Certamente não é um filme perfeito este primeiro trabalho na ficção de Paulo Sacramento, diretor do celebrado documentário O PRISIONEIRO DA GRADE DE FERRO (2003). RIOCORRENTE (2013) entra em sintonia com um momento de intenso fervilhar social, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Pudemos ver principalmente nos eventos de junho de 2013, embora o filme, muito provavelmente, não tenha uma relação direta com o ocorrido. Mas isso não quer dizer que o filme não dialogue com esse momento de convulsão social.
RIOCORRENTE trata de indivíduos e não de comunidades ou sociedades. Mas só aparentemente, já que cada personagem pode simbolizar determinado grupo. Temos o ladrão de carros que tem momentos de intensa violência, um jornalista que costuma renegar o novo, uma mulher misteriosa que transita sentimental e sexualmente na vida desses dois homens e um menino de rua de nome Exu.
É Exu quem abre o filme, riscando um carro com um prego e demonstrando todo o seu ódio à sociedade que o rejeita. A única pessoa que lhe dá abrigo e que mais se aproxima de uma figura paterna é o ladrão de carros, que de vez em quando o pega na rua e o leva para a sua casa. O garoto, porém, vive livre e de maneira selvagem.
RIOCORRENTE traz tantos simbolismos que muitas vezes se assemelha ao cinema surrealista, inclusive com uma cena rápida de uma cirurgia ocular, como que para lembrar a famosa cena da navalha no olho de UM CÃO ANDALUZ, de Luis Buñuel. Muitos desses simbolismos causam impacto e são responsáveis pela riqueza visual e de conteúdo do filme.
O forte caráter imediatista está presente desde uma das cenas iniciais, em que uma banda de rock/jazz se utiliza de palavras que foram também usadas numa canção da banda Rage against the Machine, que diz algo como "Tem que começar em algum lugar, tem que começar em alguma hora, que melhor lugar do que aqui?, que melhor tempo do que agora?".
Essa vontade de explodir de modo a se transformar ou renascer é também vista no comportamento dos personagens adultos mais intensos do filme, o ladrão de carro e sua namorada. Ela, inclusive, faz propostas ao jornalista para fugirem da monotonia, mas ao que parece ela escolheu a pessoa errada para aplacar a sua sede de aventuras. Essa vontade imensa de mudar, através de atos de violência, com o simbolismo do fogo, principalmente, se fará presente em uma das cenas mais bonitas do filme.
"As ideias vão voltar a ser perigosas", diz um personagem em determinado momento. Há uma imensa vontade de mudar, de quebrar as barreiras da opressão ou seja lá o que esteja incomodando os personagens. Mesmo a chamada ditadura do novo, que tanto incomoda o jornalista e que é objeto de reflexão em um momento que remete muito ao registro documental.
Esse apanhado de situações, citações e ideias que parecem tantas que passam a impressão de que o filme não sabe qual é o seu foco, juntamente com os inúmeros simbolismos e uma utilização de uma trilha sonora que flerta com o cinema de horror, fazem de RIOCORRENTE um dos filmes brasileiros mais interessantes dos últimos anos.
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