domingo, fevereiro 10, 2013

O VOO (Flight)



Não deixa de ser um motivo de celebração este retorno de Robert Zemeckis ao mundo de carne e osso. Embora suas experiências com a captura de movimento não devam ser desconsideradas, seus melhores trabalhos foram anteriores aos anos 2000. E é curioso vê-lo retornando justamente com um filme que também conta com uma impressionante cena de queda de avião, como em O NÁUFRAGO (2000). É estabelecendo um link com seu último filme em live action que ele constrói esse belo drama sobre um sujeito que, pilotando um avião sob efeito de álcool e cocaína, e mal tendo dormido na noite anterior, consegue, como que por um milagre, salvar a vida de dezenas de pessoas presentes na aeronave.

A primeira cena do filme já destoa dos trabalhos comumente atribuídos a Zemeckis, que não tem o costume de colocar cenas de nudez em seus trabalhos. Aqui já vemos uma cena de nudez frontal de uma colega do personagem de Denzel Washington, uma comissária de bordo que faz as vezes de amante (Nadine Velazquez). Ele é Whip Whitaker, um sujeito divorciado que não tem contato com o filho adolescente e que tem uma vida desregrada, com excessos de álcool e usando a cocaína como estimulante para se manter acordado.

É assim na manhã em que ele acorda para ser o piloto daquele avião fadado a cair. E toda a cena dos problemas do avião até a queda é emocionante. Tanto que depois dessa cena, depois de tanta adrenalina, há quem ache o filme um tanto parado. O que não é bem verdade. Apenas O VOO (2012) passa de um filme sobre a queda de um avião para um filme sobre a dependência às drogas, mais especificamente ao álcool.

E nesse sentido O VOO corre o perigo de parecer moralista, tanto é que o personagem de John Goodman, o fornecedor de cocaína, é apresentado ao som de "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones. Quer dizer, a própria direção já lida com a cocaína como uma droga diabólica. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que se não fosse a cocaína, o personagem não teria tomado medidas tão ousadas, como virar o avião de cabeça pra baixo, por exemplo, já que a droga tem esse poder de passar a ilusão de que a pessoa pode tudo, de dar um excesso de autossegurança.

Outro momento em que uma canção é muito bem utilizada no filme acontece na sequência em que a personagem de Kelly Reilly (do excepcional horror britânico SEM SAÍDA) injeta heroína ao som da linda versão de "Sweet Jane", interpretada pelos Cowboy Junkies. A câmera se afasta no momento do êxtase da personagem, num travelling para cima que coincide com o ápice da canção.

A personagem de Kelly Reilly, Nicole, será apresentada ao protagonista numa das melhores cenas do filme, em que três dependentes de drogas se encontram nas escadarias do hospital. Um deles é um paciente com câncer em estágio terminal, interpretado por James Badge Dale. É um belo momento intimista. E Nicole será uma personagem fundamental para tornar o filme mais belo, mais florido, mas também para ser mais um grilo falante da consciência de Whip. Uma garota que chegou ao fundo do poço nas drogas e que não deseja nunca mais retornar.

Assim é que vemos a responsabilidade ética e social que é dirigir um filme como este, que trata o tema da dependência nas drogas com certa ambiguidade, mas que tende a ver o alcoolismo como algo destruidor. Destruidor de famílias, de vidas, de relacionamentos. Assim, até mesmo a investigação em torno da culpa do piloto no caso, por causa do álcool e da cocaína encontrados em seu sangue, torna-se quase secundária, diante de sua dificuldade em largar a bebida.

O VOO recebeu duas indicações ao Oscar: ator (Denzel Washington) e roteiro original.

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