sexta-feira, agosto 20, 2010

TEODORICO, O IMPERADOR DO SERTÃO



"Vocês não têm um automóvel para me emprestar, vocês não têm um cavalo para eu andar. Mas o voto vocês têm. E, se vocês não me dão o voto, por que é que eu vou querer continuar a conversar com vocês?"
(Major Teodorico Bezerra)


Em tempos de eleição, nada como ver um filme em que um político fala com franqueza absurda o que realmente pensa. Algo do tipo, eu só via em programas humorísticos, como o personagem Justo Veríssimo, do programa do Chico Anysio. O Major Teodorico, que disse a frase acima, era um membro da aristocracia do sertão do Rio Grande do Norte. Dono de fazendas de gado e de cana, além de líder político de sua região, trata-se de um representante da era dos coronéis. E uma figura e tanto. Pode até despertar o ódio de muitos, mas eu achei o sujeito tão "sem-noção" diante das câmeras que até cheguei a simpatizar com o velho.

Assim como aconteceu com SEAMS, de Karim Aïnouz, TEODORICO, O IMPERADOR DO SERTÃO (1978), de Eduardo Coutinho, foi um dos onze documentários recomendados por João Moreira Salles no livrinho "Ilha Deserta - Filmes". Tudo bem que só o nome de Coutinho já seria um chamariz para qualquer cinéfilo conhecedor da grandeza de nosso maior documentarista, mas as palavras de Moreira Salles sobre o filme me deixaram bastante interessado em ver com os meus próprios olhos. E foi com muita surpresa que encontrei o filme à disposição na internet. Ainda que a cópia esteja precária, o interesse que o Major Teodorico Bezerra provoca faz com que nos esqueçamos desse detalhe.

No texto de João Moreira Salles, o que mais me chamou a atenção foi a cena do alistamento eleitoral, que eu citei no início do texto. Teodorico fala para seus trabalhadores que vivem lá há anos - alguns deles nasceram na fazenda -, que só fica em sua propriedade quem votar nele. Realizado para o Globo Repórter, o média-metragem de Coutinho antecipa o seu interesse de ir a fundo em seu objeto de estudo, deixando-o à vontade para falar e revelar coisas que seriam até constrangedoras. Como quando Teodorico mostra o seu quarto, rodeado de fotos recortadas de mulheres nuas. Ele aponta algumas com sua bengala, fala da perfeição de seus corpos, da posição etc. Outro momento que eu achei absurdo é quando ele mostra a "felicidade" de uma família humilde, enfatizando a casinha de taipa, o jumentinho, entre outras coisas que poderiam fazer a alegria de quem acha que vida de pobre no sertão é fácil. E não é fácil viver na fazenda de Teodorico. Pois ele impõe várias regras: não se pode jogar baralho, não se pode tomar aguardente, não se pode inventar doença para faltar ao trabalho, entre outras.

O filme praticamente não tem intervenções de Coutinho. Teodorico já dá conta da narração sozinho. E em alguns momentos eu vi que o que ele falava tinha certa razão. Por mais ditador que seja, por mais moralista que seja, e por mais preconceituoso que seja (ele acha os brancos do sul superiores aos índios e aos negros, que geraram os caboclos do sertão nordestino), Teodorico sabe que liberdade demais nas mãos de quem não sabe usar é um perigo. Ainda assim, a certa altura do filme, já estamos fascinados por ele. Principalmente quando vemos o seu lado mais humano, quando o assunto da morte de sua esposa é tocado.

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