quinta-feira, janeiro 09, 2014

NINFOMANÍACA – VOLUME 1 (Nymphomaniac – Vol. 1)























Lars von Trier ainda é uma incógnita. Manipulador cínico ou gênio incompreendido? Um artista atormentado ou um marqueteiro esperto? Provavelmente tudo isso junto. Não é difícil encontrar pessoas que têm relações de amor ou de ódio ou os dois sentimentos em diferentes tempos com o cineasta dinamarquês. Não dá pra negar o tanto de visibilidade que ele ganhou desde que faturou a Palma de Ouro em Cannes com DANÇANDO NO ESCURO (2000), estrelado pela cantora Björk. Mas foi mais ou menos nesta época que ele começou a ser pintado como um diabo, inclusive pelos maus tratos a intérpretes como Björk e Nicole Kidman, que atuou em DOGVILLE (2003).

Os filmes que von Trier realizou para exorcizar seus problemas de depressão – ANTICRISTO (2009) e MELANCOLIA (2011) – parece que foram benéficos para ele, já que é possível ver muitos sinais de bom humor em NINFOMANÍACA – VOLUME 1 (2013). Principalmente em uma cena envolvendo Uma Thurman. A tela se fecha um pouco, saindo por instantes do belo scope, para contar uma história tragicômica envolvendo a jovem Joe (Stacy Martin), um de seus vários casos (Mr. H.) e a esposa traída, na figura de Uma. É uma sequência que provoca reações diversas nas pessoas, de acordo com conversas que tive após a sessão, mas é um momento em que o cinismo e o humor negro do diretor parecem mais afiados do que nunca.

Isso também se mostra no primeiro capítulo contado pela Joe adulta (Charlotte Gainsbourg, na terceira parceria seguida com o diretor), quando a narrativa trata, corajosamente, da sexualidade infantil da personagem. Não chega a ser nada absurdo ou imoral, mas em tempos como os de hoje é sempre complicado lidar com sexualidade e infância, ainda que se esteja falando de uma personagem precoce e viciada em sexo.

A estrutura do filme é muito simples, com a protagonista contando para um estranho que a encontra na rua, toda cheia de ferimentos, a história de sua vida. A escolha pela divisão em capítulos já vinha sendo usada em filmes anteriores do diretor. A principal diferença aqui é que se trata de uma narrativa mais episódica, que poderia muito bem ser contada de forma aleatória, não fossem alguns personagens voltando à vida da protagonista, como seu pai (Christian Slater) e Jerome (Shia LaBeouf), o rapaz que tirou sua virgindade .

Quanto às ousadias no território do sexo, a versão editada para ser exibida nos cinemas não chega a ser assim tão ousada. Há bastante sexo sim, claro, já que este é o assunto do filme, mas nada que vá deixar alguém acostumado com filmes europeus e brasileiros das décadas de 1970 e 1980 a ficar impressionado. O próprio Lars von Trier já havia utilizado sexo explícito na cena da orgia de OS IDIOTAS (1998) e elaborou uma excelente cena de noite de núpcias no que talvez ainda seja o seu melhor trabalho até hoje, ONDAS DO DESTINO (1996).

Esperamos a tão aguardada versão do diretor, que será exibida no Festival de Berlim em fevereiro. De todo modo, o ideal é que a versão do diretor, de cerca de cinco horas de duração, torne NINFOMANÍACA um filme melhor e não o faça sofrer da "síndrome de CALÍGULA", o filme de Tinto Brass que teve cenas enxertadas de sexo explícito por exigência do chefão da Penthouse. Eram outros tempos. Nos anos 70, usava-se bem mais o sexo para atrair as plateias. Porém, é sempre bom lembrar que o sexo mostrado em NINFOMANÍACA não tem exatamente a intenção de deixar a plateia excitada como um filme erótico comum. Von Trier ainda prefere incomodar.

Com relação à protagonista, parece uma falha explicitar o sentimento de culpa da personagem, que já se apresenta como uma das piores pessoas do mundo. Afinal, a maior parte da culpa que o homem ocidental nutre advém do Cristianismo. “Por que se apegar àquilo que há de menos simpático no Cristianismo?”, pergunta o atento ouvinte, vivido por Stellan Skarsgård. E talvez este aspecto raso do sentimento de culpa da personagem – pelo menos até o momento, já que o volume 2 pode mudar essa impressão – seja um dos pontos mais frágeis da construção do filme.

Por outro lado, assim como ANTICRISTO, para citar um dos trabalhos recentes de von Trier, NINFOMANÍACA – VOLUME 1 vai penetrando cada vez mais em nossa memória afetiva através de cenas que vão ficando grudadas na mente, todas elas envolvendo a jovem Joe, vivida brilhantemente por Stacy Martin, que paulatinamente vai tomando o filme para si, mesmo com tantos rostos célebres presentes no elenco. O que só aumenta a responsabilidade para a intrépida e corajosa Charlotte Gainsbourg, que encarnará a personagem mais madura nos longos flashbacks que comporão os capítulos da segunda parte.

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