quarta-feira, dezembro 08, 2010

KIKA



Curioso o fato de KIKA (1993), um dos filmes menos incensados de Pedro Almodóvar, ser um dos que mais renderam páginas de conversa no livro "Conversas com Almodóvar", de Frederic Strauss. KIKA foi um dos filmes que eu deixei passar nos cinemas e só vi em vídeo. Não lembro porque razão não assisti. Se por falta de interesse ou porque ele não chegou nas salas daqui. A imagem do filme que mais ficou guardada em minha memória foi a sequência do estupro de Paul Bazzo (Santiago Lajusticia) em Kika (Verónca Forqué), seguido da ejaculação na janela, com o esperma respingando no rosto da repórter sensacionalista Andrea (Victoria Abril).

Aliás, falando em janelas, um dos aspectos do filme e que eu não percebi nem na revisão, mas que na entrevista é destacada, é o fato de que KIKA é um filme onde todas as janelas e portas estão abertas. No momento do estupro, por exemplo, há pelo menos uma pessoa que vê tudo de outro prédio. Os próprios relacionamentos são abertos. O marido de Kika sabe que ela tem um caso com Nicholas, o personagem de Peter Coyote, embora ela não saiba que ele sabe. E a personagem, em si, é aberta ao novo, como se pode notar ao longo do filme. O que talvez não conte pontos a favor é o fato de que Kika não é uma personagem boa o suficiente para nos identificarmos. Ela é muito doce e muito passiva diante de tudo.

E embora Almodóvar tenha o cuidado para trazer o mínimo de naturalismo nos diálogos e na encenação, seus personagens são todos abstratos, não parecem reais. Parecem, inclusive, com exageros de outros já apresentados em outros filmes do diretor. Victoria Abril, por exemplo, já havia feito uma repórter de televisão em DE SALTO ALTO (1991) e o personagem do estuprador lembra Antonio Banderas em ATA-ME (1990), só que sem o mesmo brilho ou o mesmo interesse por parte da trama para aprofundá-lo. Aliás, é impossível aprofundar os personagens, já que eles são tantos e tão cercados de redes de intrigas.

O filme é interessante por ser uma mistura de gêneros que o torna inclassificável. O ato final até lembra MATADOR (1985), o trabalho de Almodóvar que mais se aproxima de um thriller. E sabe-se o quanto o cineasta é apreciador do cinema americano dos anos 40, de mulheres fatais e de crimes mostrados de maneira estilizada. A diferença é que Almodóvar troca o preto e branco pelas cores quentes. Ainda assim, continuo achando KIKA um dos menos interessantes filmes da filmografia do diretor, um dos que eu menos gosto. O legal é que na entrevista, como KIKA é um dos filmes de Almodóvar que mais bebem da fonte de JANELA INDISCRETA, há um gostoso papo sobre a obra de Hitchcock e suas mulheres neuróticas.

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