sábado, fevereiro 15, 2014

ELA (Her)























"E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou."
(Gênesis 1:27)

Ao que parece, não demorará muito para que o homem também passe a ser uma espécie de deus, criando à sua imagem inteligências artificiais espelhadas em seus pensamentos e sentimentos, de modo que possam até mesmo evoluir de maneira livre. No cinema, já havíamos visto algo parecido em diversos filmes. Podemos lembrar do computador HAL-9000, de 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick; das inteligências artificiais parecidas com anjos no final de A.I. – INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, de Steven Spielberg; do andróide amigo da família de O HOMEM BICENTENÁRIO, de Chris Columbus; dos andróides rebeldes que desejam permanecer vivos de BLADE RUNNER – O CAÇADOR DE ANDRÓIDES, de Ridley Scott. Há, certamente, outros tantos exemplos de como o cinema antecipou essa possibilidade.

Porém, poucos filmes lidaram de maneira tão romântica e tão delicada com essa questão quanto ELA (2013), de Spike Jonze, que tem uma carreira com mais videoclipes do que longas-metragens. Lembremos de um clipe que ele fez para a Björk, "It’s Oh So Quiet" (1995), canção que trata justamente da paixão e de como ela mexe com a cabeça das pessoas. Tudo bem que o mérito aqui é principalmente da cantora e compositora, mas o trabalho inspirado nos musicais da Broadway que o diretor criou foi algo bastante especial.

Jonze, inclusive, vinha mostrando também em trabalhos mais recentes, como ONDE VIVEM OS MONSTROS (2009) e o curta-metragem I’M HERE (2010), a sua tendência em sair um pouco mais dos cerebralismos de QUERO SER JOHN MALKOVICH (1999) e ADAPTAÇÃO (2002), que eram bem mais culpa do roteirista, Charlie Kaufman. ELA seria, portanto, a junção dessa natureza cerebral, já que trata de um universo de ficção científica, com um tratamento mais amoroso, ao abordar a história de um homem que se apaixona por um sistema operacional.

Mas não se trata de um sistema operacional qualquer. É um SO com a voz, a sedução e o senso de humor de Scarlett Johansson, que aqui ganha o nome de Samantha. O homem, vivido por Joaquin Phoenix, se chama Theodore, e está passando por um momento bastante difícil em sua vida. Depois da separação da esposa (Rooney Mara), ele não é mais o mesmo. Sonha com ela constantemente. Seu trabalho é particularmente interessante: ele escreve cartas de amor em uma empresa especializada no ramo. E ele é muito bom nisso, tem muita sensibilidade no uso das palavras.

O futuro mostrado no filme, ao mesmo tempo que facilita as conexões, também afasta as pessoas. Mais ou menos como já podemos sentir atualmente, em que os contatos virtuais tomam cada vez mais o espaço dos contatos físicos. A vantagem é que podemos conhecer e gostar de certas pessoas menos influenciados por sua aparência e mais influenciados por sua mente, seu espírito, por assim dizer.

Quanto a Theodore, nem mesmo o trabalho o impede que ele mergulhe cada vez mais na solidão. Até o dia em que ele descobre um sistema operacional que pode conversar com a pessoa, além de auxiliar em diversas tarefas. O primeiro contato com o tal sistema, Samantha, já é bastante impressionante. Samantha parece uma pessoa de verdade, embora tenha consciência de que não tem corpo e ainda questiona a natureza dos próprios sentimentos. Aos poucos, a relação dos dois adquire um status de relacionamento afetivo. E isso começa a fazer muito bem para Theodore, que, com a ajuda de Samantha, consegue preencher o vazio no peito pela falta da ex-esposa.

Obviamente, este não é o resumo da história completa, que ganha um desenvolvimento empolgante e muitas vezes bizarro e um final belíssimo. E Jonze consegue isso a partir de um roteiro muito bem escrito por ele mesmo, apresentando-nos discussões de relacionamento aparentemente inéditas no cinema, com um grau de profundidade que faz com que o filme seja adequado para plateias adultas. Além do mais, há também todo um cuidado no uso das cores, com um belo trabalho de fotografia do holandês Hoyte Van Hoytema, no desenho de produção e nos figurinos futuristas, na música da banda canadense Arcade Fire, e no elenco de apoio, composto por outras beldades, como Amy Adams, Rooney Mara e Olivia Wilde.

ELA foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme, roteiro original, trilha sonora original, canção ("The Moon Song", de Karen O e Spike Jonze) e desenho de produção.

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