segunda-feira, setembro 28, 2009

OS VIVOS E OS MORTOS (The Dead)



Não estava nos meus planos ler James Joyce tão cedo. Afinal, minha rotina não tem me possibilitado ler algo tão denso, levando em consideração que a principal referência do escritor para mim era ULISSES. Mas eis que, num exercício de tradução para o curso de especialização, tive que traduzir "As Irmãs", o primeiro conto de DUBLINENSES. Fiquei extasiado com o conto e com o estilo de Joyce e resolvi comprar o livro. Descobri que havia contos ainda melhores, como os maravilhosos "Arábia" e "Eveline" e o excelente "Contrapartida". Os personagens de Joyce são todos acometidos de uma frustração pela vida, embora em quase todos os contos, eles experimentem, em alguns momentos, o que ele chama de epifania, palavra-chave para a obra, mas que não lembro de ter aparecido em "Os Mortos", o último e mais extenso conto do livro e o escolhido para ser adaptado por John Huston.

OS VIVOS E OS MORTOS (1987), filme-testamento dirigido quando o cineasta estava com a saúde bastante debilitada, é uma reflexão sobre a vida e a morte. Na verdade, vai além disso. Há muito mais a ser visto e explorado nesse conto amargo, transposto com sensibilidade, carinho e esforço por Huston. A desvantagem de se ver um filme adaptado logo depois de ler o texto original é fazer as tradicionais comparações entre literatura e cinema. Nos livros, o autor mostra explicitamente os pensamentos dos personagens, enquanto o cinema tenta mostrar isso com imagens e diálogos. Os pensamentos quase sempre devem ser compreendidos pelo espectador através das imagens. E nem sempre o diretor e o roteirista conseguem passar para o espectador o que o personagem está sentindo. O que de certa forma pode enriquecer e tornar a obra mais plural, pois cada espectador pode pensar o que quiser, mas no caso de obras adaptadas podem soar como falhas.

A minha maior curiosidade era saber o que Huston faria para tornar o final de seu filme tão belo, triste e impactante como é no livro, com as palavras finais do personagem de Gabriel (Donal McCann), escritas com tanta habilidade por Joyce. E eis que Huston não teve outra solução a não ser copiar as palavras finais do conto para encerrar o seu filme. Foi ao mesmo tempo uma escolha humilde e sábia. Não havia como transformar os pensamentos profundos de Gabriel em imagens. E assim, a melhor parte do conto, que mostra Gabriel e Gretta (Angelica Huston) no caminho de volta para o hotel, se não ficou tão belo quanto nas palavras de Joyce, o resultado nas telas foi bem satisfatório.

Aliás, eu fiquei achando que Huston iria alongar o conto, mas na verdade, o tamanho da obra foi perfeito para o cinema. Diferente de adaptações de romances, que costumam cortar trechos das obras ou apressar eventos, Huston conduziu seu filme sem nenhuma pressa, com um ritmo cadenciado e respeitando cada personagem, com especial carinho pelas duas tias idosas. Joyce, apesar de demonstrar seu desapego ou mesmo ódio por Dublin, ele demonstrava compaixão pelos perdedores, que são os grandes protagonistas de cada pedrada contida em DUBLINENSES. E uma das vantagens do filme em relação ao livro é poder se dar ao luxo de mostrar uma canção irlandesa cantada por uma senhora idosa ou outras músicas de época tocadas durante a festa, muito provavelmente feitas após cuidadosa pesquisa.

Huston até pode ter tido uma carreira cheia de altos e baixos, mas demonstrou gosto pela literatura e tentou corajosamente fazer filmes de obras bem ambiciosas, como MOBY DICK (1956) e até o livro de Gênesis - A BÍBLIA (1966).

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