quarta-feira, fevereiro 18, 2015

DOIS DIAS, UMA NOITE (Deux Jours, une Nuit)



O sorriso triste de Marion Cotillard expressa bem o seu drama: estar ainda em luta contra uma depressão e ter que reagir por causa de um emprego que está prestes a perder, numa Bélgica assolada pela recessão. De certa forma, DOIS DIAS, UMA NOITE (2014) parece um daqueles filmes iranianos simples e delicados, como ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO?, de Abbas Kiarostami, em que um menino precisa devolver o caderno de seu colega de sala, sob pena de o menino ser expulso da escola.

Na trama, Marion Cotillard é Sandra, uma mulher que depois de passar uma um tempo de licença médica por causa de uma depressão, precisa encontrar forças para reaver o emprego, agora que ela foi trocada por bônus de 1.000 euros, oferecidos a cada um dos 16 funcionários da empresa, numa votação. Deste modo, num jogo perverso e desumano, percebeu-se que a companhia pode se virar muito bem com esse número reduzido de empregados, não precisando, portanto, dela. Sua missão é encontrar, em dois dias de um fim de semana, cada um desses funcionários para fazê-los mudar de ideia e conseguir, assim, o emprego de volta.

Esse fiapo de história seria um desastre completo se estivesse nas mãos de diretores convencionais, dentro de uma estrutura convencional de melodrama. Mas os condutores são os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que em pleno domínio de seu ofício perseguem situações em que a natureza humana é posta em xeque. Vê-se tanto o aspecto mais bondoso do espírito humano, como no rapaz que está jogando futebol e se emociona ao ver a amiga pedindo o emprego de volta; quanto insensível, como no sujeito que é capaz de bater no amigo por não aceitar abrir mão de seus mil euros.

Sem utilização de uma trilha sonora, algo já comum nos trabalhos dos Dardennes, DOIS DIAS, UMA NOITE só tem assim a interpretação de Cotillard, a força da direção dos irmãos, com uso da câmera na mão, e uma decupagem acertada e dinâmica. Esse cinema um tanto bressoniano, já conhecido de quem tem acompanhado os filmes anteriores dos cineastas, aposta na simplicidade para atingir o seu objetivo. Não vai agradar a todos e certamente não é melhor que O GAROTO DE BICICLETA (2011), A CRIANÇA (2005) e ROSETTA (1999), para citar os mais louvados trabalhos dos diretores, mas é uma obra e tanto.

O que pode incomodar é justamente termos uma atriz que já vem de dois papéis bem tristes – ERA UMA VEZ EM NOVA YORK, de James Gray, e FERRUGEM E OSSO, de Jacques Audiard –, em vez dos tradicionais atores pouco conhecidos dos outros filmes dos Dardennes. Há também o fato de que nós, brasileiros, estamos acostumados com uma miséria muito maior, situações de desespero e desesperança muito maior, e por isso a dor de Sandra pode não ser tão fácil de comprar assim. Além do mais, o dia está sempre muito bonito e ensolarado no filme, o que é uma escolha muito interessante para se fugir do óbvio.

Embora o filme também tenha a intenção de tratar do mundo cruel das empresas e de uma situação arquitetada justamente para compor uma busca, como num jogo, o drama de Sandra faz mais sentido pelo viés da depressão, que tira a força das pessoas e as faz ver o mundo através de um pesado véu. E, nisso, o sorriso triste da protagonista, sua magreza, seus atos desesperados, seu andar hesitante e cansado, tudo isso dá credibilidade à obra. Além do mais, cantar "Gloria", de Van Morrisson, quando se está deprimido, não é fácil.

DOIS DIAS, UMA NOITE foi indicado ao Oscar na categoria de melhor atriz (Cotillard).

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