quarta-feira, julho 03, 2013

OS AMANTES PASSAGEIROS (Los Amantes Pasajeros)























Chega a ser desconcertante o que Pedro Almodóvar faz com seus fãs em OS AMANTES PASSAGEIROS (2013). Afinal, trata-se mesmo do ponto mais baixo da carreira do diretor espanhol, como diz boa parte da crítica, ou há algo nas entrelinhas que deixamos passar despercebido? O que temos certeza, ao menos, é que se trata de uma volta à comédia, que desde KIKA (1993) deixou de ser um gênero explorado pelo cineasta, que aderiu de maneira mais intensa aos dramas e, no caso de A PELE QUE HABITO (2011), ao filme de horror.

A volta às comédias é também uma maneira de vermos um tipo de colorido mais artificial, de quando o cineasta experimentava cenários construídos nos interiores e podia exercitar o seu gosto pelas cores quentes através da pintura de móveis e paredes em ambientes internos, como foi o caso do excelente MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS (1988). O novo filme, ao se passar quase que totalmente dentro de um avião, também traz essa possibilidade, embora a beleza da fotografia de José Luis Alcaine, colaborador habitual do cineasta, não seja exatamente de encher os olhos. Na verdade, a cor do interior do avião é sempre bem feia.

Logo, percebe-se que há um tom de despretensão por parte de Almodóvar, ao construir uma comédia em um ambiente fechado, com subtramas pouco interessantes, mas que ainda assim consegue extrair momentos inesquecíveis, muitos deles ligados ao sexo e às drogas, que também pode ser visto como uma espécie de saudade dos anos 80. Tanto é que a canção-tema, e que serviu de título para o filme nos Estados Unidos, "I’m so excited", das Pointer Sisters, é de 1982, momento em que a disco music ainda estava bastante presente, assim como o uso de substâncias animadoras.

OS AMANTES PASSAGEIROS, assim, pode ser visto como uma espécie de ode depravada ao sexo e às drogas, sem o menor sentimento de culpa. Por mais que um dos comissários de bordo gays seja divertidamente católico e reze pelo amigo que é alcóolatra, vivido por Javier Camara, está tudo liberado naquele voo. Com direito a sexo oral de um dos comissários no copiloto e a uma mulher que é vidente e virgem (Lola Dueñas) louca para resolver o seu probleminha, enquanto todos os passageiros da classe econômica estão dormindo sob efeito de ansiolíticos. Sem falar no casal de noivos que faz sexo nas próprias cadeiras da primeira classe.

Não deixa de ser uma obra bem ousada sexualmente, mas talvez seja a liberdade com o trato com o uso das drogas que tenha lhe dado classificação 16 anos no Brasil. No mais, outra perspectiva de se ver o filme é como uma crítica ácida à atual situação econômica que vive a Espanha, que está em situação desesperadora desde a crise que abateu vários países europeus em 2008. Assim, o fato de o avião estar prestes a cair e todos morrerem é uma metáfora de seu país. Neste sentido, é talvez o filme mais político de Almodóvar em muito tempo.

OS AMANTES PASSAGEIROS é desses filmes que crescem à medida que pensamos nele. A lembrança dos vários personagens do filme, encabeçados pelos três comissários de bordo bem afetados (Javier Cámara, Carlos Areces e Raúl Arévalo), passando pela dominatrix (Cecilia Roth), pelos pilotos, pela moça suicida (Paz Vega) e por uma belíssima jovem que recebe um telefone celular do céu enquanto anda de bicicleta (Blanca Suárez), entre vários outros, faz com que a simpatia pelo filme só aumente.

Provavelmente, com o tempo, OS AMANTES PASSAGEIROS será tão bem aceito quanto KIKA, que na época de sua exibição também não foi bem recebido. O pior filme de um grande autor ainda é melhor do que os melhores filmes de diretores de encomenda. Era Truffaut quem dizia algo parecido, não?

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