sábado, outubro 08, 2011
O HOMEM QUE VIROU SUCO
Caso raro de obra cinematográfica nascida a partir de uma literatura de cordel feita pelo próprio cineasta (João Batista de Andrade), O HOMEM QUE VIROU SUCO (1981) é um elogio ao poeta e uma crítica ao sistema capitalista que vê o homem como uma mera engrenagem. José Dumont interpreta os personagens Deraldo e Severino. O principal é Deraldo, um poeta de cordel vindo do Nordeste que mal consegue dinheiro para sua sobrevivência em São Paulo e, por isso, vive devendo ao dono da mercearia e o aluguel do seu quarto. Quando tenta vender seus cordéis no Centro, logo é perseguido pelas autoridades, que exigem dele documentos. E nem mesmo carteira de identidade ele tem. E isso é um fator chave para a compreensão e reflexão sobre essa obra.
O HOMEM QUE VIROU SUCO de certa forma é O HOMEM ERRADO brasileiro. A história de um sujeito que é confundido com um outro parecido (Severino), procurado pela polícia por ter matado um homem. Por causa dele, o protagonista foge do lugar onde mora e vai procurando viver de bicos. Mas seu espírito inconformado e selvagem faz com que ele não aceite humilhações. Assim, ele luta por respeito, diante de uma sociedade preconceituosa para com o nordestino – até um velho coronel nordestino critica seus conterrâneos no filme.
José Dumont não é apenas um ator perfeito para o arquétipo do nordestino no cinema. Ele é um grande ator, ponto. Em filmes como A HORA DA ESTRELA, NARRADORES DE JAVÉ e 2 FILHOS DE FRANCISCO, entre outros, ele está lá, roubando a cena.
Em O HOMEM QUE VIROU SUCO, numa das sequências finais, na qual ele sai à procura de seu doppelgänger, sentimos como se ele estivesse à procura de si mesmo, de sua identidade. Como numa peregrinação no deserto, a câmera o acompanha bem de perto. Por mais diferente que fosse o outro "eu", o "eu" que se rendeu ao sistema e que, por isso mesmo, o sistema o engoliu. O HOMEM QUE VIROU SUCO é um poema bruto em forma de filme, que ainda teve a ousadia de ser rebelde em tempos de ditadura.