terça-feira, maio 12, 2015
ÚLTIMAS CONVERSAS
Ver o próprio Eduardo Coutinho sendo entrevistado e se sentindo um tanto acuado nos instantes iniciais de ÚLTIMAS CONVERSAS (2015) é de dar ainda mais saudade dele, de seus filmes de conversas, que ele sabia tão bem orquestrar e também montar, escolhendo os entrevistados certos para compor o seu mosaico. Infelizmente o novo filme teve que ser montado por outra pessoa devido à sua passagem em fevereiro do ano passado.
ÚLTIMAS CONVERSAS recebeu esse nome em virtude do que ocorreu com o cineasta, e o material de 32 horas de gravação foi entregue a pessoas de confiança, como Jordana Breg, que já havia editado alguns de seus melhores trabalhos, e João Moreira Salles, seu produtor e também grande documentarista, que teve a dolorosa honra de finalizar o filme.
O foco das entrevistas são jovens dos 16 aos 18 anos, todos estudantes de escola pública do Rio de Janeiro, sobre seus planos para o futuro e sobre suas vidas pregressas. Já havíamos visto um belo documentário que conversa com estudantes sobre a questão do ensino, PRO DIA NASCER FELIZ, de João Jardim, mas ÚLTIMAS CONVERSAS amplia o espectro temático, deixando o jovem expressar como lhe aprouver, falando não só desse período tão conturbado, que é a adolescência, como também de seus anseios e de suas visões de mundo.
Assim, há jovens mais pés no chão, que preferem falar apenas daquilo que experimentaram de fato, mas há aqueles que tentam filosofar demais e dar um passo maior do que as pernas, caso de um deles, que até teve que ser corrigido por Coutinho, numa de suas intervenções mais explícitas, já que ele costuma se manter o menos visível possível em seus filmes.
Pode-se dizer, aliás, que este novo filme é um dos que mais ouvimos a voz do cineasta-entrevistador. Até porque, pela pouca maturidade dos jovens, é preciso que ele puxe mais deles, incentivando, assim, uma maior abertura daqueles que são mais tímidos. Dessa maneira, o diretor arranca lágrimas e depoimentos bastante íntimos de alguns de seus entrevistados, como da garota que foi abusada pelo padrasto. Coutinho tinha uma maneira toda especial de deixar as pessoas à vontade ou prontas para usar a tela como um palco.
As angústias do cineasta ao início do filme, com relação ao universo jovem, se tornam ainda mais intensas para o espectador, uma vez que sabemos de sua tristeza com relação ao filho. E quando interpelado sobre deixar de filmar, ele afirma que jamais deixaria de filmar: é tudo o que ele sabe fazer. Felizmente, ao menos, ele exerceu o seu ofício até a sua morte. Ele cita a criança como um exemplo de entrevistado que representaria a pureza, o não atuar, o não chegar armado para uma entrevista. O que não quer dizer que ele não trate com o maior carinho todos os entrevistados que vemos.
O humanismo tão impregnado em seus documentários se manifesta novamente neste novo trabalho, que nem procura trazer algo novo e provavelmente não seria tão elogiado assim se Coutinho estivesse vivo, como foi mais ou menos o caso de AS CANÇÕES (2011), considerado por muitos um passo atrás do cineasta em sua evolução. ÚLTIMAS CONVERSAS é, de fato, uma variação de um estilo que ele já vinha exercitando há um bom tempo.
Mas “fazer o mesmo filme” para um grande autor é trazer sempre algo especial para os apreciadores de seu trabalho. E como estamos falando do maior documentarista de nosso país, todo e qualquer filme de Coutinho é especial. Sendo póstumo, então, o sabor pode até ser um pouco amargo, mas seu novo trabalho é mais leve do que aparenta. Os risos até se sobressaem ao choro. E no final ele ainda deixa a porta aberta para quem quiser entrar. Esse simbolismo, inclusive, pode significar uma porção de coisas. Talvez por isso seja tão bonito.
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