terça-feira, outubro 06, 2015
NÓS DUAS DESCENDO A ESCADA
Tem dias que só um filme muito bom para ajudar a salvar. Foi o caso de NÓS DUAS DESCENDO A ESCADA (2015), de Fabiano de Souza, exibido em Fortaleza no 9º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual. A comparação deste com AZUL É A COR MAIS QUENTE pode até ser um pouco difícil de evitar, já que em ambos os filmes há um casal feminino apaixonado e suas histórias são narradas com um espaçamento de tempo considerável, de modo que nós percebamos esse fator temporal tanto desgastando quanto enriquecendo a relação.
Separando os nove capítulos em que se divide o longa, o diretor e roteirista Fabiano e o produtor e editor Milton do Prado utilizam notícias curiosas da época em que se passa a história, entre os anos de 2011 e 2012. A proposta da filmagem foi também ousada nesse sentido, já que as cenas foram filmadas com esse espaçamento de nove meses. O resultado é que sentimos tanto o entusiasmo inicial dos primeiros encontros quanto o tédio e o desgaste quando surgem as discussões mais acirradas.
Apesar de em alguns momentos parecer ter alguma gordura na edição a partir de sua segunda metade, fica difícil imaginar o filme sem as cenas que ficaram. Do jeito que ficou, NÓS DUAS DESCENDO A ESCADA é tanto uma obra pop, que agrada a plateias maiores com sua narrativa agradável, como também flerta com o cinema de autores franceses como Jacques Rivette, Eric Rohmer e o Godard dos tempos de ACOSSADO.
Soube, através do produtor, que uma cena de sexo ficou na sala de edição, o que não deixa de ser uma pena, mas a difícil decisão pode ter beneficiado o produto final. O sexo, ainda que seja um elemento bastante excitante, além de muito bonito de ver no modo como é filmado, acaba servindo principalmente para a construção do estudo do relacionamento amoroso entre as belas protagonistas, a arquiteta Mona, vivida pela loira Carina Dias, e a estudante de arte Adri, vivida pela morena Miriã Possani.
Adri, depois de uma cantada de Mona e de um encontro no ônibus que rende até uma boa piada que remete explicitamente a LUA DE FEL, do Polanski, se torna alvo fácil e objeto do desejo de Mona e também do espectador. Aquele rosto fino de intelectual bonita e aqueles óculos de aros grossos são encantadores. Por outro lado, Mona, com aquele cabelo curtinho, acaba lembrando Jean Seberg no citado filme do Godard. Terá sido intencional?
Algumas cenas são dignas de nota, dada a delicadeza com que são dirigidas e representadas. Vale destacar a brincadeira em uma videolocadora com títulos de filmes brasileiros, as tantas vezes em que as duas se acariciam e conversam na cama, o baseado no aniversário de Adri, o momento em que ela chega deslocada em uma festa dos amigos de Mona (uma das mais bem-dirigidas, provavelmente, e uma das poucas com vários personagens em cena) e as buscas de resolução da situação das duas, inspirando-se, metalinguisticamente, nas comédias românticas. Mas não sem algo de estranho, herdeiro do cinema europeu, para tornar a obra mais charmosa.
No mais, outro belo destaque do filme é a sua trilha sonora, recheada de canções tão saborosas que deveriam constar em um CD encartado em uma futura edição em DVD do filme (dreaming is free). Frank Jorge é o autor da trilha original, mas no elenco de artistas há nomes como Graforréia Xilarmônica, Júpiter Maçã, Karina Buhr, DJ Dolores, Tulipa Ruiz, Clarissa Mombelli, Fernanda Takai, Cris Martins e até Aracy de Almeida, tudo funcionando muito bem no conjunto da obra.
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