno e algumas tragédias é contada de maneira acertada por F. Gary Gray, cineasta afro-amereicano que estava um pouco de molho nos últimos anos, mas que voltou a ser um nome quente em 2015.
STRAIGHT OUTTA COMPTON funciona como uma espécie de aula de história do gangsta rap e do hip hop californiano dos anos 1980 e 90, embora uma ou outra coisa possa não ser vista como verdadeira, já que se trata, no fim das contas de uma obra de ficção. Dizem, por exemplo, que Dr. Dre não era essa pessoa tão simpática e afetuosa como foi pintada no filme, que talvez tenha escondido os seus defeitos. Em compensação, Ice Cube é visto de maneira bem mais violenta, embora seja uma pessoa que aprendemos a gostar muito também. A turma que os interpreta é outro acerto do filme, sendo que um deles, O’Shea Jackson Jr., é filho de Ice Cube. A cara do pai.
Como o rap é um estilo musical que depende muito das letras – é talvez o maior exemplo do retorno da valorização das rimas no mundo contemporâneo – é fácil entender que esses artistas não tenham feito o mesmo sucesso no Brasil, já que nós temos os nossos próprios rappers cantando em português brasileiro, falando de realidades diferentes, embora possamos enxergar no trabalho de alguns deles traços em comum com o dos americanos. Ver o filme legendado e acompanhar o significado de algumas das letras é bem recompensador.
Gary Gray é um excelente narrador e o filme flui muito bem em suas quase duas horas e meia, que passam voando. E olha que muita coisa foi vista de maneira muito rápida e poderia ser melhor explorada. Mas o corte final foi muito feliz e não há muito do que reclamar do resultado final, como narrativa, principalmente para quem não conhece a fundo a história dos rappers. Há as tretas com os empresários, a dissolução do grupo, as festas, as drogas, a ligação com o tráfico, a violência, a censura, a luta de classes etc. Tudo isso narrado ao som de um batidão de primeira e letras cuspidas como balas de uma metralhadora.
sexta-feira, novembro 27, 2015
A VISITA (The Visit)
Quem aprecia o cinema de M. Night Shyamalan certamente torce por sua volta por cima, depois de ter aceitado participar de um projeto de encomenda como o massacrado DEPOIS DA TERRA (2013). O ÚLTIMO MESTRE DO AR (2010) também foi bastante criticado, mas trata-se de um belíssimo filme, um colírio para os olhos. É só aceitá-lo como é: uma bela fantasia infanto-juvenil estrelada por uma criança, com influências da cultura oriental e uma agradável atmosfera zen.
Lembrando desses dois filmes, até podemos entender que o novo A VISITA (2015) não é apenas o retorno de Shyamalan ao gênero que o consagrou: é também o final de uma espécie de trilogia de filmes com o ponto de vista de crianças e que tratam, em sua construção narrativa, da questão do apego e desapego e da necessidade impositiva de crescer diante das adversidades e de relacionamentos já muito cedo. Portanto, é interessante ver que os trabalhos do diretor são coerentes, por mais que algumas pessoas só enxerguem desvios. Coisa, portanto, de um verdadeiro autor.
A VISITA tem dividido opiniões e é até fácil entender o porquê. Shyamalan utiliza o já manjado recurso do found footage para contar essa história de dois irmãos que são enviados pela mãe para passar uns dias na casa dos avós que eles não conheciam. Aos poucos, eles vão percebendo um comportamento muito estranho no casal de idosos. Acontece que, apesar de haver um ou dois momentos que remetem à franquia ATIVIDADE PARANORMAL, o cineasta vai por um caminho estranho e diferente, evitando sustos gratuitos e usando seu tradicional cuidado com os enquadramentos, dentro do que se pode usar em um filme que utiliza muita câmera na mão.
Quem lembra dos requintados trabalhos de construção visual que o diretor fez em filmes como SEXTO SENTIDO (1999), A VILA (2004) e A DAMA NA ÁGUA (2006), para citar os mais plasticamente caprichados, percebe que ele filma como um pintor, além de usar o cinema de gênero para tratar de assuntos recorrentes, suas obsessões pessoais. Não é muito diferente em A VISITA, com o problema que esse seu perfeccionismo visual atrapalha um pouco o clima de horror.
No entanto, sendo A VISITA uma obra híbrida, algumas vezes não sabemos se estamos vendo uma comédia ou um filme que se leva a sério. Noutras vezes, há uma busca em tratar dos problemas pessoais dos personagens jovens com uma seriedade dramática que soa deslocada da narrativa, por mais que isso contribua, até positivamente, para a estranheza pretendida. O que dizer da beleza de uma das cenas finais, envolvendo as crianças e a mãe? Nesse momento, A VISITA alcança uma beleza catártica de arrepiar, isso depois das sequências que encerram a questão deles com seus velhinhos sinistros, que nem deve ser contada aqui, sob o risco de estragar as surpresas para quem ainda não viu o filme.
E que bom sair do cinema com um sorriso nos lábios, depois da divertida cena final, de uma simpatia impressionante. É Shyamalan voltando ao terror, em uma produção de baixo orçamento, e se reafirmando como grande autor que é. Só esperamos que esse seja apenas um ensaio para o que há de vir no futuro. Os fãs agradecem.
quinta-feira, novembro 26, 2015
TUDO QUE APRENDEMOS JUNTOS
Na melhor tradição do chamado "filme de professor", que já nos deu exemplares comoventes como SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, ENTRE OS MUROS DA ESCOLA, O QUE TRAZ BOAS NOVAS, O SUBSTITUTO, MR. HOLLAND - ADORÁVEL PROFESSOR, entre outros, entra em cartaz nos próximos dias um exemplar brasileiro que dignifica o subgênero: TUDO QUE APRENDEMOS JUNTOS (2015), que conta a história real da formação da Orquestra Sinfônica Heliópolis, bem-sucedido trabalho de jovens da periferia de São Paulo que contou com a ajuda de um músico exigente.
Dirigido por Sérgio Machado (CIDADE BAIXA, 2005), o filme enfatiza o drama de Laerte (Lázaro Ramos), um jovem e dedicado violinista baiano que está em na capital paulista com fins mais ambiciosos, como entrar para a Osesp - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Logo no começo do filme, vemos o seu estado de completo nervosismo e travamento na hora de se apresentar em uma audição.
Vencido pelo medo e frustrado por também não estar conseguindo dinheiro para se manter adequadamente e ainda ajudar a família na Bahia, Laerte aceita trabalhar como professor de uma pequena orquestra bem desafinada de uma escola da periferia. Demora um pouco para ele perceber as dificuldades e os dramas daqueles jovens, bem como habituar-se ao encontro nada agradável com os traficantes do local, mas aos poucos aquela missão passa a se tornar tão nobre para ele do que o seu sonho de entrar na Osesp.
TUDO QUE APRENDEMOS JUNTOS carrega um bocado no melodrama, e isso pode ser visto tanto como um defeito quanto como uma qualidade. Depende de quem o vê. Como a intenção do filme é de natureza mais popular, acaba sendo necessário que ele dialogue com um público maior e se afaste mais de hermetismos. Não que CIDADE BAIXA seja hermético, se formos comparar com outro trabalho de Machado, mas certamente se trata de uma obra mais sofisticada em sua dramaturgia e direção. Por outro lado, há um registro quase documental da briga de duas alunas no primeiro dia de aula com Laerte. Quem é professor de escola pública certamente vai se sentir tristemente familiarizado com aquela cena.
O filme protagonizado por Lázaro Ramos bebe na fonte da cartilha tradicional do melodrama americano de histórias de superação e relacionamento de amizade e respeito entre professor e aluno, mas de maneira bem eficiente. A música, especialmente a erudita, de Bach e Vivaldi, ajuda bastante a tornar a experiência de ver o filme em algo tocante. Vale destacar também o trabalho de Lázaro Ramos, ainda que apenas correto, mas principalmente de alguns jovens atores que compõem a orquestra da escola, seja o rapaz que tem uma sensibilidade especial para a música, seja o garoto-problema que alcança a superação depois de uma tragédia. E é nele que o filme mais ganha em emoção.
TUDO QUE APRENDEMOS JUNTOS teve sua primeira exibição no Festival de Locarno, na Suíça, e teve uma exibição bem especial e calorosa no Festival do Rio. Agora é a vez de encarar o nosso circuito. Como se trata de um filme do bem, torcemos pelo seu sucesso.
terça-feira, novembro 24, 2015
A IMPERATRIZ GALANTE / A IMPERATRIZ VERMELHA (The Scarlett Empress)
Dentre os filmes dirigidos por Josef von Sternberg protagonizados por Marlene Dietrich, o que eu mais tinha altas expectativas era este A IMPERATRIZ GALANTE (1934), já que ele foi citado por Martin Scorsese em seu livro Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano. E embora eu tenha me decepcionado, trata-se, no mínimo, de uma obra bem especial.
Já no início dá para entender o porquê de Scorsese ter gostado tanto do filme: há uma cena de nudez e violência no primeiro ato, ainda que seja visto em um cenário nebuloso, como uma visão dos infernos pela pequena protagonista. Mas o cineasta americano destaca o estilismo barroco, o mundo onírico, voluptuoso, carinhosamente construído nos estúdios da Paramount. E cita outra sequência, ainda que também seja uma cena embebida em desejo sexual e atitude venenosa.
E de fato o filme é bastante carregado no barroquismo, tanto no que se refere à direção de arte espetacular do castelo da Rússia, onde se passa a maior parte da história, quanto no sentimento exacerbado dos personagens. No caso de Catarina, vivida por Marlene Dietrich, trata-se de uma personagem inocente que aprende as maquinações da política e do sexo para atingir o seu objetivo.
O problema, pra mim, é que desde o início eu não consegui comprar a interpretação de Dietrich como garotinha inocente. Como inocente, se fosse uma mulher crescida tudo bem, mas como uma garotinha, chega a ser incômodo de ver. E a atriz nem era velha: tinha 30 e poucos anos. Mas é que suas feições já são de mulher madura desde O ANJO AZUL. Por isso interpretar mulheres amargas e de passado doloroso lhe cai melhor.
Claro que admiro uma cena como a do banquete do casamento de Catarina com o rei louco, com imagens grotescas ajudando a embelezar o quadro em movimento e uma câmera que atua de maneira fantástica neste momento, em especial. No todo, porém, confesso que prefiro trabalhos mais simples, menos estilizados, mas muito mais efetivos na construção das emoções, como foi o caso do filme anterior de Sternberg, A VÊNUS LOURA (1932), até o momento o meu favorito da dupla.
A IMPERATRIZ GALANTE (ou A IMPERATRIZ VERMELHA, como passou a ser chamado quando lançado em DVD) conta a história de Catarina II, a Grande, desde a sua infância, quando era uma pequena princesa alemã, passando pela adolescência na corte russa, até a ascensão como rainha, depois de cornear e destronar o rei louco. Trata-se do penúltimo trabalho de Dietrich com Sternberg.
domingo, novembro 22, 2015
MISTRESS AMERICA
O novo filme de Noah Baumbach é mais um exemplar do quanto ele parece deixar nas mãos de Greta Gerwig o peso (ou seria a leveza?) de seu trabalho. Os dois fizeram juntos o roteiro de MISTRESS AMERICA (2015) com um fiapo de enredo que se constrói no que parece ser tudo improvisado, embora toda a parte em que a turma está na casa de Mamie-Claire (Heather Lind) pareça ser uma excelente adaptação de uma peça teatral maluca.
Em certo momento do filme, Tracy, a jovem de 18 anos interpretada por Lola Kirke, reclama ao telefone com a mãe, dizendo que estar em Nova York, lugar onde está iniciando os estudos na faculdade, é como estar em uma festa o tempo inteiro. Com a diferença que é uma festa em que você está o tempo todo se sentindo sozinho, deslocado. E é fácil compreender esse sentimento. Muitas pessoas, tímidas ou não, já passaram por isso.
A situação muda para Tracy quando ela entra em contato com uma moça que será a sua meia-irmã, ou seja, o pai dela irá se casar com sua mãe. O nome dela é Brooke (Greta Gerwig) e ela tem cerca de 30 anos. Acontece que Tracy ama Brooke, acha-a a mulher mais divertida que ela já conheceu e, dentro de sua curta vida até então, passou a a mais divertida das noites com ela em uma festa. Brooke sabe se divertir como ninguém, tem uma atitude prática (não parece ligar para faculdade ou coisa do tipo) e está planejando montar um restaurante com o namorado.
Tracy acaba aproveitando bastante dessa personalidade sem igual de Brooke para se inspirar e escrever um conto que seria enviado para um clube de leitura e ter a possibilidade de ser publicado em um livro com outros vários jovens escritores. A vida real, afinal, é tantas vezes objeto de inspiração para a construção de obras fantásticas, não é mesmo?
MISTRESS AMERICA tem um estilo despojado de narrar a sua história, importando-se mais em tecer as personalidades de suas protagonistas. Brooke e Tracy não chegam a ser opostas. Brooke contém traços de personalidade que Tracy gostaria de ter para si, mas ao mesmo tempo Tracy se sente bastante confiante no que ela é e no que é capaz de construir para sua vida, tendo 12 anos a menos que Brooke. Já Brooke esconde muito de suas inseguranças em uma personalidade aparentemente forte, mas as fragilidades começam a vir à tona e a amiga e quase irmã faz questão de estar ali para lhe dar apoio moral.
Se MISTRESS AMERICA é melhor ou não que FRANCES HA (2012), isso talvez não seja tão importante. São filmes com propostas diferentes – o anterior tem uma pegada europeia maior –, mas a verdade é que ambos se beneficiam bastante da presença de Greta Gerwig, tão encantadora que não chega a ser exatamente eclipsada por Lola Kirke, que também é linda e brilhante. Um achado. O fato é que ambas as personagens se tornam ainda mais adoráveis quando expõem os seus defeitos e suas fragilidades, como se nos convidassem para um abraço, embora vivendo em um mundo que parece frio demais para carinhos desse tipo.
P.S.: Como neste ano eu pude conhecer Nova York e subi aquela escada da iluminada Times Square, senti uma pontada de alegria e saudade ao ver Greta Gerwig descendo maravilhada os degraus daquele lugar tão singular.
sexta-feira, novembro 20, 2015
NINGUÉM AMA NINGUÉM... POR MAIS DE DOIS ANOS
Nelson Rodrigues é um dramaturgo e contista tão interessante que adaptá-lo para as telas (ou para os palcos) é quase sinônimo de sucesso certo. Então, por que diminuíram a quantidade de obras dele adaptadas para o cinema? A última havia sido a segunda versão de BONITINHA, MAS ORDINÁRIA, de Moacyr Góes, que contém uma sucessão de equívocos que só mesmo um diretor como o Góes era capaz de perpetrar. Pelo menos trouxe à luz a beleza de Letícia Colin, ainda que bem verde. Além de Leandra Leal, claro. Mas é um trabalho que passa longe da antológica versão de Braz Chediak (1981).
NINGUÉM AMA NINGUÉM... POR MAIS DE DOIS ANOS (2015), de Clovis Mello, já é cheio de acertos, embora esteja longe de ser perfeito. A começar pelos belos e provocadores cartazes, que emulam o estilo dos desenhos da virada das décadas de 1950 e 60, que é justamente o tempo em que se passam as histórias presentes no longa.
Como se trata de uma adaptação de várias pequenas histórias numa tentativa de amarrá-las numa única narrativa, difícil não lembrar de A VIDA COMO ELA É..., a série de pequenos e deliciosos episódios produzidos por Daniel Filho e exibidos no Fantástico. Perceber que aqueles episódios são ainda muito mais ousados e picantes que o novo filme não deixa de ser um pouco desanimador, mas pelo menos é recompensador ir ao cinema para rir novamente desse universo rodrigueano, de mulheres safadas (no bom sentido) ou mandonas e de homens cornos ou cafajestes.
Nesse universo atrevido, algumas histórias se destacam e ficam mais vivas na memória, enquanto outras se resolvem de maneira tão rápida que caberiam num curta de dez minutos, como o caso da mulher que tem o desejo de transar com o melhor amigo do marido. Aliás, há duas situações desse tipo. Só que uma termina em tragédia, enquanto a outra é levada para o território do humor. Trata-se da história interpretada por Gabriela Duarte, que aparece aqui bem ousada e cheia de sex appeal.
Mas a melhor história é mesmo a estrelada por Marcelo Faria, que interpreta um sujeito pobre que casa com uma garota rica, mas que com o tempo passa a mandar demais na vida dele. Há dois momentos em especial que provocam boas gargalhadas, justamente os momentos em que o personagem chuta o balde. No meio disso tudo, há um caso com a bela empregada doméstica. Aliás, o filme tem uma generosidade em relação à sensualidade feminina e à beleza anatômica de seus corpos que é de deixar a gente feliz. Afinal, o cinema brasileiro anda muito bem comportado quando não faz muito tempo era o cinema mais sensual do mundo.
O que houve de lá pra cá? Perdemos a ginga? Ficamos mais hipócritas? Copiamos demais o modelo americano? Ou o sexo passou a ser aquele defeito que muitos diziam do nosso cinema? De todo modo, sopros de sensualidade e sem-vergonhice como esses, ainda que tímidos em comparação com os de nosso passado glorioso, são bem-vindos.
quinta-feira, novembro 19, 2015
JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA – O FINAL (The Hunger Games: Mockingjay – Part 2)
Antes de mais nada, preciso deixar um desabafo aqui: trata-se da ditadura dos filmes 3D em grandes produções. Os filmes exibidos nesse formato, por melhor que seja a sala, perdem muito da cor, do contraste, da beleza da fotografia em geral, que fica horrendamente escura. E paga-se mais para ver neste formato. Agora que chegamos a um momento em que o 3D deixou de ser uma novidade, ele passou a ser uma imposição da indústria.
No caso específico de JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA – O FINAL (2015), o filme não será exibido neste formato na América do Norte, já que o público prefere que ele se mantenha do mesmo modo que foi exibido desde o começo, com o diferencial de ter também a opção de ver em salas IMAX. Enquanto isso, a Paris Filmes, além de não ter conseguido viabilizar cópias para as salas IMAX, infestou os cinemas do país de cópias 3D para vender antecipado e faturar mais com isso.
Em minha pequena aventura para ver o filme, escolhi uma sala que considero boa, o Cine Aldeota, uma das poucas que estavam oferecendo a opção de 2D. Comprei o ingresso mais cedo pensando que iria enfrentar filas monstruosas no dia da estreia, só para saber à noite que o ingresso que eu tinha comprado não valia, tinham cancelado a exibição em 2D para esse dia de pré-lançamento. Para não dar viagem perdida, aceitei – talvez erroneamente – ver na tal sala 3D de lá, só para ficar ainda mais raivoso: quanta escuridão, quantas imagens belas perdidas pela ganância do mercado. Sem falar na dor de cabeça, no incômodo dos óculos etc. Isso pode ter afetado um pouco (ou muito?) meu julgamento do filme, que considero, de longe, o pior da série, embora mesmo racionalmente pensando, eu veja muito mais problemas do que qualidades.
Pra começar, o vocabulário utilizado na trama parece tão estranho em alguns momentos que parece feito exclusivamente para os leitores do livro. E isso não deve acontecer. Uma adaptação tem que se bastar por si mesma, ser independente, por mais que tenha a intenção de agradar os leitores. No caso deste final da franquia, o fato de terem dividido em duas partes, assim como aconteceu com Harry Potter e Crepúsculo, só pode fazer bem para a adaptação se o roteiro e a direção ajudarem. Um respiro nas cenas e uma construção mais dramática dos diálogos é, geralmente, uma solução encontrada e que até funciona em alguns momentos de A ESPERANÇA – O FINAL. O problema se dá mesmo na linha geral, na base do enredo, que se mostra extremamente frágil. Os personagens mal delineados também não ajudam, embora alguns deles tenham se mostrado até interessantes nos filmes anteriores, ainda que em breves aparições.
O personagem Peeta (Josh Hutcherson), por exemplo, que é o rapaz que participou junto com Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) dos dois jogos vorazes e que com ela teve uma aproximação sentimental durante esse processo, desde o episódio anterior se mostrou um estorvo para a trama, não fazendo jus à personagem forte de Katniss. O possível romance dos dois – há um triângulo amoroso envolvendo Gale (Liam Hemsworth) – não é torcido ou comemorado pelo público. As mortes de personagens ao longo do filme também não são sentidas. Tudo acaba gerando indiferença. E isso é mortal para um trabalho desse tipo, que requer envolvimento da audiência.
Sim, Jennifer Lawrence é maravilhosa e há um elenco de apoio admirável, com nomes como Woody Harrelson, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Donald Sutherland, Elizabeth Banks, Jeffrey Right, Stanley Tucci etc, mas destes, apenas Sutherland, no papel do Presidente Snow, inimigo número um de Katniss e de todo o grupo dos rebeldes por suas atrocidades, tem algum tratamento digno. Muito pela excelência do ator, mas também pelo fato de que há um respeito dele por sua jovem adversária. A cena do encontro final dos dois, inclusive, corrobora a simpatia que criamos pelo vilão, mas é também uma alternativa um tanto covarde do roteiro para as intenções vingativas da heroína.
Como dizem que o terceiro livro é o pior da trilogia, há que se dar um desconto para Francis Lawrence, que provavelmente ficou engessado, sem poder fazer milagre usando um roteiro ruim, que privilegia a tentativa de chegada do grupo dos rebeldes à Capital em estilo de estratégia militar, mas não sem deixar de parecer videogame de quinta categoria, com direito até a monstros como obstáculos a serem vencidos.
É lamentável, portanto, que uma série que começou com dois episódios tão bem amarrados tenha acabado assim dessa maneira, embora isso faça parte do jogo. Mas sabemos que os jogos, principalmente os mostrados neste filme, nunca têm final feliz. Mesmo quando a gente torce pelos protagonistas. No entanto, se pensarmos nos quatro filmes, podemos dizer que tivemos um empate. Ou até que saímos ganhando, se lembrarmos no quanto é recompensador, mesmo em filmes medianos, ver Jennifer Lawrence em ação, essa que é uma das jovens atrizes mais brilhantes e belas do novo milênio.
segunda-feira, novembro 16, 2015
COMO SOBREVIVER A UM ATAQUE ZUMBI (Scouts Guide to the Zombie Apocalypse)
Com a moda de filmes, séries, games, quadrinhos e até passeatas de zumbis, COMO SOBREVIVER A UM ATAQUE ZUMBI (2015) se apresenta como mais um exemplar, dessa vez cômico, à luz da criação de George Romero. Depois de TODO MUNDO QUASE MORTO, ZUMBILÂNDIA e MEU NAMORADO É UM ZUMBI, para citar as comédias com zumbis mais famosas, chega a vez deste, que é bem divertido.
Na trama, três garotos que se conheceram ainda crianças num grupo de escoteiros e que hoje não são muito levados a sério pelas meninas da sua idade se envolvem numa situação inusitada: a cidade deles está tomada por zumbis. Eles descobrem isso depois que dois deles decidem abandonar o terceiro no acampamento para ir a uma festa secreta do pessoal do terceiro ano. A sorte é que o que eles aprenderam como escoteiros pode fazer a diferença.
Pode até ser apenas uma diversão meramente escapista, mas COMO SOBREVIVER A ATAQUE ZUMBI cumpre bem a sua função e ainda oferece momentos bem memoráveis, com sua mistura de comédia de zumbi com comédia adolescente herdeira dos anos 1980, estilo PORKY'S. Afinal, o que os rapazes querem mesmo é perder a virgindade e passar a ser mais respeitados pelos mais velhos da escola.
Pelo menos dois deles, inclusive, já achavam que estava mais do que na hora de abandonarem essa vida. O empecilho era o terceiro da turma, o gordinho (sempre tem um gordinho em filmes de adolescentes dos anos 80, não é?), está prestes a receber uma medalha do líder e a dupla não quer estragar a alegria dele. Não naquele momento.
O filme mostra o planeta contaminado por um vírus que transforma pessoas em zumbis – a ideia de um vírus de laboratório faz lembrar o clássico A VOLTA DOS MORTOS-VIVOS, que tem um senso de humor todo especial. E há aqui toda aquela coisa que estamos acostumados a ver no gênero que já serviu tanto para filmes dramáticos quanto para comédias mais escrachadas.
Portanto, encontrar uma novidade nesse filão é difícil, e por isso devemos reconhecer os méritos deste trabalho de Christopher Landon, de ATIVIDADE PARANORMAL – MARCADOS PARA O MAL (2014). Ele não chega a inventar a roda, mas constrói uma narrativa redondinha, com personagens carismáticos (o jovem Tye Sheridan ainda deve se tornar um grande astro) e sem medo de usar piadas escatológicas e gore para compor o seu quadro de horrores.
Mas o horror ganha contornos suaves com a presença de Sarah Dumont, moça bela e de voz rouca como a Jennifer Lawrence, que trabalha em uma boate de strip-tease e que representa um exemplo de mulher ao mesmo tempo amiga e capaz de despertar o desejo dos rapazes, que não são de ferro. A cena do beijo, apesar de curta, não deixa de ser bem gratificante de ver.
Mas o filme será mesmo lembrado por certas cenas envolvendo órgãos genitais, sexo oral, pessoas defecando, peitos enormes e coisas do tipo, coisas que casam muito bem com a ação e o sangue que pintam a tela de vermelho diversas vezes.
domingo, novembro 15, 2015
FOGO CONTRA FOGO (Heat)
Quando FOGO CONTRA FOGO (1995) estreou nos cinemas, Michael Mann ainda era um cineasta pouco vinculado ao primeiro escalão de Hollywood, ainda que fosse já cultuado por uma boa parcela de apreciadores de cinema ou por fãs da série MIAMI VICE (1984-1990). Com atores bem populares mesmo ele só tinha feito O ÚLTIMO DOS MOICANOS (1992), recebido com frieza por muitos, inclusive por fãs do diretor. Eu até hoje não vi, talvez por causa disso.
Mesmo FOGO CONTRA FOGO, quando eu vi no cinema, no saudoso Cine Diogo, não gostei muito. Talvez por causa de sua longa duração ou por não estar preparado para um tipo de andamento narrativo mais lento, embora frequentemente compensado com cenas de ação e tiroteio de tirar o fôlego. Por isso era preciso uma revisão, ainda que na tela pequena, desta obra tão louvada.
Em FOGO CONTRA FOGO Mann junta o ponto de vista do detetive de polícia, como já havíamos visto em CAÇADOR DE ASSASSINOS (1986), com o de um criminoso, como vimos em PROFISSÃO: LADRÃO (1981). A obsessão de Mann por filmar esta história era tão grande que ele já havia feito um telefilme antes, lançado no Brasil em VHS com o título de OS TIRAS DE LOS ANGELES (1989). Poder refazer de maneira mais ambiciosa e com Robert De Niro e Al Pacino nos papéis principais seria um sonho. Até porque seria a primeira vez que os dois astros contracenariam juntos – em O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II eles aparecem em tempos distintos da narrativa.
E se é para fazer uma obra especial, Mann fez tudo com muito esmero, dando espaço para que pudéssemos ser testemunhas das vidas particulares de cada um desses homens, tendo respeito por ambos, inclusive. O detetive de polícia Vincent Hanna (Al Pacino) é descrito como um homem cujo casamento está em frangalhos, devido ao seu envolvimento intenso e obsessivo com o trabalho, enquanto o ladrão profissional Neil McCauley (Robert De Niro) é um sujeito solitário e focado no que faz, mas começa a ver outro sentido na vida mesmo quando se apaixona por uma mulher (Amy Brenneman). As cenas dos dois são belas e tocantes.
Nos extras da edição especial em DVD, Amy conta que odiou o roteiro de FOGO CONTRA FOGO e falou que não estava interessada em fazer parte daquilo. Michael Mann conversou com ela em seguida e procurou saber os motivos – ela achava aquilo tudo muito sangrento e violento, algo do tipo. E foi justamente por esse posicionamento que Mann achou que ela seria a atriz ideal pra interpretar Eady. E ela acabou aceitando a proposta.
A paleta de cores, dando ênfase ao azul e ao cinza, ajuda a acentuar o ar de melancolia daquela história que se encaminhava para a tragédia entre dois homens opostos e complementares. E o grande diferencial dessa obra de Mann para outras que privilegiam o estilo, como DRIVE, de Nicolas Winding Refn, por exemplo, é que Mann sabe dosar o estilo, visível na fotografia e na direção de arte, com a profundidade da trama, presente no drama dos personagens. FOGO CONTRA FOGO é um exemplo perfeito dessa aliança.
A famosa cena do primeiro encontro dos dois protagonistas, em um café, é tensa e ao mesmo tempo comovente. Sabemos que o próximo encontro dos dois, que estão, naquele momento, em atitude de respeito com o outro, não será nada agradável. A cena foi filmada com várias câmeras, sendo as principais as que mostravam os closes de Pacino e De Niro, com uso do tradicional campo e contracampo, filmados simultaneamente.
Mesmo no DVD é possível ouvir o alto som dos tiros reverberando nas caixas de som nas sequências de tiroteio. Vale dizer que, para dar um ar de mais verdade às cenas, Michael Mann fez com que os atores treinassem com artilharia de verdade em outro lugar, antes de usar balas de festim nas locações, sempre aos domingos, em Los Angeles. Esse tipo de tratamento tão cuidadoso mostra por que o cinema de ação produzido em Hollywood ainda é difícil de ser superado por outra cinematografia.
Outros extras do DVD mostram a história real que inspirou OS TIRAS DE LOS ANGELES e FOGO CONTRA FOGO, a busca por um elenco enquanto as filmagens já estavam rolando, depoimentos de atores e atrizes importantes, de Mann e dos produtores, entre outras coisas que ajudam a potencializar o valor do filme.
sábado, novembro 14, 2015
ALIANÇA DO CRIME (Black Mass)
É até fácil encontrar alguns problemas em ALIANÇA DO CRIME (2015), mas muitos deles vêm das escolhas de Scott Cooper, seu realizador. Não vemos, por exemplo, o desenrolar de uma transação mafiosa no grupo do gângster James 'Whitey' Bulger, vivido com intensidade por Johnny Depp, nessa que talvez seja a sua melhor atuação em pelo menos 20 anos, depois de tantas vezes se repetindo ou atuando no piloto automático.
Trata-se do terceiro longa-metragem dirigido por Cooper, que antes tinha realizado o belo CORAÇÃO LOUCO (2009), que rendeu a Jeff Bridges um Oscar, e TUDO POR JUSTIÇA (2013), que também é focado nas interpretações (desta vez de Christian Bale e Casey Affleck). Nos três filmes podemos notar também uma tendência do cineasta em contar uma espécie de crônica americana, com histórias tristes ou trágicas.
No caso de ALIANÇA DO CRIME, o logo da Warner abrindo os créditos não parece em vão, já que foi esta produtora que se firmou como a que mais lidou com histórias de homens maus na década de 1930. Whitey Bulger é um sujeito que poderia muito bem ser um desses bandidos daquela época, mas calhou de nascer mais tarde e de aterrorizar sua cidade na década de 1980, com uma pequena ajuda dos amigos do FBI. Em especial de seu amigo de infância John Connolly (Joel Edgerton), um lobo em pele de cordeiro dentro da corporação.
O filme destaca bastante o relacionamento entre Bulger e Connolly e o quanto isso repercute na vida de muitos ao redor, e no crescimento do monstro Bulger, um psicopata que a princípio era tido como necessário para ajudar na prisão de mafiosos italianos. Acontece que enquanto ele ganhava apoio dos federais, a quantidade de mortes que muitas vezes ele mesmo fazia questão de executar com as próprias mãos só crescia.
Como o filme traça um espaçamento de vários anos na narrativa, a sensação de que estamos vendo uma obra bem fragmentada fica o tempo todo no ar. E nesse recorte há tempo para o estudo desse personagem que se revela um psicopata justamente por também demonstrar preocupação e carinho pelo filho pequeno, depois de ter chegado de um assassinato brutal, que para ele eram apenas negócios.
E tempo também para algumas cenas bem memoráveis, como uma envolvendo o personagem de Peter Saarsgard, que aparece bem magro, no papel de um viciado em cocaína, que acaba por cair numa armadilha de Bulger. Há pouco espaço para as personagens femininas (como as interpretadas por Dakota Johnson e Julianne Nicholson), mas há momentos de brilho das duas atrizes quando contracenam com Depp em duas cenas, pelo menos.
Como, desde o trailer, se cogita muito a indicação de Depp ao Oscar, vale dizer que ALIANÇA DO CRIME se destaca mais por ser um filme de ator do que um filme de diretor. E podemos dizer isso sem diminuir o trabalho de Cooper, mas valorizando a sua capacidade em tirar dos atores o seu melhor. Inclusive, a construção do personagem de Depp só não foi mais acurada pois nem ele nem o diretor conseguiram conversar com o hoje presidiário Bulger, o que não quer dizer que o resultado não tenha sido fantástico, numa transformação física e psicologicamente assustadora.
quarta-feira, novembro 11, 2015
18 CURTAS VISTOS NO 14º NOIA – FESTIVAL BRASILEIRO DE CINEMA UNIVERSITÁRIO
Na semana passada, tive o prazer de fazer parte do júri da crítica do 14º NOIA – Festival Brasileiro de Cinema Universário, que, mantendo a tradição de alguns anos, continua sendo exibido na Casa Amarela Eusélio Oliveira. O espaço precisaria de melhores reparos, mas conseguiu ser ideal para o evento, tanto pela localização, que é um convite para os universitários das imediações do Campus do Benfica, quanto pela capacidade - lotou em todos os dias da Mostra Competitiva. Vamos aos filmes.
QUIM:ERA
Fazer animação no Brasil não é fácil, mesmo que a duração seja de apenas três minutos, como QUIM:ERA (2015), de Taíla Soliman. O simpático filme acompanha uma adorável velhinha que se vê abalada quando recebe uma informação que mexe com sua cabeça. O filme brinca com efeitos visuais bem criativos e tem um senso de humor muito próprio. Difícil não se divertir. Prêmio de melhor direção de arte.
TIRAREI AS MEDIDAS DO TEU CAIXÃO
O segundo filme da mostra foi o cearense TIRAREI AS MEDIDAS DO TEU CAIXÃO (2015), de Diego Camelo, que é, praticamente, uma homenagem, realmente, ao nosso querido Zé do Caixão. Gosto particularmente da primeira parte do filme, a que mostra o personagem quando criança, descobrindo o maior ícone do horror brasileiro em uma fita VHS de À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA. Dá uma caída quando pula para a idade adulta do personagem, mas ainda assim merece uma espiada. Principalmente por quem é fã do Mojica.
MURO
O mais provocador documentário do festival, MURO (2014), de Eliane Scardovelli, nos apresenta a uma comunidade pobre que se mantém firme entre dois condomínios de luxo. O filme brinca com a hipocrisia dos ricos e a diretora teve a interessante ideia de colocar crianças da comunidade pedindo ao síndico para tomarem banho na piscina do condomínio. A cena chega a ser hilária de tão desconfortável que é. Há também imagens aéreas que se destacam. Um belo trabalho.
ENCANTÁRIA
Dos documentários exibidos no festival, ENCANTÁRIA (2015), de Fernando Brasileiro, talvez seja o que mais parece amador em sua realização. Há momentos em que mal dá para entender o que os personagens falam. Umas legendas seriam bem-vindas nesse caso. Mas há também algo que incomoda um pouco, que é o andamento um tanto arrastado, fazendo com que pareça ter mais de 20 minutos de duração. O filme acompanha a vida de uma comunidade indígena que mora próximo da região metropolitana de Fortaleza, suas crenças, seus valores e o modo como eles veem o mundo exterior.
TEMPO
Primeiro filme com temática homoafetiva do festival, TEMPO (2014), de Clara Bastos e Renan Ramiro, tem em seu favor a utilização de efeitos visuais de congelamento de imagem, que contribuem para a ideia de que o amor entre os dois rapazes é tanto que o tempo para, como numa música do Roberto. Pena que a ideia e algumas cenas boas são apenas pontuais dentro de um todo pouco inspirado.
BIQUINI PARAÍSO
Melhor filme do primeiro dia de festival, BIQUÍNI PARAÍSO (2015), de Samuel Brasileiro, faz parte da produtora Praia à Noite, a mesma que tem trazido alguns ótimos trabalhos de Leonardo Mouramateus. Samuel Brasileiro, aliás, foi parceiro na direção de Mouramateus em alguns filmes e aqui ele aparece em filme solo em uma história que se passa em uma cidade litorânea do Ceará, durante o Carnaval. Inclusive, nunca tinha visto o carnaval cearense retratado como ele realmente é em filme algum, o que torna BIQUÍNI PARAÍSO uma obra no mínimo interessante. Há uma cena que eu considero mágica, que é quando um casal está na praia (à noite) e sentimos aquela sensação que só grandes filmes são capazes de trazer: um misto de sonho e realidade para dentro da tela. Prêmios de direção e fotografia.
NAVY
Eis o caso de filme que é muito bom de ser visto, apesar de percebermos suas falhas de maneira gritante. Tanto que não sabemos se se trata de uma comédia involuntária ou uma comédia de fato. NAVY (2015), de Delano Soares, conta as aventuras de uma jovem que sai de um bar no Benfica e é assaltada. No meio do caminho, encontra dois sujeitos e, apesar de tudo, começa a curtir a noite até o amanhecer. Há problemas nas interpretações, mas é tudo tão divertido que certamente foi um prazer para o público poder vê-lo. Até para ver alguns pontos bem conhecidos de Fortaleza.
O SILÊNCIO NÃO ESTÁ MORTO, QUERIDA VÓ HELENA
Em alguns momentos de O SILÊNCIO NÃO ESTÁ MORTO, QUERIDA VÓ HELENA (2015), de William Costa, sentimos a impressão de estar vendo algum programa de tele-ensino, por causa do tipo de interpretação adotado. Ainda assim, a personagem da Vó Helena (Iná de Carvalho) rouba a cena e tem pelo menos um momento bem especial, que é a conversa com o garoto skatista. Já as cenas com a neta se destacam pelo ar de afetividade. Prêmios de melhor atriz (Iná de Carvalho) e trilha sonora.
FIO-TERRA
O melhor filme do festival, FIO-TERRA (2015, foto), de Ian Capillé, é de uma simplicidade impressionante se pensarmos no quanto nos envolvemos com a história de amor à distância entre um rapaz e uma moça. E no quanto o desenvolvimento da narrativa nos leva para um momento de arrebatamento, o que é sensacional para um curta de menos de 20 minutos. Capillé conta a história, basicamente, utilizando imagens de smartphones, o principal meio de comunicação do casal. Fiquei muito feliz ao saber que todos do júri também caíram de amores pelo filme. Prêmios de melhor filme (júri oficial), melhor filme (júri da crítica) e roteiro.
VERDE CHORUME
Trabalho experimental admirável, VERDE CHORUME (2015), de Roberta Bonoldi, mostra apenas em sons e imagens a trajetória do lixo em uma grande cidade e no quanto isso pode ser assustador, com um crescente aumento na quantidade de lixo no mundo. Destaque, além da montagem, para a trilha sonora diversificada, que combina muito bem com o ritmo das imagens. O filme teve a ingrata tarefa de ser exibido depois de FIO-TERRA. Certamente em outro dia e sendo exibido antes seria melhor recebido. Prêmio de montagem.
QUANDO VOCÊ CRESCER
Com certeza QUANDO VOCÊ CRESCER (2015), de Paulo Matheus, foi o filme que mais arrancou gargalhadas do público no festival. E não foi involuntariamente. Embora seja uma comédia apenas mediana, funciona que é uma beleza com a entrada em cena de um personagem que é uma espécie de consciência do protagonista, um garoto que não gosta de estudar e sofre com a pressão dos pais e dos professores. É pensando no que ele poderia ser quando crescer que o filme cresce e fica mais engraçado. Não à toa ganhou o prêmio de melhor filme pelo júri popular.
TABA
O primeiro filme do dia seguinte foi também uma comédia. TABA (2015), de Júlio Pereira, Matheus Beltrão e Nuno Aymar, é um sarro. Um pseudodocumentário que emula o estilo de cinedocs dos anos 1950 sobre os efeitos e as características dos usuários da maconha. Humor inteligente e visto por um público que certamente é íntimo da erva natural. Um dos melhores filmes do festival.
MURIEL
Mais um exemplar do cinema cearense de ficção, MURIEL (2015), de Vanessa Cavalcante, é também um exemplo do quanto nós, cearenses, somos bons na comédia. O filme conta a história de um rapaz tímido cujo maior sonho é encontrar uma namorada. A narrativa começa com um de seus encontros frustrados e apresenta o seu jeito desajeitado de lidar com os relacionamentos. Mas o melhor estaria por vir, quando ele resolve participar de um programa de namoro na tevê. Prêmios de melhor ator para Jamenes Prata e de melhor intérprete coadjuvante para Tatiane Albuquerque.
MADREPÉROLA
Documentário elegante e ativista sobre a questão do preconceito contra mulheres gordas em uma sociedade em que prevalece a ditadura da magreza, MADREPÉROLA (2014), de Deise Hauenstein, traz depoimentos de meia dúzia de belas moças com um cuidado muito especial com a montagem, os enquadramentos e outros aspectos técnicos que fazem do filme uma obra nada vulgar. E que foi recebido com muitos aplausos e comentários animados da audiência. Prêmios de figurino e maquiagem.
NUNCA FOMOS EMBORA
O problema de NUNCA FOMOS EMBORA (2014), de Samuel Carvalho, é talvez não saber cortar os excessos. São 25 minutos de conversa e muita repetição entre dois amigos de escola. Um deles esteve em outro país e agora que volta para Fortaleza está apaixonado pela cidade. Há um destaque à Fortaleza noturna que ajuda a compor um clima interessante, especialmente nos silêncios. Talvez com um conjunto de falas melhor ele funcionasse lindamente.
VLADO
O filme mais ambicioso do festival é um drama de época que conta em 20 minutos parte da história do jornalista Vladimir Herzog, que foi preso, torturado e morto pela ditadura militar nos anos 1970. VLADO (2014), de Felipe Mucci, tem jeito de produção estrangeira, algumas interpretações pouco convincentes, mas é melhor do que muita coisa que se faz na televisão profissional hoje em dia. Prêmio de edição de som.
MIÚDO
Segundo filme de temática homoafetiva do festival, MIÚDO (2014), de Maurício Ferreira, também acaba deixando um pouco a desejar. Ainda assim, há boas cenas de conversas do casal que ajudam a torná-lo interessante. Há também o uso de imagens paradas e voice-over no início que contam pontos positivos. Pena que o final não seja dos mais felizes.
DE TERÇA PRA QUARTA
Encerrando o festival, DE TERÇA PRA QUARTA (2015), de Victor Costa Lopes, é um belo exemplar de um cinema que se confunde com um documentário em sua narrativa ficcional, tal o grau de naturalidade com que os atores desempenham suas funções. É outro filme que explora a geografia fortalezense e também lida com sentimentos dos personagens. Na história, um rapaz vai pegar ônibus e conhece outro rapaz que está colando cartazes de uma peça teatral. Acaba se juntando a ele e ao seu grupo numa noite excitante. Mereceria melhor atenção na premiação, mas creio que disse a que veio e foi bem elogiado por muitos.
terça-feira, novembro 10, 2015
GAROTA SOMBRIA CAMINHA PELA NOITE (A Girl Walks Home Alone at Night)
Em que outra circunstância poderíamos ver um filme de terror falado em persa e com atores iranianos? Daí a singularidade de GAROTA SOMBRIA CAMINHA PELA NOITE (2014), que além de tudo ainda é dirigido por uma mulher, Ana Lily Armipour, e é fotografado em belíssimo preto e branco. Só isso já é suficiente para gerar uma curiosidade para ver o tal filme. Mesmo que na verdade ele tenha sido produzido, com baixo orçamento, nos Estados Unidos.
Mas o que importa é o espírito estrangeiro e estranho que impregna esta obra tão agradável de ver e também tão irregular em seu andamento narrativo, que peca em não saber a hora de cortar algumas gorduras, mas não quanto ao desenvolvimento final, que é bastante satisfatório, dentro de uma história que é muito simples.
Isso porque GAROTA SOMBRIA é um filme de mais forma e menos conteúdo. Interessa aqui menos a história do que a atmosfera e a beleza das imagens. E nesse sentido, trata-se de uma obra cheia de acertos. A moça que interpreta a vampira que ronda pela pequena cidade de Bad City é, além de atraente, muito boa no papel.
Na trama simples, acompanhamos alguns personagens que vivem uma vida um tanto desolada naquela cidade que contém um imenso buraco onde as pessoas despejam cadáveres humanos. É de lá que um dos personagens pega um gato e leva para sua casa. Nesta casa, vive com ele o seu pai, viciado em droga e sofrendo com uma abstinência gerada pela tentativa do filho em livrá-lo do vício.
O maior traficante da cidade é o sujeito que representa o que há de mais malvado no filme. Tanto é que ele faz falta quando deixa de aparecer na trama. A vampira, apesar de fazer suas vítimas, tem uma moral toda própria, dando preferência àqueles que merecem ter seu sangue sugado por ela. E o traficante canalha é um deles. Por isso a cena do encontro dos dois é um dos pontos altos do filme.
Vale destacar também a beleza na construção da personagem da vampira, que usa, por debaixo de roupas civis simples, uma camiseta listrada e calças esportivas, um véu que encobre o corpo e a coloca na posição de uma mulçumana tradicional. Interessante como esses trajes tradicionais são colocados como o traje que ela usa para atacar as vítimas. Como se a diretora quisesse mostrar a religião como algo maligno, ainda que necessário, dentro de uma sociedade doente. E há espaço para o amor também nesse mundo ruim, como veremos ao longo da narrativa. Eis mais um ponto positivo para esse filme único, cuja beleza vai além do mero gostar ou não gostar, do bom ou do ruim.
domingo, novembro 08, 2015
TOP GIRL OU A DEFORMAÇÃO PROFISSIONAL (Top Girl oder La Déformation Professionnelle)
Não deixa de ser curioso como o sexo vem sendo mostrado nos cinemas atualmente. Deixando de ser elemento de satisfação e libertação dos anos 1960-80, os novos filmes estão cada vez mais problematizando o sexo, mostrando-o como algo pouco ou nada excitante, além de questionar de maneira moralizante ou de um ponto de vista quase doentio a tara de certos personagens. A comparação ou citação de CINQUENTA TONS DE CINZA não é em vão, nesse caso, já que ele pode ser incluído facilmente nessa classificação.
Em TOP GIRL OU A DEFORMAÇÃO PROFISSIONAL (2014), de Tatjana Turanskyj, somos apresentados a Helena (Julia Hummer), uma garota de programa de 29 anos que já fez relativo sucesso como atriz de televisão quando adolescente. Agora, para manter a própria vida e a da filha de 11 anos, ela recorre ao submundo do sexo pago.
Seu maior cliente é um homem que até tem vontade de manter uma relação mais próxima com ela, mas Helena prefere manter distância. Nesse caso, há algo em comum com outro filme abordando esse universo, BRUNA SURFISTINHA, de Marcus Baldini, que é um trabalho bem mais palatável que este filme de Tatjana Turanskyj, o segundo de uma prometida trilogia sobre a mulher e o trabalho e o único a chegar em circuito comercial no Brasil.
A primeira cena de TOP GIRL é até bastante animadora: a imagem de quatro mulheres nuas correndo pela floresta. A cena bucólica também pode ser uma promessa de algo mais sombrio, levando em consideração o tom e o andamento do filme, que se mostra amargo como a protagonista. As cenas de sexo são poucas e relativamente discretas. Uma delas, porém, foi capaz de expulsar da sala duas senhoras. A tal cena mostra a protagonista com uma cinta com dildo acoplado prestes a penetrar um de seus clientes fiéis.
No mais, há muita cena que é um verdadeiro banho de água fria para quem espera algo mais excitante do filme, como os momentos da protagonista se exercitando ou conversando com a mãe, as cenas envolvendo as aulas de piano com a mãe, a conversa com as colegas de trabalho ou com os clientes, em um registro pouco envolvente, ainda que deixe espaço para reflexão.
Principalmente a sequência final, que retoma à promessa da cena inicial, apenas para apresentar os homens como criaturas doentias e sádicas. Seja entre o sadismo ou o masoquismo, Helena está disposta a entrar no jogo, ainda que isso a frustre ou cause dor física. Mas nada é mais incômodo do que o vazio espiritual que fica explícito em seu olhar.
sexta-feira, novembro 06, 2015
007 CONTRA SPECTRE (Spectre)
Boa notícia para quem estava com saudade dos filmes de James Bond tradicionais: 007 CONTRA SPECTRE (2015) respeita e retorna ao velho estilo leve, aventuresco e cheio de clichês criados ao longo dos anos pela franquia. Mas é uma má notícia para quem considerava um grande acerto filmes tão sérios, dramáticos e trágicos como 007 – CASSINO ROYALE (2006) e 007 – OPERAÇÃO SKYFALL (2012), que traziam algo de novo para uma série que parecia destinada à repetição.
Assim, não deixa de ser frustrante este quarto filme com Daniel Craig como James Bond, um Bond mais humano, mais sofrido, mas também mais forte e intenso nas cenas de ação. Nesse aspecto, pelo menos, o novo filme mantém o diferencial e Craig continua muito bem, mas o roteiro é cheio de problemas. Ele ter que dizer que o nome dele é “Bond, James Bond” é uma repetição que, na boca do ator, fica parecendo uma incômoda obrigação contratual, já que a ideia dos novos tempos seria fugir do aspecto satírico da franquia.
No novo filme, ele continua exageradamente irresistível às mulheres. Dentro de poucos segundos, Monica Bellucci já está entregando o ouro pra ele para, logo em seguida, desaparecer da história. E só demora um pouquinho para que Léa Seydoux já esteja dizendo que o ama, sem que sintamos qualquer aprofundamento no envolvimento afetivo dos dois, que se desenrola muito rápido dentro de uma situação de busca de um mistério envolvendo o pai de sua personagem e uma organização terrorista.
Talvez com medo de descaracterizar o personagem antes de passar adiante, os produtores sentiram a necessidade de uma volta às origens, de trazer de volta a Spectre, que tanto sucesso fez nos filmes estrelados por Sean Connery e Roger Moore, assim como o retorno de um certo vilão clássico. Com a diferença que aqui o vilão aparece bem menos caricato, por mais que Christoph Waltz seja quase que um ator de um papel só. Se a gente pensar no mal que ele fez ao herói, deveríamos ter raiva do vilão, mas não é isso que ocorre. O que sentimos é mesmo indiferença.
A produção do novo filme começou bem com um prólogo na Cidade do México, com uma boa ambientação no Dia dos Mortos e uma situação divertida envolvendo um avião. Até daria para traçar um paralelo com o prólogo de MISSÃO: IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA. E eis que entra em cena os tão esperados créditos de abertura, que trazem algo de brega dessa vez. Sem falar que a canção-tema, “Writing’s on the wall”, de Sam Smith, é bem pouco expressiva.
Um dos aspectos positivos de SPECTRE é esse se deixar perder do personagem, ao investigar algo relacionado ao seu passado e sem se preocupar muito em querer ser verossímil, apesar de tratar tudo com muita seriedade. Quando há um senso de humor no filme, ele é muito sutil, até pela essência desse novo Bond traumatizado pela morte de pessoas queridas.
Algumas cenas de ação se destacam, como uma perseguição de automóveis e principalmente a luta do herói com o brutamontes vivido por Dave Bautista. Somando com a cena do prólogo, podemos contar essas três como as mais empolgantes, por assim dizer. A cena envolvendo uma bomba-relógio seria mais associada a uma atmosfera de sonho, devido ao lugar e à situação. Se bem que fico agora me perguntando se isso se deve ao fato de eu ter visto o filme com um pouco de sono. É possível.
quarta-feira, novembro 04, 2015
NARCOS – PRIMEIRA TEMPORADA (Narcos – Season One)
Por culpa de MR. ROBOT e sua excelência acabei interrompendo a apreciação de NARCOS (2015), a série sobre Pablo Escobar produzida pelo Netflix. Talvez tenha sido ruim ter visto assim a conta-gotas, mas uma coisa deu pra notar: é que da metade para o final a série vai melhorando consideravelmente. É como se os roteiristas percebessem que o ideal seria concentrar mais a história na luta dos colombianos contra Escobar do que das intervenções americanas. Isso, inclusive, dá um ar de muito mais legitimidade ao povo colombiano, que é visto com muito carinho, apesar de tanto sangue derramado e tanta corrupção.
Os próprios créditos de abertura, com a bela canção “Tuyo”, de Rodrigo Amarante, ao mesmo tempo em que mostra imagens de arquivo de Escobar e do conturbado cenário político mundial, mostra também as belezas naturais, como uma foto de uma linda concorrente a um concurso de beleza. Aliás, aproveitando a deixa do nome de Amarante no parágrafo, vale dizer o quanto o Brasil meteu o dedo nesta produção, e no quanto isso talvez não tenha agradado a alguns espectadores de países falantes do espanhol. Além de José Padilha, que é produtor executivo e dirige os dois primeiros episódios, a fotografia é de Lula Carvalho.
Mas o que incomodou mesmo muito gente foi a escolha de um ator brasileiro que nem sabia falar espanhol e que não conseguiu falar como os nativos, conforme dizem. Não sei o quanto isso incomoda do lado de lá da fronteira, mas do lado de cá e acredito também do lado dos americanos, o que vemos é uma performance monstruosa de Wagner Moura como Pablo Escobar. É, provavelmente, o papel da vida dele. E olha que ele é o cara que já foi o Capitão Nascimento.
Mas é que a gente esquece disso. O ator baiano está transformado fisicamente com os pesos a mais para viver o chefe do tráfico. Além do mais, à medida que vamos nos acostumando com aquele homem ali na tela, vamos acompanhando também a sua transformação cada vez maior em um ser capaz de exercitar qualquer ato, por pior que seja, para atingir os seus objetivos. Ora age de maneira extremamente inteligente, como quando tem a ideia de construir uma prisão-castelo de luxo só para ele e seus sicários, ora quando mata os seus inimigos sem pensar nas consequências.
O ator americano que interpreta o agente de polícia Steve Murphy, responsável por se infiltrar na polícia colombiana, Boyd Holbrook, não é suficientemente bom. Chega a ficar eclipsado por seu parceiro, o ótimo Javier Peña (Pedro Pascal), embora ganhe mais força perto do final, quando se deixa contaminar pela crueldade que ali impera e que mexe mesmo com quem tem a melhor das intenções. Ele é o narrador da série, que no começo lembra bastante OS BONS COMPANHEIROS, de Martin Scorsese, inclusive pela utilização da tela congelada aliada à violência.
Felizmente, a voz narrativa não funciona como uma muleta. Ao contrário, ajuda a tornar a série até mais agradável de acompanhar, além de servir também de ponte para o espectador americano, que não vai ter que ouvir só a língua espanhola o tempo inteiro, embora essa seja a língua predominante da série – outro acerto, aliás, para uma produção dos Estados Unidos.
Alguns personagens/atores são admiráveis, como é o caso de Maurice Compte, que interpreta o policial Horacio Carillo, que odeia Escobar com todas as suas forças, assim como Raúl Méndez, que interpreta o corajoso Presidente César Gaviria. É mais uma série de homens do que de mulheres, mesmo com os desempenhos de Paulina García, como a mãe de Escobar, e de Stephanie Sigman, como a repórter de televisão e amante do criminoso.
Por ser uma série do Netflix, que já ganhou a fama de não economizar na nudez e na violência gráfica, nada disso fica de fora dos episódios, o que contribui para o necessário ar de crueza da narrativa, ainda que uma crueza com beleza plástica. Mas nada disso adiantaria se não ficássemos envolvidos com os acontecimentos, especialmente quando a trama vai se encaminhando para o final, que na verdade nem é o final, já que a história continuará numa segunda temporada.
Mas a sensação de que estamos vendo um episódio melhor a cada vez que nos aproximamos do décimo é muito boa. Isso é muito importante para que nos interessemos pela próxima temporada. Nem consigo acreditar que ainda há muito a se contar de barbaridades e histórias incríveis cometidas por Escobar, que bota qualquer gângster de filme americano saído da ficção no bolso.
segunda-feira, novembro 02, 2015
UM AMOR A CADA ESQUINA (She's Funny That Way)
De um dos nomes mais importantes da chamada Nova Hollywood, tendo iniciado com filmes como NA MIRA DA MORTE (1968) e A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA (1971), Peter Bogdanovich foi se transformando num homem de televisão nos últimos anos. Depois de UM SONHO, DOIS AMORES (1993), o cineasta só chegou a fazer um filme para cinema, O MIADO DO GATO (2001), e desde então, só vemos produções para a televisão, de telefilmes a direção de episódios de séries, o que não quer dizer que isso seja uma decadência, levando em consideração a atual qualidade da TV americana, mas não deixa de passar uma impressão de afastamento pouco voluntário.
UM AMOR A CADA ESQUINA (2014) é o seu retorno aos cinemas. Pode até não ser um retorno glorioso, mas é muito difícil ver o filme e não dar umas boas gargalhadas ou ficar sorrindo com as situações, que parecem mesmo tiradas de comédias antigas, feitas nas décadas de 1930, por exemplo. O começo do filme ao som de jazz dessa época contribui com essa impressão. Embora se passe nos dias de hoje, o sabor de seu novo trabalho é de filme velho, embora muita gente o compare com o tipo de humor que Woody Allen faz, embora seja uma comparação válida.
A personagem central da trama é uma moça chamada Isabella, interpretada por Imogen Poots, que tem um tipo físico que parece agradar Bogdanovich, semelhante ao de Samantha Mathis, de UM SONHO DOIS AMORES, e Kirsten Dunst em O MIADO DO GATO, justamente os dois últimos filmes para cinema do diretor. Isabella é uma moça de família humilde que sonha em ser atriz de cinema, mas que, enquanto isso não é possível, vai ganhando a vida como garota de programa. Um dia ela topa com um diretor de teatro da Broadway (Owen Wilson), que lhe paga uma boa quantia em dinheiro para que ela largue aquela vida.
Como o jogo de coincidências é o combustível desta comédia, Isabella vai parar justamente numa audição para uma peça do tal diretor, para interpretar justamente uma prostituta. Ela encanta a todos da equipe. Até a esposa do diretor (Kathryn Hahn) a vê como a atriz perfeita para o papel. Aquela situação também seria ideal para que o ator principal da peça, vivido por Rhys Ifans, pudesse dar em cima da esposa do diretor.
Nessa ciranda de amores e confusões, muita coisa acontece, e há uma participação bem interessante de Jennifer Aniston como uma psicóloga meio maluca. Engraçado como a atriz tem se especializado nesse tipo de papel (lembra, por exemplo, a dentista de QUERO MATAR MEU CHEFE). Aniston não deixa de ser boa no que faz, mas o papel passa uma sensação de que já vimos isso antes. No mais, é um filme tão despretensioso que poderia ser facilmente esquecido se não tivesse a assinatura de Bogdanovich e um bom elenco.
domingo, novembro 01, 2015
AMY
Lembro que na virada dos anos 1990 para o novo século eu costumava dizer que jamais queria deixar de ficar antenado com a música que estava rolando pelo mundo. Os anos 90 foram deliciosos e intensos pra mim, mas eu não sabia que tinha algo chamado de envelhecimento ou falta de sintonia com uma nova geração que acabaria por fazer com que eu ficasse ou com pouco interesse por certos artistas novos ou começasse a questionar se a culpa era da falta de qualidade da nova música. Assim, no meio desse processo e em meio também a uma série de coisas chatas que ocorreram na década passada, eu comecei a me desinteressar por artistas daquela década, com exceção de alguns poucos, mas brasileiros.
Nesse ínterim, estava aflorando uma artista que hoje, para muitos, é considerada a maior do século atual, até o momento: a inglesa Amy Winehouse. Mesmo tendo lançado tão poucos discos. Sua trajetória até lembra um pouco a de Kurt Cobain, que surgiu como um meteoro, ou como uma bomba-relógio, com data iminente para explodir, devido, tanto à dificuldade de lidar com a fama quanto ao consumo desmedido de álcool e drogas aliado à saúde física e mental frágil. As más companhias também contribuíram bastante pra isso, principalmente o namorado de Amy, um sujeito que é pintado no documentário como um dos piores vilões já vistos.
AMY (2015), documentário dirigido pelo mesmo Asif Kapadia que dirigiu SENNA (2010), aborda de maneira ao mesmo tempo dura e delicada a trajetória dessa cantora sensacional, que se tornou mundialmente famosa quando estourou o álbum Back to Black (2006), o seu segundo, nascido da dor de ter sido abandonada pelo namorado Blake Fielder-Civil. Seria o equivalente ao Jagged-Little Pill, da Alanis Morissette, que também nasceu da dor do abandono, mas a cantora canadense soube canalizar isso tudo e ainda veio com um álbum seguinte em completo restabelecimento emocional e com uma bonita espiritualidade.
Infelizmente Amy preferiu se afundar nas drogas. Ou não teve forças para resistir por causa do vício. E as apresentações dela em shows começaram a ficar cada vez mais aquém do que o que o mundo conheceu. Assim, AMY traz tanto a evolução da cantora e compositora a partir de imagens de arquivo da adolescência quanto sua decadência física até a morte, em 2011. Algumas cenas são tão dolorosas de ver que a gente fica até pensando se é ético da parte do diretor mostrar aquilo, o quanto uma pessoa é capaz de ir ao fundo do poço, como quando ela é flagrada na rua com o namorado, depois de terem usado drogas e de terem se cortado com uma garrafa. Ou nas vezes em que ela estava completamente fora de si para dar uma entrevista. Até que ponto esse tipo de coisa é aceitável?
O documentário pinta como vilões (ou quase isso) pelo menos duas pessoas: o namorado/marido e o pai de Amy, que é visto como um sujeito que não apenas não soube tratar da filha como deveria, como também a explorou. Tanto que há uma ação jurídica dos familiares quanto aos responsáveis pelo filme.
Uma cena é particularmente digna de nota e causa arrepios, mesmo em quem não acompanhou de perto tudo isso na época em que estava se desenrolando, que é o nascimento no estúdio de "Back to black", a faixa-título do segundo álbum, uma das melhores canções de sentimento de abandono pela pessoa amada já feitas. E não é apenas pelo significado, pela letra, pela situação, mas como isso é traduzido em música e pela voz de Amy. Dessa mesma lavra veio também "Love is a losing game", outro lindo exemplar do amor como objeto cortante.