sexta-feira, julho 18, 2014

BANG BANG



Pode até não ser um filme em que se sente prazer de assistir durante toda a sua metragem, mas BANG BANG (1971) é, sem dúvida, uma obra não apenas singular, mas também muito rica em seus simbolismos em plenos anos de chumbo da ditadura militar e que dizem também muito da própria realização. Quando vi as duas palestras do Andrea Tonacci em dois dias seguidos, uma na Vila das Artes, depois de uma exibição de BANG BANG, e outra no Dragão do Mar, depois de JÁ VISTO JAMAIS VISTO (2013), soube por ele que os arquivos liberados da censura apresentam os motivos de sua impossibilidade de levá-lo para ser exibido em outros países: perceberam o quanto seu trabalho utilizava metáforas para criticar o regime militar.

A falta de uma narrativa lógica e a ruptura com os padrões convencionais de trama e personagens acabam por espantar o público mais acostumado ao cinema clássico-narrativo. Pelo menos é o que pensamos enquanto o assistimos, mas achei muito curiosa e divertida a história que Tonacci contou de quando o filme chegou a passar num cinema de São Paulo e não tinha ninguém na sala. Ele chegou para comprar ingresso e a moça da bilheteria disse que só teria sessão se houvesse público mínimo de seis ou sete pessoas. Ele viu um grupo de garis sentado na calçada e perguntou se eles aceitavam entrar de graça na sessão. Se não gostassem, podiam sair na hora que quisessem. Para sua surpresa, os caras gargalharam o filme inteiro. Para ele, isso foi melhor do que qualquer prêmio ou reconhecimento através da bilheteria, já que o próprio pai havia se mostrado muito decepcionado com o filho depois de ver o filme.

Parece até uma história de filhos de roqueiros ou de homossexuais, mas talvez por isso, e pelo caráter tão humilde de seu orçamento que esse e outros filmes de realizadores do período tenham ganhado o rótulo de "cinema marginal". Que é um rótulo não muito aceito por alguns realizadores, mas que eu acho interessante e até elegante, além de flertar com o movimento punk, que ainda não tinha surgido oficialmente.

Além do mais, diferente da maioria dos músicos punks, que não sabiam tocar, mas tocavam, Tonacci sabia dirigir sim. Seu rigor formal já mostra o quanto o cineasta tinha um claro domínio da linguagem cinematográfica, o que pode ser visto no modo como ele dispõe a câmera, sempre muito bem enquadrada, seja em câmera parada, seja naquela cena em que Paulo Cesar Pereio (genial) conversa um papo muito desarticulado com uma mulher em um bar.

Falando em papo, um detalhe que Ismail Xavier comenta sobre o filme em um dos extras do DVD e que eu acho interessante é mesmo sua total falta de diálogo. Quer dizer, há diálogos sim, mas eles são ou quebrados e sem sentido ou mostram ruídos de comunicação, como nas cenas mais gostosas do filme, que são os dois takes dentro do taxi. Nas tais cenas, Pereio, o protagonista que é perseguido por uma trupe de bandidos patéticos, pega um taxi que não passa da segunda marcha. A discussão entre passageiro e motorista é divertidíssima e talvez a única cena realmente engraçada do filme, embora haja durante o filme inteiro uma homenagem à comédia. Seja a comédia hollywoodiana, seja a das chanchadas da Atlântida. Mas isso é apresentado numa chave parecida com a dos filmes de Godard, em que a estranheza perante os gêneros se faz presente e confunde ou perturba.

Trata-se de um filme que mais incomoda do que deixa o espectador confortável. Mesmo (ou principalmente) quando deixa de mostrar o grotesco para mostrar três cenas de dança com uma bailarina, BANG BANG não deixa de causar certo desconforto. A utilização de planos longos também pode incomodar um pouco, embora eu goste bastante da longa cena do carro na estrada. Mas talvez pelo simples fato de gostar de cenas de carros em estradas.

Pensar numa sinopse para BANG BANG é uma tarefa complicada, embora não seja impossível. Isso porque há quebras da estrutura narrativa, situações que começam e não continuam, há o personagem do macaco que ora é o Pereio, ora não é, levando em consideração que um macaco dirige um carro que o persegue numa das cenas finais do filme. Aliás, o macaco, o espelho e a câmera dão pano pra manga para diversas interpretações e viagens.

E o que é aquela última cena, hein? Que outro diretor faria a loucura de colocar uma cena de um homem se vestindo com a maior tranquilidade como na sequência final? Por isso deve-se dar o devido crédito e respeito a Tonacci por fazer uma obra tão corajosamente contrária às convenções narrativas, até mesmo utilizadas por alguns diretores de vanguarda.

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