domingo, setembro 29, 2013
O TEMPO E O VENTO
Pra quem fez um filme tão fraco quanto OLGA (2004), até que O TEMPO E O VENTO (2013) não é ruim. Na verdade, o segundo trabalho para cinema de Jayme Monjardim tem as suas qualidades e os seus momentos dignos de nota. Mais conhecido como diretor de telenovelas, Monjardim tem pelo menos um grande título em seu currículo: a marcante novela ROQUE SANTEIRO (1985), uma das mais memoráveis da história da teledramaturgia brasileira.
Quanto à sua ambiciosa intenção de adaptar o primeiro da série de livros O Tempo e o Vento, de Erico Veríssimo, ela resulta com falhas, mas ao menos é um filme que flui, embora só ganhe especial força quando entra em cena o Capitão Rodrigo, vivido por Thiago Lacerda. O ator está muito à vontade no papel. E é de fato um personagem fascinante, com seu excesso de autoconfiança, seu sorriso quase constante e sua paixão pela bela Bibiana, vivida pela encantadora Marjorie Estiano.
Aliás, Marjorie nem precisa se esforçar muito para compor o seu papel. Basta estar lá para ser motivo suficiente para que dois homens lutem para ter como prêmio ser seu marido. E é justamente na cena da luta entre o Capitão Rodrigo e o então noivo de Bibiana que o filme ganha uma força que até então não tinha. Nem teria mais, em sua conclusão.
Trata-se do momento em que o espectador pode finalmente se sentir mais próximo dos personagens, ao contrário dos primeiros atos, por mais que Cléo Pires convença quando está ardente de desejo pelo índio que aparecera nas terras de sua família. Assim como o Capitão Rodrigo, que ganhou um filme chamado UM CERTO CAPITÃO RODRIGO (1971), de Anselmo Duarte, Ana Terra, a personagem de Cléo, ganhou também um filme com seu nome, dirigido por Durval Garcia, no mesmo ano.
Uma coisa que se destaca bastante em O TEMPO E O VENTO é a bela fotografia de Affonso Beato, o brasileiro que já trabalhou três vezes com Pedro Almodóvar. As imagens são belíssimas. Não necessariamente as do exterior, com excesso de pôr-do-sol e aurora, mas as cenas nos interiores. Muitas vezes se nota um cuidado em aproveitar ao máximo a janela scope, fazendo com que o filme seja, de fato, melhor apreciado na telona. Assim, junto com a fotografia, a direção de arte também é caprichada.
Os problemas estão principalmente na dramaturgia, ainda um tanto ligadas à linguagem da televisão. E certas coisas que funcionam na televisão, no cinema tem suas falhas mais notadas. Trazer Fernanda Montenegro para ser a narradora da história não deixa de ser válido, mas há um excesso de uso dos termos "tempo" e "vento" na maneira da personagem ver a vida e a passagem dos anos. Ainda assim, trata-se de um filme agradável de ver, principalmente pelo que há de mais importante, que é o que envolve o Capitão Rodrigo. Até porque os personagens menos expressivos acabam passando muito rapidamente ao longo da narrativa, que se estende por cerca de 150 anos. Talvez seja por isso que o filme não chegue a aborrecer nem mesmo em seus momentos mais problemáticos.
Quanto à representação do passado de lutas sangrentas no Rio Grande do Sul, O TEMPO E O VENTO dá a sua contribuição, mas só um gaúcho poderia responder se ficou ou não bom o retrato e o recorte do filme. Pelo menos três guerras são vistas ao longo da narrativa, sendo a mais conhecida delas, a Guerra dos Farrapos.
No mais, há que se dar o devido crédito à coragem de Monjardim em condensar um livro que já havia sido adaptado pela Rede Globo em formato de minissérie de 25 episódios, em 1985. Condensar tudo isso em apenas duas horas e poucos minutos é tarefa complicada. Não por acaso tantos personagens sofrem com isso. Afinal, alguma coisa deve ser enfatizada.
sábado, setembro 28, 2013
UMA PRIMAVERA COM MINHA MÃE (Quelques Heures de Printemps)
Antes de mais nada, é bom destacar o quanto é bom quanto os exibidores locais que não têm o costume de colocar filmes alternativos em cartaz resolvem quebrar as regras e trazer produções que são normalmente deixadas para o circuito de arte. É o caso de UMA PRIMAVERA COM MINHA MÃE (2012), de Stéphane Brizé, que esta semana entrou em cartaz no Pátio Dom Luís.
O filme é mais um que engrossa a lista de títulos que promovem uma discussão sobre a eutanásia, que no mesmo ano teve um exemplar de peso, AMOR, de Michael Haneke. Se o filme de Haneke teve maior repercussão, isso se deve tanto à fama assegurada do cineasta, quanto, principalmente, à premiação em Cannes e às indicações ao Oscar. Assim, o trabalho de Brizé ficou um tanto apagado da mídia. No entanto, merece ser conhecido. Não apenas pelo tema interessante, polêmico e convidativo à reflexão, mas também pelo rigor formal que o cineasta imprime a seu trabalho.
Em UMA PRIMAVERA COM MINHA MÃE, temos a história de Alain Évrard (Vincent Lindon), um homem de meia idade que mora com a mãe e tem dificuldade em conseguir emprego. Mais adiante o filme nos mostra os motivos. A solidão do personagem em sua vida à deriva só não é maior do que a de sua mãe, Yvette (Hélène Vincent), que luta contra um câncer, recebendo regularmente sessões de radioterapia. Apesar disso, o relacionamento entre mãe e filho não é dos melhores. O vizinho idoso e amável é uma espécie de pacificador, quando conflitos maiores se manifestam.
O interessante do filme é o modo pouco afeito à melodramaticidade no trato com um tema tão espinhoso e tão fácil de chegar à pieguice. Os sentimentos estão lá, mas são quase sempre abafados pelos personagens. Como se a vida difícil que levam já fosse suficiente; não precisariam se lamentar aos quatro ventos. Principalmente Yvette, que se prepara para a morte com uma coragem impressionante.
A relação de Alain com sua mãe muda quando ele fica sabendo dos planos dela de "morrer dignamente" em uma clínica especializada nesse tipo de intervenção, localizada na Suíça. Uma das cenas mais impressionantes do filme é justamente quando mãe e filho são visitados por funcionários dessa empresa de eutanásia, que fazem uma série de perguntas à personagem, entre elas, se ela acredita na vida após a morte.
No elenco, a presença mais conhecida é de Emmanuelle Seigner, como um interesse romântico de Alain. As cenas entre os dois são boas, mas acabam sendo eclipsadas pelo que é mais importante, a relação entre mãe e filho e o destino final de Yvette, uma personagem que vai se tornando cada vez mais querida pelo espectador. E sua cena final já pode ser considerada uma das mais comoventes entre os filmes lançados neste ano.
Ao final, fica a impressão de que o diretor não defende de maneira tão ferrenha quanto Haneke a eutanásia, deixando para o espectador a decisão de entender e/ou aceitar o que é mostrado no filme. Não significa necessariamente uma postura melhor ou pior que a do cineasta austríaco, mas um ponto de vista diferente, com uma maior abertura.
sexta-feira, setembro 27, 2013
OLHO NU
Os longas-metragens mais populares desta última edição do Cine Ceará foram OLHO NU (2012), uma espécie de autobiografia poética de Ney Matogrosso, e MERCEDES SOSA, A VOZ DA AMÉRICA LATINA. Ambos, documentários sobre dois cantores muito queridos por uma parcela bem considerável do público. Logo, é natural que boa parte dos espectadores dessas sessões tenham sido de fãs dos respectivos cantores.
No que se refere a esse público, o documentário da mais famosa cantora da América Latina não decepcionou. Já no que se refere a OLHO NU, alguns fãs de Ney Matogrosso não gostaram da abordagem de Joel Pizzini, que preferiu abdicar dos modelos convencionais do gênero documentário para apresentar um painel com recortes de diversos momentos do cantor, não necessariamente em ordem cronologia, mas em ordem temática.
Eu, que não me considero fã de Ney Matogrosso, fiquei positivamente intoxicado durante a projeção, que reúne cerca de 80 canções do repertório do cantor, incluindo as do tempo dos Secos e Molhados, com as belíssimas imagens recentes, filmadas pelo próprio Pizzini, a maioria mostrando Ney sozinho e em contato com a natureza. Inclusive, um leve sentimento de solidão é sentido ao longo do filme, e Pizzini, na cobertura de imprensa, disse que o cantor, ao ver o filme pronto, falou ao cineasta: "Joel, você não acha que eu fiquei muito triste neste filme?"
De fato, pode ter ficado sim, talvez pela vontade de o diretor querer aproximar o tempo todo o seu filme de uma poesia. A voz do cantor contando sobre sua vida, junto com as mais belas canções de seu repertório e imagens lindas, às vezes usando panorâmicas, resultaram neste belo filme, que não é para todos os gostos. Talvez seja preciso gostar mais de cinema do que de sua música, mas também é importante gostar do cantor e saber algo a respeito, sob o risco de ficar um pouco desorientado, como foi o caso dos jornalistas estrangeiros presentes ao festival, que não conheciam o trabalho do intérprete.
Senti falta de citações ao grupo teatral Dzi Croquettes, que fazia um tipo de espetáculo parecido com o dele, utilizando torsos nus e másculos se rebolando de maneira feminina, além de muita maquiagem e outros acessórios. Era algo definitivamente ousado para a época, mas lembremos que o fim dos anos 1960 e início dos 1970, na Inglaterra, já trouxe o glitter rock. Logo, era algo do espírito da época também.
OLHO NU foi a segunda parceria de Pizzini com Ney Matogrosso. A primeira foi com o curta CARAMUJO-FLOR (1988), seu primeiro trabalho de direção. Curiosamente, OLHO NU ganhou o prêmio de melhor trilha sonora no festival. Pelo visto eles não ligam se Ney Matogrosso não compôs nenhuma das canções ou se a trilha tem que ser algo inédito. De todo modo, se é pra homenagear o cantor, não deixa de ser válido.
quinta-feira, setembro 26, 2013
FRANCES HA
Dentre os filmes exibidos recentemente nas novas salas do Dragão do Mar, um dos que mais me agradou foi FRANCES HA (2012), de Noah Baumbach. Trata-se de uma homenagem aos primeiros filmes da Nouvelle Vague francesa, principalmente os mais alegres, como JULES E JIM – UMA MULHER PARA DOIS, de Truffaut, e ACOSSADO, de Godard (se bem que não são filmes que terminam em tom alegre, mas há um frescor e alegria iniciais consideráveis). Isso se dá não apenas pelo uso do preto e branco que remete a alguns filmes da época, mas principalmente pela alegria de viver da personagem-título, vivida pela bela e simpática Greta Gerwig, que oferece um frescor ao filme contagiante.
FRANCES HA explora a dificuldade da protagonista em conseguir gostar de alguém a ponto de namorar (o adjetivo "undatable" é o que mais aparece na narrativa) e, principalmente, o seu amor pela amiga Sophie (Mickey Sumner). Um amor de amiga, sem intenções sexuais, mas intenso e que é belamente representado numa das cenas finais, em que as duas trocam olhares e sorrisos. Frances chega a terminar um namoro com um sujeito só porque prefere continuar a dividir a mesma casa com sua melhor amiga. No entanto, Sophie não faz a mesma coisa quando aparece a oportunidade de morar em um bairro melhor.
Há uma semelhança com a série GIRLS, de Lena Dunham, até pela presença de um ator do elenco fixo da série, Adam Driver. A semelhança também se deve ao fato de o filme focar nas dificuldades da protagonista de sobreviver com pouco dinheiro e com intenções artísticas em Nova York, principalmente depois que seu sonho de ser bailarina profissional passa a ser ameaçado.
Ainda assim, Frances procura disfarçar suas dores e sua solidão, que nem sempre é algo tão ruim, dado o sorriso que a moça esboça com frequência, mesmo quando as coisas não estão assim tão bem. Representativa a cena em que ela está sozinha em Paris, numa viagem louca de dois dias que ela resolve fazer e recebe uma ligação de Sophie.
É pelo olhar e pelo lindo sorriso de Frances/Greta que o filme principalmente nos cativa, pelo seu correr feito louca nas ruas da grande metrópole ao som de "Modern Love", de David Bowie, pelos momentos "gente como a gente" (ou quase), enfim, pelo carisma da protagonista que acaba por transformar FRANCES HA em um pequeno grande filme. Lembremos que Greta coassinou o roteiro com Baumbach. Logo, o filme é, no mínimo, metade dela.
quarta-feira, setembro 25, 2013
QUATRO CURTAS EXIBIDOS NO CINE CEARÁ
Entre os curtas que não faziam parte das mostras competitivas da 23ª edição do Cine Ceará, pude ver estes quatro: um da mostra Maria de Medeiros, outro da Mostra Novo Cinema Português, um da mostra Olhar do Ceará e um, também cearense, que teve exibição hors concours. Comentários curtos e grossos sobre os filmes em questão.
AVENTURAS DO HOMEM INVISÍVEL
Bem que eu gostaria de ter visto o longa em segmentos do qual este curta faz parte (MUNDO INVISÍVEL, 2011), mas foi interessante ver este trabalho de Maria de Medeiros em conjunto com outros de seus filmes, até para notar melhor o seu viés humanista, o seu interesse pelas pessoas, inclusive pessoas comuns, anônimas, como um funcionário de um hotel, o protagonista deste curta, que mal aparece diante da câmera. No caso, a diretora faz com que nos sintamos um pouco no seu lugar, através do uso da câmera subjetiva.
CANÇÃO DE AMOR E SAÚDE
A Mostra Novo Cinema Português não foi lá um grande sucesso, apesar do prestígio dos títulos selecionados. Isso aconteceu por causa da má qualidade das cópias e da falta de legendas em algumas delas. Pode ser que tenha melhorado nos dias seguintes, mas fiquei tão decepcionado que tudo que vi foi este curta, pois o longa que passaria a seguir (A VINGANÇA DE UMA MULHER, de Rita Azevedo Gomes) começou com problemas de áudio e depois foi cancelado por falta de energia elétrica. CANÇÃO DE AMOR E SAÚDE (2009, foto), de João Nicolau, é uma obra de narrativa poética, envolvendo um chaveiro e uma moça que faz a encomenda de uma chave. Uma chave que abre mais do que uma porta. Seria o caso de um curta para se rever com calma e apreciar melhor.
A RABECA
Achei curioso o fato de o único curta que vi na Mostra Olhar do Ceará ter sido justamente um dos dois premiados do festival. Digo isso pois não gostei nada deste curta que brinca com narrativas e metalinguagem. Sua estrutura – e até mesmo sua fala final, mostrando um pouco de autodepreciação – talvez fique manjada até em um conto. Em um curta com jeitão amador, acabou parecendo pretensioso. Mas, quem sabe, isso seja um sinal de que a diretora deste A RABECA (2012), Irene Bandeira, tem potencial.
ANTES DO FIM
Uma bela surpresa este curta que homenageia a mais imponente e bela de nossas salas de cinema, o Cine São Luiz. Com depoimentos de Cristiano Câmara, Pedro Martins Freire, José Augusto Lopes, entre outros, ANTES DO FIM (2013) mostra o painel dos cinemas de Fortaleza na primeira metade do século XX, bem como os hábitos de seus frequentadores. Conta-se da inesquecível estreia da sala, com o drama ANASTÁCIA, com Ingrid Bergman, e a invasão das superproduções hollywoodianas em scope coloridas, que davam à sala um ar especial. Aliás, só de entrar naquele palácio, não importa pra que filme, já se fica encantado. E é realmente uma pena que o Cine São Luiz esteja abandonado pelos governantes. Tomara que não seja de fato o fim.
terça-feira, setembro 24, 2013
DEXTER – A OITAVA TEMPORADA COMPLETA (Dexter – The Complete Eighth Season)
Antes de ver o episódio final desta oitava e última temporada de DEXTER (2013) eu já estava me preparando para falar o quanto a temporada estava ruim e aquém até mesmo das piores da história da série. No entanto, o apego que a gente tem com os personagens e o modo ao mesmo tempo cruel e belo como os criadores resolveram finalizar a história de Dexter, Deb e cia. fez com que eu ficasse realmente emocionado.
E pensar que foi a última vez que vi aqueles créditos de abertura... Vou sentir falta do elenco, que é tão bom que chega a ser um dos atrativos para se continuar vendo a série, mesmo quando ela está perto do fundo do poço. Se bem que quando chegava lá, os roteiristas sempre davam um jeito de reerguer, de trazer um episódio que trouxesse alegria para os fãs da série, que acompanharam durante esses oito anos a história de um serial killer do bem. E a trajetória de Dexter Morgan foi bonita, apesar de muitos acharem até um tanto moralista.
Claro que mesmo com um episódio final tão eletrizante e amargo fica até difícil falar das falhas da série, que não eram poucas. Havia um excesso de autoexplicação com voice-over do Dexter que a todo momento entregava uma narrativa tão mastigada que qualquer pessoa que nunca tivesse visto nenhum episódio acompanharia sem muito problema. Além do mais, aquele pai dele que aparecia como fantasma/consciência era diretamente chupado de A SETE PALMOS, que não por acaso também contava com Michael C. Hall.
Poderia reclamar de Hannah McKay (Ivonny Strahovski), que começou como uma poderosa femme fatale, e acabou boazinha demais. Mas a atriz é tão linda que não dá pra reclamar muito. E seu papel foi bem importante para o desfecho da série. Até mais do que Charlotte Rampling, uma atriz bem mais prestigiada, e que apareceu no final da série como a psicóloga que inventou o código que Dexter usa desde criança, o código que faz com que ele canalize sua energia assassina para os criminosos. Boa atriz que é, esperava-se algo melhor. Provavelmente era tudo culpa do texto, que não era assim tão inteligente.
Mesmo assim, ao contrário do que imaginava, apesar de ter passado do ponto, DEXTER vai deixar saudade. E aquele close final vai ficar registrado em nossa memória por um longo tempo.
segunda-feira, setembro 23, 2013
A DOCE VIDA (La Dolce Vita)
Cerca de nove anos depois de ter visto A DOCE VIDA (1960) na telinha (com perda de imagem por causa das laterais cortadas), eis que surge a oportunidade de rever esta obra-prima de Federico Fellini na telona, em DCP 4K, nas novas instalações do Dragão do Mar. Não ia deixar passar uma oportunidade dessas. Em nove anos, muita coisa muda e, embora muitas cenas tenham ficado guardadas em minha memória, rever na telona, que valoriza principalmente os planos gerais, que são belíssimos, é outra coisa.
Pena que estava (aliás, estou) com o corpo todo moído, por causa de crise de laringite alérgica. Mas se eu me entregar não faço nada a não ser dormir. Então, fui cafeinado para sentir menos dores e ver o filme sem chances de dormir. Afinal, não é nenhum épico ou filme de fantasia. Aliás, nem é um exemplar felliniano no sentido mais amplo, no que o seu cinema se transformou a partir da década de 1970, cheio de tipos esquisitos e cenários mais oníricos. E embora goste muito de ROMA DE FELLINI (1972), a ponto de ter dito em 2004 que era o meu favorito do diretor, creio que o ponto que eu mais gosto de sua carreira está mesmo neste filme, que nos leva para os loucos anos 60, ainda em seu início, mas já trazendo a rebeldia da contracultura e um sentimento de vazio existencial que muito lembra NOITE VAZIA, filme que Walter Hugo Khouri faria quatro anos depois. Aliás, o alter-ego de Khouri, também de nome Marcelo, muito lembra este personagem de Mastroianni.
Não sei se por estar com o corpo moído, achei que havia um pouco de gordura no filme, mas provavelmente estou enganado. Cada cena tem a sua importância e o seu fascínio. Desde a cena de Marcello com a personagem de Anita Ekberg na Fontana de Trevi, uma das cenas mais famosas da História do cinema, ou a sequência da movimentação em torno de duas crianças que dizem ter visto a Virgem Maria. São duas cenas totalmente distintas, mas com igual poder de fascinação.
Aliás, impressionante como essas cenas um tanto soltas, que poderiam ser pequenos e poderosos curtas-metragens, ganham, de certa forma, uma unidade. Principalmente por causa da personagem de Emma (Yvonne Furneaux), a namorada oficial de Marcello, que aparece em quatro momentos importantes do filme. Inclusive, uma coisa que me chamou bem mais a atenção na revisão foi a DR dos dois no carro, com Marcello querendo a sua liberdade e a namorada querendo cada vez mais a sua presença. Afinal, sua vida é cheia de aventuras e ele não quer perder tempo em casa. Faz lembrar o discurso do pai de Marcello, em outro momento memorável. O velho diz que quando fica em casa se sente um velho de 80 anos, ao passo que se ele sai para o mundo, volta a se sentir vivo. São dois momentos que desta vez me chamaram a atenção.
No mais, as demais cenas clássicas continuam poderosas, embora eu tenha achado, nesta revisão, que a catarse na festa, na penúltima cena, ficou um pouco datada. Talvez por causa das restrições quanto às ousadias que se poderia ter na época. Ainda assim, o sujeito ficar em cima de uma mulher e tratá-la como uma égua é uma imagem forte o bastante, bem como a "transformação" dela numa galinha. Pra não dizer que é um filme machista, tudo foi feito com o consentimento da moça.
A DOCE VIDA é uma dessas maravilhas do cinema que só se criam de tempos em tempos. E embora haja várias mulheres lindas no filme, o grande astro é mesmo Marcello, vivido por Marcello Mastroianni, que na época tinha cerca de 36 anos e já apresentava visíveis cabelos brancos. Três anos depois ele retomaria a parceria com Fellini no cultuado 8 ½ (1963), outro filme que eu preciso rever, pois a primeira vez que vi em VHS não foi uma experiência muito boa.
domingo, setembro 22, 2013
TRÊS LONGAS EXIBIDOS NO CINE CEARÁ
A quantidade de filmes vistos está enorme, por causa principalmente do Cine Ceará, e não há outra maneira de despachar todos esses títulos para o blog se não for em posts "três em um" ou, no caso dos curtas, em posts com comentários bem pequenos sobre os filmes em questão. Por isso, selecionei estes três longas-metragens que concorreram à Mostra Ibero-Americana de Longa-Metragem para ir adiantando. Estes três filmes têm em comum o fato de não terem feito a minha cabeça. O terceiro filme, sobre a cantora Mercedes Sosa, até teve um apelo popular bem forte, com muita gente emocionada e tal, mas que a mim causou, como os demais, tédio e vontade de que acabasse logo. Falemos um pouco dos três.
O FILME DE ANA (La Película de Ana)
Parece uma espécie de sub-sub-sub Almodóvar, mas sem a genialidade do diretor espanhol e, se eu não me engano, sem personagens gays. Ou será que tem e eu não me lembro? As personagens de O FILME DE ANA (2012) são principalmente mulheres que desejam mudar de vida, sair da miséria em que suas vidas estão. A principal delas é a Ana do título, uma mulher que não tem dinheiro para comprar uma geladeira para sua casa e trabalha como atriz em papéis ridículos. Ela abre os olhos quando vê que um grupo de documentaristas austríacos está em Cuba para fazer um documentário sobre prostituição na ilha. Assim, ela e sua amiga resolvem se vestir de prostitutas para conseguir um bom dinheiro. O problema é que o marido não pode saber dessas suas presepadas. Procurei no IMDB e vi que o diretor, Daniel Diaz Torres, é bastante experiente, tendo dirigido filmes desde a década de 1970. Sabe lá se ele já fez algo melhor do que esse filme que passou no festival ou se é tudo da mesma linha. Ganhou o Troféu Mucuripe de melhor atriz para Laura De La Uz.
O PACIENTE INTERNADO (El Paciente Interno)
A história do homem que tentou assassinar o presidente do México, Díaz Torres, e que hoje vive como mendigo e quase anônimo até tem o seu interesse, mas o diretor Alejandro Solar Luna faz tudo com muita ênfase na música para compor os momentos de gravidade da história e os momentos tristes, com pianinhos bastante incômodos. Além do mais, depois de ter visto uma história tão trágica como a de REPARE BEM, a história de Don Carlos parece fichinha. Afinal, ele apenas ficou um tanto louco, e, no fim das contas, ele nem chegou a matar o presidente. De todo modo, a história tem a sua importância para a história do México e o protagonista de O PACIENTE INTERNADO (2012) é uma figura interessante. Mas é um documentário arrastado, desses que parecem ter a duração bem maior do que realmente têm. Ganhou o Prêmio Especial do Júri.
MERCEDES SOSA, A VOZ DA AMÉRICA LATINA (Mercedes Sosa, la Voz de Latinoamérica)
Um documentário que caiu nas graças de grande parte do público foi este MERCEDES SOSA, A VOZ DA AMÉRICA LATINA (2013), de Rodrigo H. Vila, que narra de maneira bem convencional a história de luta da cantora mais conhecida da América Latina, em tempos de ditadura militar. Creio que boa parte do público da sessão era de fãs da cantora e/ou de pessoas simpatizantes ou militantes de esquerda. Por isso, para essas pessoas, o documentário se mostra bastante interessante. E há mesmo momentos bem especiais, como quando Fito Paez o dia em que a cantora, já doente, estava assistindo ao show de Pablo Milanés e foi convidada a cantar, lá do cantinho dela mesmo, com sua voz potente, uma canção. Aquilo foi bem inesperado e um dos momentos mais emocionantes do filme. Para nós, brasileiros, é curioso também ver a relação que ela tinha com alguns músicos daqui, como Milton Nascimento, Chico Buarque e Caetano Veloso. Aliás, o documentário mostra a dimensão do trabalho da cantora argentina em todo o mundo ocidental. Mas é aquele documentário quadradão, muito diferente do que havia passado na noite anterior, OLHO NU, de Joel Pizzini, sobre a vida e obra de Ney Matogrosso. MERCEDES SOSA, A VOZ DA AMÉRICA LATINA ganhou o Troféu Mucuripe de melhor edição.
sábado, setembro 21, 2013
HOLY MOTORS
Sou um sujeito teimoso. Principalmente no que se refere a grandes filmes lançados em circuito alternativo e que demoram a chegar – ou nunca chegam – a Fortaleza. Eis que, a partir de uma programação especial feita com muito carinho pelos meninos do Dragão do Mar, em sua nova e mais bela encarnação, tive a oportunidade de ver um dos filmes mais fascinantes dos últimos anos, HOLY MOTORS (2012), do francês Leos Carax.
Cineasta de poucos filmes para quem começou na década de 1980 – HOLY MOTORS é o seu quinto longa – e cujo longa-metragem anterior é de 1999 (POLA X), Carax pôde ser visto mais recentemente contribuindo para o filme em segmentos TOKYO! (2008), que também conta com curtas dirigidos pelo sul-coreano Joon-ho Bong e pelo também francês Michel Gondry.
Quem viu TOKYO! (2008) não deve ter se esquecido do segmento "Merde" e de seu personagem homônimo: um louco cego de um olho que come flores e sai derrubando tudo e todos pela frente com sua bengala e suas unhas que lembram o Zé do Caixão. Merde fez tanto sucesso que retornou como um dos personagens encarnados pelo protagonista de HOLY MOTORS (Denis Lavant), dessa vez, contracenando com Eva Mendes, em uma sequência impressionantemente bela, nos subterrâneos de Paris, representando, através da ereção do personagem nu, uma mistura de tesão pela vida com uma melancolia, quando deita-se no colo da bela morena e cobre o próprio corpo de flores. Apesar do tom às vezes irônico, o filme abre espaço para a profunda solidão do personagem, que é sentida com sinceridade ao longo de sua metragem.
A sala de exibição cheia de gente apática e congelada, apresentada no início do filme, remete aos primeiros momentos de O ANO PASSADO EM MARIENBAD, de Alain Resnais. Essa sequência também tem sido comparada a alguns trabalhos de David Lynch, devido ao estranhamento que provoca. E é justamente por causa desse estranhamento que o filme vai se tornando cada vez mais fascinante, a cada nova cena, a cada novo encontro do protagonista com alguém, sempre travestido de um novo personagem.
Os absurdos de cada cena fazem parte da estranha beleza do filme, que, até para compensar a feiúra de seu protagonista, conta com estrelas como Kyle Minogue, Eva Mendes e Elise Lhomeau. Esta última interpreta a moça que chora junto ao velho moribundo, outro personagem interpretado por Lavant. Trata-se da cena que emula a sequência final de 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick. A cena é tocante, mesmo com todo o distanciamento que criamos da trama, por sabermos que tudo se passa de uma farsa. Isso é conseguido através de uma bela construção de uma dramaturgia de melodrama com a ajuda de uma música solene e melancólica.
Nos intervalos entre as pequenas histórias que são contadas ao longo deste filme tão múltiplo quanto o personagem, vemos os momentos em que o verdadeiro eu lírico (se é que ele existe de fato) contracena com sua chofer na limusine, lugar que funciona como camarim para que ele se transforme no próximo personagem. Há algo que parece sempre trágico em sua figura, fica no ar uma expectativa de que seja revelado o porquê de o personagem ter que agir daquela forma, o que é, aliás, mais um elemento em comum com COSMÓPOLIS, de David Cronenberg, outro filme que se passa dentro de uma limusine. E que parece ser ainda mais hermético que o trabalho de Carax.
No entanto, Carax deixa bem mais em aberto o seu filme, com várias possibilidades de leitura, embora possa já se considerar de antemão que se trata de um filme sobre o cinema e os espectadores, sobre o atuar, mas também pode ser sobre algo ainda maior: sobre a vida e a morte, a necessidade de viver o máximo possível neste breve intervalo entre o nascer e o morrer, entre sair de uma fábrica e ir parar num ferro-velho. É, por isso, um filme cujos significados não se esgotam e que a cada revisão novas observações podem ser percebidas.
quinta-feira, setembro 19, 2013
RUSH – NO LIMITE DA EMOÇÃO (Rush)
Ao que parece, RUSH – NO LIMITE DA EMOÇÃO (2013) vai ser mais um daqueles filmes que, por terem sido exibidos bem antes da premiação do Oscar, acabam ficando um pouco apagados e ganhando só interesse do público no início do próximo ano. Isso se realmente o filme de Ron Howard estiver entre os indicados às categorias principais, como boa parte dos analistas preveem.
Com isso, muitos acabam deixando de ver um belo trabalho no cinema, mais um dos acertos de Howard, que novamente volta aos anos 1970 e novamente para contar uma história real. Lembremos que outras histórias reais dirigidas por ele chegaram às categorias principais do Oscar – APOLLO 13 – DO DESTRE AO TRIUNFO (1995) e UMA MENTE BRILHANTE (2001).
Se FROST/NIXON (2008) conseguiu ser eletrizante sem precisar de cenas de ação, RUSH segue um caminho oposto: enquanto Howard poderia ter a opção de mostrar mais cenas de corridas, ele optou por enfatizar a rivalidade entre os pilotos de Fórmula 1 James Hunt (Chris Hemsworth) e Niki Lauda (Daniel Brühl). Essa briga de egos foi o catalisador do acidente que quase pôs fim à vida de Lauda e o deixou com o rosto marcado com as queimaduras.
Os dois jovens atores desempenham o que talvez seja os melhores papéis de suas carreiras até o momento. Principalmente Hemsworth, que antes era visto apenas como o cara bonito que foi escolhido para interpretar o Thor. Quanto a Brühl, usou prótese para ficar mais parecido fisicamente com Lauda e ainda se submeteu a pesadas sessões de maquiagem, para mostrar seu aspecto, após o acidente.
Além da dramática sequência do acidente, alguns momentos de RUSH são bem emocionantes. Um deles é o da primeira coletiva de imprensa de Lauda, quando ele retorna do hospital para as corridas e recebe uma pergunta sem cabimento de um jornalista. A resposta de Hunt ao tal repórter após a coletiva e logo depois o respeito com que os dois rivais tratam um ao outro é um elemento que pode ter sido romantizado na construção do filme, mas parece até bastante provável ter de fato acontecido.
Talvez o problema de RUSH esteja em ser redondinho demais, certinho demais, muito bem resolvido, a ponto de sobrar pouco para reflexões. Não deixa de ser uma característica dos trabalhos de Howard, um bom diretor, ainda que irregular e que não preza muito bem por sua obra, já recheada de filmes pouco respeitáveis. Provavelmente RUSH deva muito de seu sucesso ao roteirista Peter Morgan, responsável por trabalhos de primeira grandeza, como ALÉM DA VIDA, de Clint Eastwood; A RAINHA, de Stephen Frears; e o próprio FROST/NIXON, de Howard, do qual também é autor da peça.
quarta-feira, setembro 18, 2013
SOLIDÕES
Não deixa de ser divertido ver um filme tão ruim em um festival cheio de críticos de cinema exigentes. Já se ouvia falar que o primeiro longa-metragem de Oswaldo Montenegro, LEO E BIA (2010), era horrível, e talvez por isso mesmo eu estivesse tão curioso para conferir este SOLIDÕES (2013), que é no mínimo um objeto muito estranho, para ser generoso. Na verdade, a sequência inicial do filme é até interessante, misturando um ar brega da música e da dança com o belo corpo de Vanessa Giácomo, de longe a melhor coisa do filme, embora haja outras mulheres bonitas também e que se despem.
Há quem diga que filme ruim tem que ter pelo menos mulher pelada. Então, ao que parece Oswaldo Montenegro quis pelo menos ser generoso com o público masculino, embora a sua cara de cafajeste leve-nos a pensar que ele tenha despido as atrizes apenas para exercitar o seu lado voyeurístico, o que para mim não chega a ser um problema, mas que para muitos é falta de ética.
SOLIDÕES é uma colagem de cenas que parecem não ganhar unidade ao longo do filme. Por mais que a temática a abordar seja a já apresentada no título, em nenhum momento o diretor/cantor parece ter a mínima solidariedade para com aqueles que sofrem com a solidão. Para o filme, é tudo motivo de piada. Tanto que enxertar cenas de arquivo do holocausto foi de muito mau gosto. Por mais que haja uma explicação, no caso, questionar a falta de ação de Deus, segundo a visão do diabo (vivido pelo próprio Oswaldo), aquilo ficou totalmente deslocado naquele registro.
No mais, há pequenas histórias, como a da personagem de Vanessa Giácomo, que finge ter perdido a memória e acaba contribuindo com a melhor cena do filme, envolvendo uma ex-namorada e um strip-tease; a do personagem de Pedro Nercessian, que se encontra com sua versão alternativa de um universo paralelo; a história de um músico perdedor; de uma mulher abandonada; e uma sequência que simula um documentário no sertão nordestino. Tudo junto e misturado num caldo que provoca uma indigestão, mas que incrivelmente provocou também muitas risadas de parte do público.
A entrevista coletiva, no dia seguinte, foi provavelmente a mais divertida de todas, já que já esperávamos os ataques da crítica frente ao trabalho do diretor/cantor, que já está acostumado a receber ataques, pois é tão odiado quanto amado. Mostrou-se humilde, embora essa humildade tenha parecido com uma saída pela tangente, ao afirmar que não se considera um cineasta. Foi uma manhã tensa e divertida. E, como era de se esperar, o filme saiu do festival sem levar nenhum prêmio. Para muitos, ele não deveria sequer ser exibido. Para mim, embora também considere um trabalho horrendo, achei válida a oportunidade de vê-lo, pois sei que outra chance dificilmente aparecerá. A não ser que se faça muita propaganda. Nem que seja negativa. Assim desperta a curiosidade de mais pessoas.
segunda-feira, setembro 16, 2013
INVOCAÇÃO DO MAL (The Conjuring)
James Wan está com tudo. Além de ter feito um sucesso incrível de bilheteria com este INVOCAÇÃO DO MAL (2013), no último fim de semana nos Estados Unidos conseguiu chegar ao topo do ranking com o novo SOBRENATURAL – CAPÍTULO 2 (2013). Ainda por cima, foi convidado a dirigir o sétimo filme da franquia VELOZES E FURIOSOS, previsto para estrear no próximo ano. Assim, teremos finalmente um cineasta de respeito comandando a cinessérie. Mas falemos deste que, por enquanto, detém o título de melhor filme de horror lançado nos cinemas em 2013, INVOCAÇÃO DO MAL.
Pode-se até dizer que não há tanta originalidade assim neste trabalho de Wan. Mas o que não dá para negar é a habilidade do diretor em construir uma obra ao mesmo tempo assustadora e cheia de qualidades fílmicas, com um domínio de câmera incrível, seja pelos ângulos inusitados, seja pelas elegantes movimentações. E quanto ao medo, este elemento tão querido quando se trata de filmes de horror, ele está presente principalmente na escuridão, nos momentos em que a personagem de Lili Taylor está no sótão e segue um barulho naquela casa recém-comprada e que só depois eles descobrem ter sido palco de uma grande tragédia, envolvendo bruxaria.
Aliás, interessante como o filme é tão cristão (católico). Principalmente em momentos em que a bruxaria está na moda e franquias de livros e filmes juvenis apoiam as práticas de feitiçaria. Até como uma forma de rebeldia perante uma Igreja que queimou na fogueira tantas bruxas, ou pessoas apenas suspeitas de bruxaria. INVOCAÇÃO DO MAL, nesse sentido, é assumidamente e explicitamente anti-bruxaria. Isso aparece, inclusive, nos créditos finais, que afirmam a existência de demônios e bruxas e insinuam a necessidade de ser cristão para se fortalecer.
Há quem vá achar isso até um pouco careta, mas alguns dos melhores filmes de horror de décadas atrás, especialmente os que lidam com exorcismo – e até mesmo os antigos filmes de vampiros –, tinham essa característica. Nesses filmes, a cruz representa mais do que um símbolo: é uma arma para os espíritos malignos.
Na trama de INVOCAÇÃO DO MAL, os investigadores do sobrenatural vividos por Patrick Wilson e Vera Farmiga são convidados para ajudar uma família que está passando por situações extremamente perturbadoras em seu casarão. Antes da intervenção do casal de "caça-fantasmas", porém, temos a oportunidade de acompanhar o medo em algumas das cenas mais arrepiantes do ano. Como na brincadeira de cabra-cega e das palmas.
Mais uma vez, o elemento infantil se faz presente nos filmes de horror para torná-los ainda mais assustadores, pois as crianças são tidas como mais capazes de enxergar os espíritos. Caso da garota mais nova da família só de meninas, que faz amizade com o garoto-fantasma, que pode ser visto no espelho de uma caixinha de música sinistra. Aliás, pra que coisa mais sinistra do que aquela boneca pavorosa do prólogo? E ela nem chega a ser o principal elemento assustador do filme.
Todas as sequências envolvendo as tentativas de captar a presença das entidades e logo depois o tenso exorcismo são provas do quanto INVOCAÇÃO DO MAL é um filme cheio de qualidades. O fato de se passar na década de 1970 e de ter uma direção de arte que capricha e nos leva para aquela época é outro aspecto que eleva o filme a um outro nível, já que nos coloca em um tempo em que o cinema de horror vivia um momento de ótimos frutos.
Além do mais, o filme de Wan não abusa de sustos baratos e manjados, preferindo a criação de uma atmosfera de horror crescente, em que a expectativa é um elemento muito mais poderoso do que as revelações explícitas dos espíritos diabólicos. Na maior parte das vezes, inclusive, o não ver é muito mais poderoso do que o ver. É uma velha lição que o produtor Val Lewton soube explorar muito bem na década de 1940 e que continua funcionando no século XXI.
domingo, setembro 15, 2013
OS POBRES DIABOS
Depois da cerimônia de premiação, que escolheu como melhor longa-metragem o espanhol (basco) EMAK BAKIA, de Oskar Alegria, neste sábado, foi exibido fora de competição OS POBRES DIABOS (2013), o novo filme de Rosemberg Cariry. É o seu retorno ao cinema de ficção, depois de alguns anos se dedicando aos documentários. OS POBRES DIABOS trata de uma trupe de saltimbancos.
Com inspiração nas lembranças dos circos itinerantes que o diretor via na infância e na literatura de cordel, especialmente nas sequências que mostram o espetáculo que brinca com a estadia de Lampião e Maria Bonita no inferno, OS POBRES DIABOS, em seus momentos finais, faz uma clara alegoria ao cinema brasileiro, em grande maioria, distribuído em poucas cópias e que "ninguém" vê. Seria também uma espécie de desabafo do próprio Cariry com suas produções, pouco valorizadas inclusive em seu estado natal.
Trata-se de um de seus trabalhos mais bem produzidos, com um capricho visual louvável, assim como o uso do som. Porém, algumas belas panorâmicas usadas, por exemplo, em CORISCO E DADÁ (1996), não se fazem presentes em OS POBRES DIABOS. Aqui há o uso da câmera parada, até por causa do equipamento digital, e pela preferência pela mise-en-scène. A fotografia também adota cores quentes, que contribuem tanto para enfatizar a luminosidade do interior do Ceará (no caso, uma região de Aracati), quanto para fazer referência aos diabos apresentados no espetáculo, no caso do uso do vermelho.
Talvez o problema do filme esteja mais em seu histrionismo. A teatralidade é um tanto excessiva, dentro e fora do circo, especialmente em sua segunda metade. As próprias sequências em que o personagem de Gero Camilo tenta flagrar sua esposa Creuza (Silvia Buarque) com o amante (Chico Diaz) são um exemplo de que o teatral está presente também na rotina dos personagens, nos bastidores, quando eles ainda estão vestidos de diabos.
Cariry faz um cinema que privilegia mais a interpretação do que o enredo e, para que funcione, é necessário uma direção precisa e inspirada, além de excelentes interpretações. OS POBRES DIABOS quase chega lá. Ainda assim é um filme admirável, na forma como um crescendo de barulho e caos vai tornando a vida daqueles personagens cada vez mais infernal.
quinta-feira, setembro 12, 2013
VIAGEM A PORTUGAL
Continuando a mostra dedicada a Maria de Medeiros no Cine Ceará, tivemos a oportunidade de ver VIAGEM A PORTUGAL (2011), de Sérgio Tréfaut, filme que só tem sido exibido até o momento em festivais. Trata-se da primeira experiência do diretor na ficção. Sua experiência maior é com documentários, tendo seis no currículo.
VIAGEM A PORTUGAL lembra bastante os trabalhos mais famosos de Alain Resnais, especialmente HIROSHIMA, MEU AMOR e O ANO PASSADO EM MARIENBAD, tanto pelo uso dos enquadramentos, quanto pela música um tanto dissonante do piano, que ajuda a tornar a situação dos personagens ainda mais incômoda. No entanto, talvez justamente por suas experimentações, nossa relação com o longa seja de certo distanciamento, ficando difícil se colocar na situação dos personagens e nos solidarizarmos mais.
A trama envolve uma mulher ucraniana (vivida por Maria de Medeiros) que chega sem falar português e mal sabendo falar francês. A única coisa que ela sabe é que o seu marido está em Lisboa e que ela quer encontrá-lo. Ela é barrada no aeroporto, passa por situações humilhantes, fica presa etc, e o marido, de origem africana, mas formado em Medicina na Rússia, não consegue ajudá-la. É um pesadelo kafkiano em preto e branco, com telas brancas (e poucas pretas) que ajudam a destacar o ambiente pavorosamente desumano.
Quanto aos aspectos experimentais, muito interessante o uso da repetição, no lugar do tradicional campo/contracampo. Isso faz com que tenhamos um olhar diferenciado e mais abrangente do que seria uma solução mais comum (campo/contracampo) ou apenas mostrar uma das pessoas que está falando enquanto a outra fica fora de quadro. Não deixa de ser uma solução democrática e que contrasta com o modo como é tratada a personagem de Medeiros.
A segunda parte do filme é mais arrastada, mas, segundo o próprio diretor, em pequeno debate após a sessão, isso foi proposital, para tornar o tempo mais longo e demorado, de modo a sentirmos um pouco a dor da protagonista. VIAGEM A PORTUGAL é baseado em uma história real, mas trata-se de uma história bastante comum, que acontece todos os dias em aeroportos de todo o mundo.
terça-feira, setembro 10, 2013
HENRY & JUNE – DELÍRIOS ERÓTICOS (Henry & June)
Quando Philip Kaufman dirigiu HENRY & JUNE – DELÍRIOS ERÓTICOS (1990), ele vinha de um excelente drama erótico, A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER (1988). Apesar de parecerem europeus, ambos são produções americanas, tentando emular o erotismo mais ousado do Velho Continente. Quiz rever HENRY & JUNE depois de tanto tempo que o vi nos cinemas, na época de seu lançamento. Saber se continua bom.
Apesar de bem conduzido, na revisão, perde um pouco o impacto que teve na época. Talvez porque se perceba que o erotismo não é suficientemente forte. Ou então não era mesmo a intenção do diretor que fosse, já que o encontro de Henry Miller (Fred Ward) com Anaïs Nin (Maria de Medeiros) era também bastante cerebral, já que ambos eram escritores. O fazer literário estava no sangue dos dois mais até do que as taras, a vontade de experimentar as mais diferentes formas de fazer sexo e de vencer as convenções sociais.
O fato de a trama se passar na Paris dos anos 1930 também torna o ambiente ainda mais louco. Seria o equivalente aos Estados Unidos beatnik dos anos 1950 ou da contracultura dos anos 1960/70. Talvez ainda mais ousado. Paris era uma cidade muito querida por vários escritores e intelectuais de todo o mundo ocidental.
HENRY & JUNE narra o período em que Anaïs Nin, já casada com Hugo Guiler (Richard E. Grant), passa a se relacionar com o escritor americano Henry Miller e com sua esposa June (Uma Thurman). O que mais atraiu Anaïs ao escritor e à sua esposa foi o relacionamento ardente e cheio de ousadias e liberdades dos dois. A escritora francesa, que mantinha um diário de suas fantasias e sua vida íntima desde os 12 anos, se sentiu profundamente interessada naquele casal.
Há uma cena especialmente interessante, que homenageia explicitamente A IDADE DO OURO, de Luis Buñuel, que é exibido em uma sequência. A tal cena talvez seja a mais sensual de todo o filme e envolve basicamente um mamilo. Enquanto Miller acaricia o mamilo rijo de Anaïs, o marido da mulher dedilha as cordas de um violão. As imagens aparecem sobrepostas. E isso faz toda a diferença.
No mais, há poucos momentos que resistiram ao tempo no quesito "voltagem erótica". Mesmo a cena lésbica de Anaïs e June, uma das mais lembradas do filme, hoje parece pouco excitante, ainda que continue sendo bonita de ver. Aliás, todo o trabalho de fotografia e direção de arte do filme é uma beleza. Pena que a cópia que passou no Cine Ceará, na mostra em homenagem a Maria de Medeiros, não tenha sido das melhores.
segunda-feira, setembro 09, 2013
REPARE BEM
Na tarde de ontem, os espectadores do Cine Ceará tiveram o privilégio de conferir uma experiência poucas vezes vista: após o filme de Maria de Medeiros, REPARE BEM (2012), houve debate com a realizadora portuguesa e a ex-guerrilheira brasileira Denise Crispim, falando sobre o filme e principalmente sobre a vida, sobre a militância, sobre a necessidade de estar sempre lembrando o que aconteceu nos anos de chumbo.
O filme de Medeiros é extremamente simples em sua estrutura. Mas segundo a diretora isso é proposital. Ela teria achado um absurdo fazer um filme bonito e cheio de efeitos sobre um tema tão doloroso: o da morte do militante de esquerda Eduardo Leite, o Bacuri, nos porões da ditadura, com requintes de crueldade e selvageria. Medeiros teve a tarefa de arrancar da filha de Bacuri, Eduarda, e de sua viúva, Denise Crispim, as memórias daqueles dolorosos tempos, que ainda andam com elas, no presente, fazem parte do que elas são.
No registro de Medeiros, há apenas os depoimentos em plano americano e em close-up de Denise, na Itália, e de Eduarda, na Holanda. Hoje mãe e filha guardam diferenças, ao que parece pelo excesso de ideologia da mãe, que foi demais para a filha. Mas, ainda que as descrições comoventes e absurdas do que sofreu Bacuri nos anos em que passou preso até o dia de seu assassinato sejam narradas por Denise, é de Eduarda o momento mais comovente, a cena da camisa. A camisa do pai que ela guarda como uma das poucas coisas que lhe foram deixadas, já que ela não chegou a ver o pai vivo.
Não há em REPARE BEM nenhuma cena de arquivo, a não ser fotos de jornais da época, de uma época em que esses militantes eram pintados como bandidos. E não poderia ser diferente, já que a ditadura manipulava e censurava a imprensa. Seria difícil imaginar uma dramatização dessa história de maneira tão pungente como esta estrutura simples escolhida por Medeiros, utilizando as principais vítimas da morte de um homem que se foi cedo demais, aos 22 anos de idade.
Só mesmo um excelente diretor conseguiria transpor eficientemente a tragédia familiar de REPARE BEM para a ficção. Medeiros privilegia a palavra oral como elemento essencial do filme. E, claro, os rostos sofridos de mãe e filha, trazendo de volta feridas que nunca serão cicatrizadas. O debate, logo após a sessão, também foi uma excelente oportunidade para o público conversar diretamente com Denise e Medeiros. Houve espaço para o cinema na discussão, mas aqui, no caso, a vida real falou mais alto.
domingo, setembro 08, 2013
SE DEUS VIER QUE VENHA ARMADO
E começa a edição deste ano do Cine Ceará, agora com casa nova e uma estrutura um tanto estranha: funcionando ao mesmo tempo no pequeno teatro, onde acontecem as cerimônias ao vivo, e nas duas salas do novo e reformado cinema do Dragão do Mar. Pelo menos na primeira noite tudo transcorreu muito bem. Mas há ainda muitos dias pela frente para que possamos avaliar melhor o festival. Falemos do filme de abertura, SE DEUS VIER QUE VENHA ARMADO (2013), de Luis Dantas.
Seu protagonista é Vinícius de Oliveira, que estreou no cinema ainda criança, no papel de Josué, o menino que queria conhecer o pai no emocionante CENTRAL DO BRASIL, de Walter Salles. O ator teve sorte de não ser mais uma dessas crianças que desaparecem depois de um papel de destaque. Assim, depois de mais dois trabalhos com Salles, ele passou a voar por conta própria, ainda que sem trabalhar como protagonista. SE DEUS VIER QUE VENHA ARMADO é a sua chance de encabeçar um elenco com um papel desafiador.
No filme, o jovem ator interpreta Damião, um presidiário que consegue passe para o dia das mães em 2012, mas tem também uma tarefa a fazer para o crime organizado. Seu irmão o recebe em sua casa, mas o velho pai, que perdeu os trilhos de sua vida desde que sua esposa morreu (o velho sugere que foi por causa de Damião), o considera um vagabundo.
O filme também se concentra em mais três personagens, uma jovem professora de teatro, Cléo (Sara Antunes), o estudante de teatro e amigo de Josué, Palito (Ariclenes Barroso), e o policial novato (Leonardo Santiago) que, logo no primeiro dia de trabalho, presencia a brutalidade da polícia, representada principalmente por seu sargento, que quer a todo custo prender ou matar o sujeito que atirou em sua viatura. Isso acaba trazendo mais tragédias para Damião, que muda seu foco para a vingança. Contra a polícia. Contra o sistema.
O interessante desta produção é flertar explicitamente com o marginal, embora não seja tudo preto no branco. Mas há que se perceber o quanto a polícia é vista como um inimigo ainda mais diabólico do que o bandido. O fato de o filme tomar de empréstimo o título de uma canção da banda paulista de rap rock Pavilhão 9 evidencia de que lado Luis Dantas parece tomar partido.
Ao final da projeção, um grupo de manifestantes invadiu o teatro no qual o filme estava sendo exibido e fez suas exigências e reclamações diante de um país que ainda deve muito ao cidadão. Assim, a vida invadindo o campo da ficção foi bem-vinda e casou muito bem com a proposta do filme, que talvez seja um tanto mais radical, chegando a lembrar até mesmo as ações desesperadas de povos como os palestinos, diante das humilhações sofridas por anos e anos por parte dos israelenses.
Quanto às qualidades fílmicas de SE DEUS VIER QUE VENHA ARMADO, diria que há algo faltando para uma história que é supostamente cheia de emoções catárticas que não se concretizam de fato e fazem do filme mais uma tentativa do que um acerto. Ainda assim, é uma obra que merece atenção e funciona muito bem para provocar reflexão.
P.S.: A homenageada da noite desta 23ª edição do Cine Ceará foi a atriz, diretora e cantora portuguesa Maria de Medeiros, que recebeu o troféu Eusélio Oliveira e brindou o público com o seu sofisticado espetáculo e sua simpatia. Ao longo do festival, vários filmes estrelados ou dirigidos por ela serão exibidos.
sábado, setembro 07, 2013
O ATAQUE (White House Down)
Na inevitável comparação entre O ATAQUE (2013), de Roland Emmerich, e INVASÃO À CASA BRANCA, de Antoine Fuqua, que chegou antes aos cinemas, o filme de Fuqua sai ganhando. É mais emocionante, tem menos patriotada, tem um pouco mais de violência, o herói (Gerard Butler) é mais convincente. Mas é impressionante como os dois filmes são parecidos em vários aspectos. Há até mesmo uma criança em perigo e o tal suspense a respeito de mísseis sendo lançados pelos inimigos com o objetivo de instigar a terceira guerra mundial.
E enquanto Fuqua soube dosar humanidade a seu herói, o máximo que Emmerich fez com Channing Tatum foi torná-lo simpático. Tatum faz o papel de um policial que leva a filha entusiasta da Casa Branca e outros assuntos políticos americanos para visitar o lugar, enquanto se prepara para uma entrevista a fim de ser aceito como membro do Serviço Secreto e guarda-costas do Presidente (Jamie Foxx). A entrevistadora (Maggie Gyllenhaal), porém, não o considera capacitado o suficiente para exercer o cargo. Ele acaba tendo que provar o contrário da maneira mais difícil, já que a Casa Branca é invadida por terroristas.
Emmerich é famoso por ser um dos maiores destruidores de Hollywood, em obras como INDEPENDENCE DAY (1996), GODZILLA (1998), O DIA DEPOIS DE AMANHÃ (2004) e 2012 (2009). INDEPENDENCE DAY, inclusive, é citado no próprio O ATAQUE. Querendo ou não, é o tipo de filme que já entrou no imaginário popular, chegou a um estado de popularidade que tem o respeito até de quem não gosta. Mas talvez o melhor filme de Emmerich seja O PATRIOTA (2000), por causa do dedo de Mel Gibson, que acabou fazendo um filme meio seu também.
Vindo dos filmes B, Emmerich soube muito bem se ajustar ao blockbuster hollywoodiano, sabendo trabalhar com orçamentos enormes e efeitos especiais de ponta. 2012, por exemplo, custou 200 milhões de dólares, e de fato traz efeitos especiais que valem a ida ao cinema, ainda que o filme decepcione um pouco no final. O fato é que Emmerich sabe que também temos um pouco de sadismo; gostamos de imaginar o mundo acabando. Por isso, pra quem já destruiu o mundo, destruir a Casa Branca virou brincadeira de criança. Não tem graça.
Com orçamento estimado em 150 milhões de dólares, O ATAQUE é mais um exemplo de filme que deverá se pagar com a ajuda do mercado internacional. Mesmo tratando de um assunto que aparentemente tem mais a ver com os americanos. A cena da menina com a bandeira, por exemplo, deve deixar os espíritos patriotas lá do centrão dos Estados Unidos arrepiados. Mas acontece que estamos tão íntimos da cultura americana que tudo aquilo nos é familiar, devido a anos e anos de dominação cultural. Mesmo assim, é bem mais fácil para nós, brasileiros, vermos o filme com mais distanciamento. E até rir um pouco do vilão, tão ridiculamente idiota, vivido por James Woods.
sexta-feira, setembro 06, 2013
QUATRO CURTAS BRASILEIROS
Fazer curtas é uma arte que guarda semelhanças com escrever contos. Não se trata apenas da questão envolvendo a duração e o tempo, mas também o tipo de experimentação, a capacidade de síntese de trazer uma ideia e há também uma chance de aplicar experimentalismos que para um longa-metragem seria complicado tanto mercadologicamente quanto, em algumas situações, cansativa. O cinema brasileiro tem cada vez mais se enriquecido com curtas-metragens de ótima qualidade. A vantagem de serem curtos é que a gente pode rever logo em seguida. E caso não tenhamos captado algo, pode ser visto na revisão e até com mais prazer. Vejamos quatro exemplares de novos curtas produzidos em terras brasileiras.
DÉCIMO SEGUNDO
O meu preferido desses quatro curtas, DÉCIMO SEGUNDO (2008), de Leonardo Lacca, trabalha com a atmosfera como poucos. Um filme que lida com os silêncios, aqueles silêncios bem perturbadores entre conversas. O início do filme é bem interessante, com a história da mala que vai pelo elevador e é recebida pela amiga do personagem de Irandhir Santos. Percebe-se a diferença de vida dos dois: ela totalmente habituada com a rotina de cidade grande (São Paulo?); ele, vindo do Nordeste, talvez do interior, ou de alguma outra cidade. O elo que os unia parece ter fenecido com o tempo, a julgar pela conversa dos dois. E isso é um dos trunfos desse filme. Adoraria ver um longa de Leonardo Lacca. Vale ler, depois de ter visto o filme, claro, uma excelente crítica de Rodrigo de Oliveira, publicada na Contracampo, em que o curta é esquadrinhado e visto com muita sensibilidade.
ALGUÉM NO FUTURO
Este é um filme de um amigo (ou pelo menos um conhecido meu, já que ainda não paramos pra conversar melhor e nos conhecemos no Aeroporto de Porto Alegre, depois do Festival de Gramado de 2012). Fiquei sabendo este ano mesmo deste projeto, que chegou a ser exibido em uma espécie de restaurante na Praia de Iracema, mas só agora, que caiu na rede, que pude ver este trabalho de Salomão Santana, de título bonito, ALGUÉM NO FUTURO (2013). É um filme que aproveita belíssimas imagens em preto e branco e em scope (no início em forma de fotos) e depois há uma sequência maior em que o próprio Salomão participa como ator (na minha opinião, poderia ter colocado outro, mas Woody Allen nunca foi também um grande ator e nunca deixou de ser brilhante). Nas cenas com Salomão e a amiga, ele reclama da vida, do vazio da existência. Confesso que foi um filme que me deixou um tanto confuso, mas já gostei da narração em voice-over da personagem Estela. Em seguida, imagens de CASABLANCA, enfatizando os olhos de Bogart e Ingrid. Faz lembrar Alain Resnais. Há, então, essa ligação com o passado constantemente. Gosto de muita coisa do filme. Só não gosto do diálogo na rua. Mas é, sem dúvida, um filme a ser conferido e revisto para descobrir mais coisas.
O MENINO JAPONÊS
Caetano Gotardo hoje é mais conhecido como o diretor do longa O QUE SE MOVE (2012), mas antes disso ele já vinha trilhando um caminho de sucesso no curta-metragem, feito juntamente com o talentoso pessoal do Filmes do Caixote. O MENINO JAPONÊS (2009) não me pegou de primeira. Tive de rever e entrar no clima, principalmente tentando lembrar o quanto O QUE SE MOVE me comoveu. Na trama, o próprio Gotardo conversa com um amigo na sacada de um apartamento, visualizando as pessoas do prédio ao lado. O fazer filmes também está presente, já que o amigo está preparando um vídeo, que não chega a ser apresentado para nós. A vida real aqui, que por sua vez é tornada em ficção para tornar a ser real, é que importa. O filme também lida com sentimentos de amor. No caso, o amor entre os dois amigos. Da importância de estar junto de quem se ama. Acredito que é o tipo de filme que depende muito do estado de espírito para ser apreciado. De preferência no cinema e com o espírito quieto – ou inquieto, mas em sintonia com a obra.
FANTASMAS
É o caso de ideia tão boa e fácil de fazer que eu me peguei pensando: por que não pensei nisso antes?. É sensacional! É mais ou menos a sensação que tive ao ver o longa experimental VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. Quer dizer: trata-se de uma ideia barata e inteligente posta em prática com precisão. No caso de FANTASMAS (2009), André Novais Oliveira coloca a câmera parada olhando em frente a um posto de gasolina enquanto, em off, ouvimos a voz de dois amigos conversando sobre assuntos da vida. A pergunta que fica e que depois é respondida: por que aquela câmera posicionada daquela maneira? E depois a resposta para o título dúbio do curta, que só cresce, à medida que o revemos.
quarta-feira, setembro 04, 2013
V/H/S/2
Uma das primeiras coisas que a gente se arrepende quando vê um filme em segmentos como este V/H/S/2 (2013) é não ter acompanhado a carreira de seus diretores, a maioria com poucos filmes e do circuito mais independente. O nome mais conhecido é provavelmente o de Eduardo Sánchez, um dos diretores de A BRUXA DE BLAIR (1999), e que aqui assina a direção (junto com Gregg Hale) do segmento "A Ride in the Park", que de início parece só mais um filme de zumbis, mas que se revela bem mais do que isso, de tão inventivo e cheio de surpresas. O fato de vermos tudo pela câmera de um dos caras que se transforma em zumbi é um barato.
V/H/S/2 segue a mesma estrutura do primeiro V/H/S (2012): pessoas que encontram uma casa cheia de fitas VHS bem sinistras e que assistem a esses filmes. Trata-se de uma mera desculpa para apresentar os diferentes segmentos, dirigidos por cineastas diversos, como Jason Eisener (de O VINGADOR, 2011); Gareth Evans (de OPERAÇÃO INVASÃO, 2011), Timo Tjahjanto (de MACABRE, 2009) e Adam Wingard (de VOCÊ É O PRÓXIMO, 2011, previsto para estrear em nossos cinemas em outubro). Enfim, trata-se de uma nova geração que merece a nossa atenção e é pena que não tenho tido tempo para me organizar e ver estes filmes mais marcantes deles. De todo modo, ainda que esses curtas de V/H/S/2 não os represente na totalidade, são aperitivos bem interessantes.
No primeiro segmento (que não seja o "Tape 49", de Simon Barrett, e que liga os demais), "Phase I Clinical Trials", o próprio diretor Adam Wingard faz o papel do sujeito que instala um olho eletrônico e passa a ver coisas com esse olho. No caso, ele passa a ver espíritos. É um bom curta, com sustos de verdade, mas os demais são melhores. O seguinte é o já citado "A Ride in the Park", o meu favorito. O filme começa com um passeio no parque em que um ciclista avista uma mulher vomitando gosma e pedindo ajuda. Quando dá por si, vê um grupo de zumbis chegando em sua direção e a mulher lhe dá uma bela de uma mordida. É gore pra dar e vender.
"Safe Haven" também não fica atrás. Apresenta um grupo de documentaristas que pretende filmar os bastidores de uma seita secreta. A trama é bem sinistra e tem ótimo desenvolvimento. Quanto ao último segmento, "Slumber Party Alien Abduction", trata-se de um belo filme de horror juvenil, com presepadas das crianças frente aos adolescentes, mas que acaba virando uma perturbadora história de invasão de alienígenas malvados.
Deu pra ver que houve uma melhora considerável entre esta segunda antologia e a primeira. Que essas produções continuem em curva ascendente e trazendo outros diretores e histórias ainda melhores.
terça-feira, setembro 03, 2013
OS ESTAGIÁRIOS (The Internship)
Tirando o fato de ser uma grande propaganda do Google e de também ter um enredo que lembra bastante o superior UNIVERSIDADE MONSTROS, animação da Pixar, OS ESTAGIÁRIOS (2013), de Shawn Levy, é um simpático filme sobre superação, que não chega a emocionar quanto o anterior do diretor, GIGANTES DE AÇO (2011), mas que certamente deve deixar muito marmanjo se sentindo nos sapatos dos protagonistas.
Isso porque muita gente que vai ver o filme viveu o tempo em que não existia internet e sabe o quanto o mercado atual privilegia os mais jovens, deixando os mais experientes com caras de tiozões que devem já estar numa posição bem elevada da escala econômica da sociedade capitalista. Vince Vaughn (que também assina o roteiro) e Owen Wilson representam os caras que não se incomodam com o que os outros vão pensar e, excelentes vendedores que são, se metem num negócio que a princípio nada sabem.
Como eles fazem parte de um grupo que é tido como o grupo dos fracassados dentre os que lutam por vagas de estagiários no Google, é bem justa a comparação com UNIVERSIDADE MONSTROS, e a já esperada superação no final. Imagina se fosse um filme que os retratasse perdendo e indo de volta para os subempregos ao final? Seria até interessante, mas definitivamente passaria longe dessa produção feita para toda a família e com fortes interesses em colocar o Google como uma das maiores invenções da era da internet.
Além do mais, o filme conta com o carisma e a simpatia de seus protagonistas. Os dois convencem bastante como amigos de longa data. Até por terem feito PENETRAS BONS DE BICO, de David Dobkin. Há também a beleza e o charme de Rose Byrne, como o interesse amoroso do personagem de Wilson. A história dos dois funciona melhor quando ela dá um gelo nele do que quando ela passa a gostar dele, mas está valendo. O elenco de apoio também está muito bom (Dylan O’Brien, Aasif Mandvi, Max Minghella, entre outros).
Enfim, não é um filme imperdível, mas certamente é daqueles de deixar o público relaxado e dando poucas mas boas risadas. Além do mais, dá para refletir sobre o concorrido e cruel mercado americano, ainda que o individualismo, uma das marcas do capitalismo, encontre aqui a necessidade da união para se sustentar.
domingo, setembro 01, 2013
SE PUDER... DIRIJA!
Um dos trailers já apresenta esta que é a melhor cena de SE PUDER... DIRIJA! (2013): dois assaltantes entram no carro e confundem o cachorro, que se chama Moleque, e o menino, filho do personagem de Luiz Fernando Guimarães. É de fato uma ótima cena, pela simplicidade e pelo talento de Guimarães, um dos melhores atores comediantes de sua geração, tendo feito parte do grupo de humoristas da saudosa TV PIRATA nas décadas de 1980/1990 e logo depois fez também a série OS NORMAIS, com Fernanda Torres, que até teve duas versões para cinema.
Uma pena que nem sempre dê para contar com o talento de Guimarães para dar sustento a uma comédia tão boba quanto SE PUDER... DIRIJA, primeiro filme em live action brasileiro produzido com a tecnologia 3D. Resta saber se o público brasileiro vai querer pagar mais caro para ver uma comédia com esses efeitos – e não um filme de ação, fantasia ou aventura, que comumente é mais usado para a aplicação dos efeitos. As bilheterias dirão em breve.
Se os efeitos funcionam a favor do filme? Diria que são efeitos bem banais e que não contribuem em nada para melhorar um produto que já não é bom. Aliás, até piora as coisas, pois há o desconforto dos óculos, que na maioria dos cinemas costumam deixar a imagem mais escura e pode gerar dor de cabeça também.
Na trama, Luiz Fernando Guimarães é João, um funcionário de um estacionamento que tem o hábito de chegar sempre atrasado nos eventos do filho pequeno. Sua esposa, vivida por Lavínia Vlasak, reclama de sua ausência na vida da criança, mas ele promete melhorar. Os dois estão separados há algum tempo, mas o filme não entra muito em detalhes nessa questão. O que mais importa são as trapalhadas e complicações de João, que sem ter carro próprio pega emprestado o carro de uma médica (Bárbara Paz), lá na empresa, já que ele é um dos manobristas.
Enquanto isso, para não perder o costume, podemos mais uma vez ver o humor histriônico de Leandro Hassum, que faz o papel do amigo e colega de trabalho que tenta encobrir a escapada de João para pegar o filho. Digamos que ele vai ganhar um pouco de crédito perante muitos quando pudermos ver Jerry Lewis, em participação especial em ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE 2, previsto para estrear no final deste ano.
Quanto a SE PUDER...DIRIJA!, sem querer desencorajar ninguém, daria para mudar o nome para “Se puder...evite (de ver)”. Afinal, não basta ter poucas cenas realmente engraçadas, mas há que se comentar a horrível sequência de Reynaldo Gianecchini e a moça que reboca o carro de João. Com os close-ups toscos que o filme de vez em quando traz e que muitas vezes ficam horrivelmente destacados com a profundidade de campo provocada pelos efeitos 3D, esta cena em particular beira ao grotesco.
A impressão que fica é que o diretor Paulo Fontenelle, ao tentar se preocupar muito com o 3D, acabou se esquecendo de apostar na história e no humor. Melhor sorte na próxima vez.