terça-feira, novembro 11, 2008
O ÚLTIMO METRÔ (Le Dernier Métro)
Interessante como as nossas impressões em relação a um filme – isso também pode ser estendido a outras formas de arte – podem se modificar com uma revisão. Cheguei a ver O ÚLTIMO METRÔ (1980) no cinema, o lugar supostamente ideal para se ver um filme. Acontece que pode até ser o lugar ideal, mas nem sempre o tempo para se ver determinado filme é o ideal ou o mais propício. Só assim para explicar o porquê de eu não ter gostado de um filme tão bem cuidado e tão belo quanto esse trabalho da fase tardia de François Truffaut.
Trata-se de mais um filme de época do cineasta e novamente com o auxílio de uma bem cuidada fotografia de Nestor Almendros. Com 18 filmes no currículo, ele já se considerava um diretor veterano e com grandes possibilidades de se repetir nos temas. Não vejo nada de errado com isso. Pelo contrário, acho que a gente cria de fato uma intimidade com o autor a partir do acompanhamento de seus filmes. Só assim passamos a entender o seu trabalho, podendo entender, por tabela, o homem por trás das câmeras. A cena em que um dos personagens diz que deixar Catherine Deneuve subir as escadas antes dele não é um gesto de cavalheirismo, mas para poder apreciar melhor as suas pernas é uma espécie de piscadela de olho do diretor para o espectador. E quem tem o mínimo de intimidade com Truffaut sabe o quanto ele ama as pernas femininas – basta lembrar de Claude Jade em BEIJOS ROUBADOS (1968) e DOMICÍLIO CONJUGAL (1970) e a temática explícita empregada em O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (1977).
Foi a segunda vez que Truffaut trabalhou com Catherine Deneuve – a primeira havia sido no subestimado A SEREIA DO MISSISSIPI (1969) – mas é impressionante como nesse filme em que ela aparece numa fase mais madura a atriz parece estar ainda mais bela. Talvez o fato de ela interpretar uma mulher misteriosa e forte em O ÚLTIMO METRÔ contribua para o fato de nos apaixonarmos mais facilmente por ela. Essa distância também é sentida pelo personagem de Gerard Depardieu, que interpreta um judeu que passou despercebido pelos nazistas na França ocupada em 1942, e que consegue o papel principal de uma peça escrita pelo marido da personagem de Deneuve, um judeu que está desaparecido por causa do novo regime. O que ninguém sabe é que a nova diretora do teatro (Deneuve) abriga o marido judeu na adega, onde ele fica escondido e sentindo-se angustiado e louco para sair, o que é normal para alguém que fica preso tempo demais num local, por mais bem cuidado que ele seja - e por mais que seja visitado por uma mulher tão bela e fascinante quanto Catherine Deneuve.
O que me conquistou no filme foi o modo como Truffaut me deixou apreensivo com o clima de subversão e perigo naquele momento tão delicado que foi o da ocupação nazista. E detalhes importantes como o crítico de teatro e locutor de rádio falando do quanto era importante impedir que os judeus desempenhassem funções importantes na sociedade são sabiamente mostrados no filme. Na época, metade da França estava tomada pelos nazistas e a outra metade resistia. Na metade tomada, os judeus não podiam ficar até tarde nas ruas e nem entrar em lugares públicos como teatros, muito menos atuar, dirigir ou escrever peças. E havia um toque de recolher e um último horário do metrô, que coincidia com o horário em que a peça terminava.
Tanto o personagem de Depardieu, que começa o filme levando um fora de uma mulher na rua, antes de se apresentar no teatro para a peça, quanto a personagem de Deneuve, são misteriosos à sua maneira. E para mim, chegou a ser surpreendente o final, já que eu não conseguia perceber nas entrelinhas os reais sentimentos de Deneuve, embora o fato de ela conseguir enganar a todos, de ser uma atriz até mesmo na dura vida real, tendo que tolerar críticos anti-semitas e oficiais nazistas para evitar que seu teatro fechasse, já indicasse uma pista de que tudo era possível para aquela mulher. Uma das cenas que descreve o quanto ela era capaz de fingir chegou a me comover: era noite de estréia da peça e o marido estava na adega, doente de ansiedade, enquanto ela comia algo e parecia agir com calma, como se nada de importante estivesse acontecendo. Ele dizia: "como você consegue comer numa hora dessas? Como você consegue ficar tão calma?". Ela fazia aquilo para deixá-lo mais tranqüilo, já que logo em seguida, no banheiro, ela vomitaria tudo, demonstrando estar tão apreensiva com o resultado da noite de estréia quanto ele.
O ÚLTIMO METRÔ é um dos trabalhos mais belos e sutis de Truffaut. Seus personagens são muito pouco aprofundados, dando ao espectador uma aura de mistério, ao mesmo tempo em que podem provocar indiferença naqueles que não entram no espírito do filme, como aconteceu comigo na primeira vez em que o vi. Talvez porque eu ainda não estivesse preparado para o filme. Por isso, foi mais do que feliz a minha decisão de revê-lo e pretendo fazer o mesmo com a obra-testamento de Truffaut – DE REPENTE NUM DOMINGO (1983) -, que me despertou reações semelhantes e que eu pretendo rever em breve.
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