segunda-feira, julho 05, 2010

AS SAFADAS



Não teria visto AS SAFADAS (1982) se não fosse o interesse pelo segmento de Carlos Reichenbach, o pouco citado e subestimado "Rainha do Flipper". Acabei encontrando uma cópia na internet desse filme em episódios produzido por um dos mais importantes nomes da Boca do Lixo, Antônio Polo Galante. A cópia, ripada do Canal Brasil, não é das melhores, mas os filmes são tão bons, especialmente os de Carlão e Inácio Araújo, que a gente até nem se incomoda tanto com aqueles pixels saltando pela tela. AS SAFADAS foi a quarta das cinco parcerias entre Carlão e Galante, que dava ao diretor toda a liberdade, contanto que colocasse as habituais cenas de sexo e nudez.

"Rainha do Flipper" me encantou. As cenas de sexo têm tesão, mas também há sensibilidade, delicadeza. Coisa de mestre. Carlão transcende o erotismo puro e simples, a sacanagem pela sacanagem. E mesmo quando há apenas puro tesão, como nas cenas da loira companheira da "rainha", elas são de alta voltagem erótica. Na trama, Zilda Mayo é a rainha do fliperama do título. Seu meio de vida é através de apostas feitas por aficionados no jogo. Ela é como uma prostituta, agenciada por Giba, seu namorado, um sujeito um tanto grosseiro e que fica logo cabreiro quando entra em cena Tenório, um antigo namorado da "rainha", que a chama pelo seu verdadeiro nome, Reginéia. Ela fica feliz com a chegada do velho amigo, que se mostra muito tímido aos costumes mais libertinos na casa da antiga namorada. Ele representa para Reginéia o seu passado deixado para trás. Há uma bela sequência de saudosismo, quando os três, Reginéia, Tenório e Giba, passeiam de carro pelas ruas de São Paulo e veem as mudanças na paisagem. Carlão aproveita para fazer brincadeiras carinhosas com os nomes de Fritz Lang e Kenji Mizoguichi. No filme, a modernidade (os jogos eletrônicos, a libertinagem) encontra o passado (nas canções que tocam na vitrola, nas memórias dos personagens). O presente duro da protagonista e principalmente do homem fracassado são dolorosos. Pra completar, o próprio Carlão ainda recita, numa das cenas perto do final, trechos do poema "O Marinheiro", de Fernando Pessoa. Sensacional.

Depois do excelente segmento de Carlão, não esperava que veria novamente outro grande filme. E eis que me deparo com "Uma Aula de Sanfona", de Inácio Araújo. O filme já começa com uma homenagem explícita a JANELA INDISCRETA, de Alfred Hitchcock. A câmera mostra um prédio com algumas janelas abertas. A intimidade de um casal chama logo a atenção e é para lá que a câmera se dirige. Uma loirinha linda recebe uns tapas do namorado, antes do sexo. Depois, ela reclama de não ter novamente chegado ao orgasmo. Ele apenas diz que um dia ele vem. Pouco depois, ela briga com o sujeito, diz que não quer vê-lo nunca mais. No dia seguinte, acorda incomodada com o vizinho de cima, que toca sanfona. Ela trata o gordo sanfoneiro (Cláudio Mamberti) de maneira humilhante, ao mesmo tempo que o deixa excitado, com seu belo corpo. O desenrolar e o desfecho do enredo é coisa de mestre. Nem parece o único trabalho na direção. Sem querer desmerecer o que ele nos deixou como crítico de cinema, Inácio Araújo deveria ter seguido carreira de cineasta!

"Belinha a Virgem" (assim mesmo, sem vírgula) é o terceiro e menos inspirado episódio de AS SAFADAS. Diferente dos trabalhos de Carlão e Inácio, o segmento dirigido por Antônio Melliande não tem muitas pretensões. Vale mais pela beleza e pela graça de Vanessa Alves, que aqui faz o papel de uma garota bem safada que pretende, antes de se casar com um rapaz, membro da alta sociedade, cometer vários golpes, utilizando-se de seus dotes físicos. E sempre com a desculpa de ser virgem. Desculpa que também usa para o namorado, que tem que esperar até o casamento para poder usufruir do tão almejado brinquedo. O segmento é pura sacanagem, bem típica das que eram feitas na época e deve ter agradado bastante ao produtor Galante. Entre uma e outra pornochanchada, Vanessa Alves se tornaria a atriz mais presente nos filmes de Carlos Reichenbach.

P.S.: Procurando matérias sobre a obra solitária de Inácio, dei de cara com uma das saudosas colunas do Carlão. Ele elogia o filme do colega, fazendo comparações com Bresson e Hawks e outros segmentos antológicos do cinema mundial. E não é que eu dei de cara também com um dos e-mails que eu costumava enviar para a sua coluna há dez anos! Uma cápsula do tempo.

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