sábado, setembro 20, 2014
CASTANHA
A primeira cena de CASTANHA (2014), de Davi Pretto, é chocante. Tanto que já deixa no ar um clima de iminente tragédia. E é assim que acompanhamos a rotina de João Carlos Castanha, um sujeito que mora com a mãe, lida com um sobrinho que mora na rua e é viciado em crack e trabalha como transformista em um clube gay durante a madrugada. Ao mesmo tempo, acompanhamos sua saúde frágil, não muito explicitada, mas dando a entender que se trata de um problema grave, levando em consideração que ele fala dos inúmeros amigos que perdeu no passado. E tudo isso é contado em um misto de ficção e documentário, num estilo bem particular e envolvente.
E o mais curioso é que João Carlos Castanha é uma pessoa real. Uma pessoa real e famosa em Porto Alegre, onde atua no submundo das artes e até já trabalhou em alguns filmes. Então o que Davi Pretto constrói é uma interessante mistura entre personagens e pessoa real, deixando o espectador querendo saber o quanto dali é verdade e o quanto é ficção. Para quem não sabe quem é o protagonista, isso fica ainda mais confuso.
O segredo para apreciar o filme é aceitá-lo como é. Momentos inspirados e admiráveis não faltam. Momentos de pura força imagética quase sempre com o uso da câmera parada ou com poucas acrobacias, apesar do registro pendendo para o documentário, ainda que saiba costurar o enredo como ficção ao longo de sua metragem como poucos. A fronteira entre ficção e documentário é tão nublada quanto o fato de Castanha estar o tempo todo atuando, até mesmo quando está em sua casa, conversando com a mãe, que reclama da doença e da velhice.
CASTANHA é o primeiro longa de Davi Pretto. Já havia conhecido um de seus curtas, em parceria com Bruno Carboni, QUARTO DE ESPERA (2009), uma ficção científica distópica interessante, mas que não prenuncia a excelente estreia na direção de longas de Pretto. Seu trabalho em CASTANHA é tão admirável que parece de um cineasta com mais bagagem na estrada. A estrutura é fragmentada, mas essa característica casa bem com a proposta. E o fato de o filme terminar de maneira brusca faz com que queiramos vê-lo novamente. Isso porque a experiência de vê-lo causa também prazer, mesmo sendo uma obra inquieta por natureza. Ou talvez por isso mesmo.
A busca por um tipo de dramaturgia menos óbvia, a presença de um ator da envergadura de João Carlos Castanha que interpreta a si mesmo – ou um alter-ego similar – e a segurança de Pretto na direção, tudo faz de CASTANHA um dos mais intrigantes e primorosos filmes do ano. É para ficar de olho assim que entrar em cartaz em nosso circuito.
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