Ontem estava num daqueles dias em que nada me agradava. Sentindo-me como o protagonista da canção "Stay (Faraway, So Close)", do U2; ou como o John Lennon em "Yer Blues", dos Beatles. Nem o rock and roll nem o cinema me animavam. Era uma situação preocupante. Durante dois dias eu acordava à uma da tarde. E por isso resolvi me obrigar a sair ontem à noite, ainda que Zeca Baleiro esteja longe de ser um dos meus artistas favoritos. Mas a companhia dos amigos e a chuva que caiu na Praia de Iracema fizeram eu me sentir um pouco mais vivo novamente. E ainda bem que existe o dia depois do outro, trazendo a possibilidade de ver a vida por outro prisma. Mas vamos ao filme em questão, que até combina com esse estado de espírito de solidão, desamparo e desesperança.
O MUNDO (2004) é a minha segunda experiência com o cinema de Jia Zhang-ke, cineasta chinês recebido pela crítica como uma das maiores revelações dos últimos anos. Tinha visto antes apenas EM BUSCA DA VIDA (2006), se eu não me engano, o único de seus trabalhos a ser lançado comercialmente no Brasil. Lembro de quando O MUNDO passou na Mostra Internacional de São Paulo e do quanto eu fiquei curioso para vê-lo, depois de tantos comentários elogiosos dos blogueiros cinéfilos que acompanham as mostras.
Diferente de Hou Hsiao-hsien, que com apenas dois filmes já me conquistou, não sei se posso dizer o mesmo de Jia Zhang-ke. Mas não dá pra ficar indiferente a O MUNDO, até porque é um filme de uma beleza plástica especial. A impressão que temos é que se trata de um dos filmes mais caros já produzidos na China, tal a suntuosidade com que é mostrado o parque temático que reproduz alguns dos cartões-postais de várias partes do mundo, com réplicas da Torre Eiffel, da Torre de Pisa, das Torres Gêmeas (que continuam de pé no parque), da Estátua da Liberdade, do Taj Mahal. Zhang-ke mostra um mundo falso e ostentoso que esconde tanto a pobreza que ronda as demais regiões da China como os sentimentos gerados pela insegurança nos relacionamentos dos personagens.
O filme começa com Tao andando pelo camarim e gritando por um band-aid, um início que já aponta um forte simbolismo. Os dois protagonistas do filme são Tao (Tao Zhao, de EM BUSCA DA VIDA) e Taisheng (Taisheng Chen), que curiosamente ganharam o nome de seus intérpretes. Os dois levam uma vida aparentemente boa, trabalhando no parque. Mas há algo de errado na relação dos dois. E que pode levar a uma conclusão trágica. Tao diz ao namorado que o mataria se soubesse que ele a traiu. Outro personagem de grande importância para a trama, ainda que apareça pouco, é "Irmãzinha", um amigo de infância de Taisheng que chega ao parque temático de Pequim para conseguir emprego. A conclusão da história de "Irmãzinha" é uma das mais tocantes de todo o filme, até pelo recurso estilístico que Zhang-ke adota para mostrar o bilhete deixado pelo rapaz, numa das cenas mais dolorosas do filme.
E O MUNDO não seria o que é se não fosse a sofisticação da direção de câmera de Zhang-ke, da beleza das cores da fotografia, das animações que reproduzem a comunicação pelos celulares dos personagens e que servem para mostrar os seus estados de espírito, da opção pelos lentos planos-sequência com a câmera nem sempre colocada numa posição confortável para o espectador. Foi uma experiência um pouco difícil pra mim. Tanto que larguei o filme já passando da metade e resolvi ver dias depois, do começo. É o tipo de filme que necessita mais do espectador. Visto em circunstâncias não muito favoráveis pode levar à dispersão. De uma forma ou de outra, a angústia é um sentimento quase que inevitável durante a apreciação.
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