quinta-feira, outubro 09, 2014
O ATO DE MATAR (The Act of Killing)
Assisti O ATO DE MATAR (2012) com a saúde um tanto delicada. Tanto por causa de minha fragilidade física e espiritual, quanto pela natureza do filme em si, saí do cinema com ânsia de vômito, tonto, com a visão turva e não querendo falar com ninguém ao chegar em casa. O filme me deixou sobrecarregado de energia negativa, depois de presenciar os atos obcenos dos carrascos de uma ditadura que ainda permanece na Indonésia. E especialmente por causa de uma das cenas finais, que causa engulhos. Essa cena pode ter surgido espontaneamente, fruto do peso na consciência do protagonista assassino, mas pode ter havido uma intervenção dos diretores, encabeçados pelo americano Joshua Oppenheimer, de modo a dar mais impacto à obra.
A tal cena da ânsia do vômito, aliás, reforça outra cena horrível de ver, na qual um dos auxiliares do carrasco escova a língua de modo a causar uma sensação de mal estar físico no espectador. Mas sabemos que cinema não é só de trabalhos que elevam o espírito e nos deixam leves. O ATO DE MATAR é o exemplo vivo de um tipo de cinema feito para incomodar, causar reflexão e indignação. Além de informar, já que poucos sabem do assassinato de milhares de pessoas a pretexto de serem comunistas, na Indonésia da década de 1960, em um regime que hoje apresenta os carrascos/gângsteres como heróis da pátria, a ponto de participarem de talk shows, inclusive.
Aproveitando esse ego inflado desses homens repulsivos, Oppenheimer e outros diretores, a maioria deles assinados como anônimos, de modo a não sofrer represálias do governo do país, o cineasta americano chega com a proposta de convidar alguns desses homens a dirigir e atuar em um filme criado por eles mesmos a reconstituição do que ocorreu naquela época. E a descrição do carrasco de maior destaque não poderia causar mais indignação. O sujeito afirma que, para evitar o sangue excessivo das vítimas que eram torturadas e depois assassinadas, ele inventou um método mais "limpo" de mortes, usando arames para asfixiar a pessoa.
E o absurdo de tudo é que eles contam com orgulho e sorriso no rosto tudo aquilo. Absurdo também ver o quanto os valores deles são totalmente invertidos, dando até para encarar o principal carrasco como alguém ingênuo à sua maneira. O fato de ele repensar o que fez no passado e de dizer que tem pesadelos que o perturbam pode até dar a ele um ar de mais humanidade, assim como a cena em que ele chama o neto para ver uma filmagem em que ele encena a posição de uma vítima sofrendo tortura. A extorsão desses velhos gângsteres a comerciantes temerosos também é mostrada com naturalidade e até com orgulho por eles, assim como a terrível descrição de um deles de como adorava matar as pessoas, mas especialmente apreciava estuprar adolescentes de quatorze anos.
Tudo isso e mais as várias repetições das filmagens do filme de mentira que realizam contribuem para um sentimento de mal estar intenso no espectador, embora haja um uso de cores e alguns momentos que ficam entre o belo e o brega que atenuam levemente esse impacto. Caso da cena do peixe gigante; caso das cenas envolvendo uma cachoeira.
O que pode depor contra O ATO DE MATAR é a sua natureza ética, já que os diretores estavam enganando todo mundo ali. Tanto os implacáveis gângsteres semiaposentados, quanto os inocentes que toparam participar de uma reconstituição violenta do passado, e que já carregavam no coração a dor de ter perdido entes queridos por causa desses indivíduos ou mesmo de terem presenciado na infância algumas dessas atrocidades. Como um dos produtores é Werner Herzog, que de vez em quando opta pelo exploitation disfarçado de filme de arte (ou seria o contrário?), vide O HOMEM-URSO, é de imaginar que essa questão ética possa ser tanto um problema quanto mais um elemento, apesar de tudo, a favor do filme.
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