quinta-feira, novembro 11, 2010

JOSÉ E PILAR



Uma das coisas mais intrigantes do documentário JOSÉ E PILAR (2010) é a imagem que é mostrada no início e no fim do filme. Talvez seja apenas fruto da edição pensada pelo diretor português Miguel Gonçalves Mendes e sua montadora, Cláudia Rita de Oliveira, mas ver José Saramago dizendo para uma câmera, numa mensagem para a esposa mais jovem que ele 26 anos, "Pilar, nos vemos em outro sítio", uma espécie de contradição diante das convicções do escritor, famoso por ser ateu, é emocionante. Segundo ele mesmo diz, para ele a morte é o deixar de estar. Logo, aquela imagem, ainda que acidental, fica parecendo uma mensagem do além do cineasta, falecido no dia 18 de junho de 2010.

JOSÉ E PILAR se destaca por fugir um pouco do modelo de documentário tradicional, não havendo depoimentos de diversas pessoas, como é comum. Até mesmo as cenas de noticiários só são mostradas quando Saramago e sua esposa Pilar Del Río estão assistindo televisão. O filme segue a rotina atarefada dos dois a partir de 2006, com a gestação do livro "A Viagem do Elefante" (2008). Muito bom ver Saramago em casa, no computador, jogando paciência, por exemplo, ou colocando um disco para tocar. Tanto o escritor quanto sua esposa parecem bem à vontade diante das câmeras. Quase nos esquecemos que elas estão ali presentes.

As dedicatórias que Saramago tanto prestou a Pilar em seus livros chegam a ser comoventes. A mais bela delas, "A Pilar, que não havia nascido e tanto tardou em chegar", mostra a diferença de idade dos dois e o quanto a vida do escritor mudou a partir do momento em que ele a conheceu. De fato, no filme, vemos o quanto os fatos digamos mais importantes da vida de Saramago aconteceram tardiamente. Ainda que seu primeiro livro tenha sido escrito quando ele tinha 25 anos, só em 1980, com "Levantado do Chão", que as características da prosa do escritor apareceriam. E só em 1986 ele conheceria Pilar, sua segunda esposa.

O filme mostra até mesmo aquela cena que já foi vista por tantos no youtube, a de Saramago vendo pela primeira vez ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, ao lado de Fernando Meirelles, e chorando de emoção. Ver essa cena no cinema, ainda mais depois de estarmos sabendo do quadro de saúde bastante delicada do escritor, faz com que a emoção seja ainda maior. E ainda que o filme tente tornar Pilar, com sua persona forte e dedicada, tão importante quanto Saramago, e por mais que ela tenha sido mesmo essencial para o trabalho e autoestima do escritor, é a figura carismática de Saramago o nosso alvo de interesse e quem nos conquista, tanto nos momentos de rabugice, quanto em seus momentos mais espirituosos.

P.S.: Meu amigo Renato Doho publicou em seu blog a lista (com pequenos comentários) dos cinco últimos livros que eu li em sua Pesquisa Literária.

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