domingo, abril 05, 2015
VÍCIO INERENTE (Inherent Vice)
Ver VÍCIO INERENTE (2014) e presenciar a coragem de Paul Thomas Anderson em apresentar um filme tão pouco acessível a grandes audiências como esse faz a gente pensar que talvez estejamos vivendo num momento especial do cinema americano, em que a questão do autor, que se mostrou explícita durante o nascimento da chamada Nova Hollywood, parece estar voltando com força com esta nova geração de cineastas independentes, dispostos a romper com algumas convenções, e tendo um senso de autoconfiança impressionante.
A trajetória de Anderson já é, por si só, das mais interessantes e curiosas. Tendo apenas sete longas-metragens no currículo, alguns filmes são mais acessíveis, ainda que bastante admiráveis, como BOOGIE NIGHTS – PRAZER SEM LIMITES (1997) e SANGUE NEGRO (2007), dois filmes que têm algo de grandiloquentes, ainda que não tanto quanto MAGNÓLIA (1999). Mas são trabalhos que conseguem dialogar com um público maior, ao contrário de O MESTRE (2012) e este novo VÍCIO INERENTE, cujo maior problema é ser quase impalpável.
Mas o que pode ser um problema para alguns, pode ser uma qualidade e o grande charme do filme para outros. Levando em consideração que ele levou para as telas uma adaptação de um romance de um escritor tido como inadaptável (Thomas Pynchon), até que ele se saiu muito bem. Há tantas cenas memoráveis e um senso de humor tão próprio em VÍCIO INERENTE, que é difícil encontrar paralelos no cinema recente. Talvez a comparação maior seja com À BEIRA DO ABISMO, de Howard Hawks, que também faz questão de ser um filme com uma trama quase incompreensível, de tão intrincada.
Em VÍCIO INERENTE, é entrar ou não na viagem. De repente, os efeitos da maconha do personagem de Joaquin Phoenix podem funcionar para alguns e para outros causar uma bad trip. Difícil é lidar com esse convite ao relaxamento no que concerne à história, ao mesmo tempo que também temos um convite à reflexão sobre as mudanças que passou a sociedade americana, da década de 1970 para os dias atuais. Se isso for mesmo uma das intenções de Anderson.
Na complicada trama cheia de personagens de VÍCIO INERENTE, Phoenix é Larry "Doc" Sportello, uma espécie de detetive particular maconheiro que tem sua vida virada do avesso com o aparecimento de uma ex-namorada por quem ele ainda nutre muito amor, vivida por Katharine Waterston, nunca vista tão sexy. A cena em que ela aparece na casa de Doc parece uma ilusão e ela se mostra também impalpável nesse momento.
A partir daí começa a jornada de Doc para encontrá-la, ao mesmo tempo que surgem novas e confusas subtramas, envolvendo um policial violento (Josh Brolin), um homem negro que vem contratar seus serviços (Michael Kenneth Williams), uma atendente de uma casa de massagem especializada em sexo oral (Hong Chau), uma policial-amante (Reese Witherspoon) e um sujeito dado como desaparecido, mas que reaparece em vários ambientes só para complicar ainda mais a história (Owen Wilson).
É mais ou menos nesse saco de gato que nos vemos envolvidos. E isso não é nem a metade da quantidade de personagens que surge ou é citado ao longo deste filme surreal, que acompanha o ponto de vista confuso de seu protagonista com a coragem de quem quer dar a cara a bater.
Conforme algumas análises, VÍCIO INERENTE seria mais um filme do diretor sobre o fracasso do sonho americano e o fim das utopias, com direito a citações a Charles Mason e a Santa Ceia, transformada em uma mesa com um grupo de hippies comendo pizza. É Anderson mais uma vez fazendo uma viagem aos anos do amor livre, mas sem deixar de se conectar com os dias atuais.
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