domingo, maio 25, 2014
SEIS CURTAS BRASILEIROS
Acabei perdendo os três primeiros dias da VI Mostra Outros Cinemas, que este ano está acontecendo no ambiente aconchegante da Caixa Cultural. As presenças dos amigos Gabriel Carneiro (que apresentou seu curta BATCHAN na quarta-feira) e Camila Vieira me fizeram comparecer a essa quarta noite. Uma pena que mais pessoas não estejam prestigiando o evento. E nem vejo motivo para tal, já que é gratuito e os curtas, em sua maioria, são muito interessantes. Ainda assim, comecei o dia não muito bem, com um documentário em longa muito ruim, mas falaremos disso em outra oportunidade. Vale lembrar que também foi apresentado na noite JESSY, mas sobre este adorável filme, eu já havia comentado no ano passado, por ocasião de sua passagem pelo Cine Ceará. Na revisão, continua uma graça. Vamos aos outros curtas, todos de 2013.
MULTIDÕES
No começo demora um pouco a se acostumar com a estranheza da dramaturgia deste segundo trabalho de Camila Vieira. Houve uma bela evolução do seu primeiro trabalho (O COMEÇO, 2010) para este, que até remete, talvez sem querer, a alguns trabalhos de David Lynch (lembrei do velhinho do episódio final de TWIN PEAKS e do outro velhinho, o de HISTÓRIA REAL). A opção pela lentidão extrema no falar e no agir parece ser um problema no começo, mas, uma vez que aceitamos sua proposta, tudo parece fazer sentido. Especialmente quando percebemos uma espécie de crítica à velocidade com que a sociedade contemporânea quer que o mundo se comporte. O filme de Camila é uma obra de resistência, nesse sentido, e também por tratar da questão da violência, utilizando a dança e o teatro como adjuvantes. Destaque também para a ótima fotografia, que em alguns momentos utiliza cores lindas, como a de uma cena em particular, com a protagonista na banheira. 20’.
PARQUE SOVIÉTICO
Falando em fotografia, a primeira coisa que chama a atenção em PARQUE SOVIÉTICO, de Karen Black, é seu preto e branco, que valoriza as pedras e estátuas da praça onde dois ex-namorados se encontram para falar sobre um relacionamento mal resolvido. Todo falado em alemão, o filme se passa em uma praça na Alemanha que conta com uma estátua de Stalin. Trata-se de um belo filme, que conta com diálogos divertidos sobre a dicotomia capitalismo-comunismo, mas sua preocupação maior parece ser com a forma. Mesmo não apresentando tantas novidades estéticas assim, é bem prazeroso de assistir e não me incomodaria se tivesse uma duração maior. 10’.
DEIXEM DIANA EM PAZ
Com desenhos lindíssimos de Cavani Rosas e uma animação muito discreta, mas também bem elegante, DEIXEM DIANA EM PAZ (foto) ganha mais força com a narração em tom de fábula de Irandhir Santos. O filme de Júlio Cavani conta a história de uma mulher que, cansada da vida dura de dormir apenas cinco horas por dia, quando completa 30 anos, passa a querer dormir cada vez mais. Talvez falte ao filme mais impacto na condução da história, mas o visual é tão bonito, valorizando, inclusive, o corpo nu de Diana, que chega a compensar. 10’.
NO INTERIOR DA MINHA MÃE
Certamente foi o curta que mais encantou a audiência esta noite. NO INTERIOR DA MINHA MÃE, de Lucas Sá, é um delicioso documentário sobre a ida do cineasta à casa dos familiares de sua mãe em uma cidadezinha do interior do Maranhão. Sua visão sobre a cidade é como a de um moleque que engana os mais velhos para ganhar um doce. Detalhes como o comportamento da família, algumas cenas engraçadas (como o chiclete no guarda-roupa), imagens de programas de televisão e até de um trecho de A HORA DA ESTRELA, além da encantadora menina sapeca, irmã do documentarista, são elementos que parecem carecer de uma coesão. Mas o filme é tão agradável e simpático que seus supostos problemas podem ser relevados tranquilamente. É um curta para querer ver de novo e ter, para mostrar aos amigos. No debate, o diretor Lucas Sá se mostrou bastante simpático e divertido quanto o seu filme. De quebra, ainda confessou que todas as pessoas na ficha técnica do filme foram inventadas por ele. Sensacional. 17’.
CONTOS DA MARÉ
Um filme que tem vários admiradores e é tido por muitos como um dos melhores a despontar em festivais no ano passado, CONTOS DA MARÉ, de Douglas Soares, não teve o mesmo efeito sobre mim. A ideia é até interessante: pegar histórias fantásticas antigas dos familiares mais velhos e explorar ao longo do documentário, com direito a pessoas com cabeças de porco, de cobra e de lobo. A divisão por capítulos é interessante e cada começo de história promete algo que não é cumprido. Talvez a melhor história seja a do sujeito que criava porcos e praticava zoofilia com os bichos. Um dia nasceu um porquinho com a sua cara. 17’.
FERNANDO QUE GANHOU UM PÁSSARO DO MAR
O estraga-prazeres da noite, FERNANDO QUE GANHOU UM PÁSSARO DO MAR é o tipo de filme longo, aborrecido, desconjuntado e parece não ir a lugar nenhum, mesmo se passando em dois países diferentes: Brasil e Portugal. Um dos diretores, Felipe Bragança, não compareceu ao debate, mas enviou um bilhete informando que seu filme foi finalizado antes das grandes manifestações de junho de 2013. Mesmo tendo isso a seu favor, com a cena do índio manifestando sua insatisfação com a chegada da Copa e a falta de atenção das autoridades às comunidades carentes do Rio de Janeiro, a imagem que mais representa o filme é a de um sujeito defecando e limpando a bunda. Até parece uma autocrítica dos diretores (o outro é Helvécio Marins Jr.) à própria produção. Lembrando que Felipe Bragança é autor de um dos filmes mais chatos do cinema brasileiro recente, o longa A ALEGRIA (2010). Como roteirista, porém, ele tem oferecido algumas contribuições valiosas para o nosso cinema. 20’.
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