sábado, novembro 29, 2008
DELÍRIOS DE UM ANORMAL
Tem sido dureza ver esses filmes decadentes de José Mojica Marins da década de 70. Nunca pensei que, depois de ter visto o horrível A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES (1976), tivesse tanta repulsa a outro filme dele – no pior sentido do termo – quanto tive vendo este DELÍRIOS DE UM ANORMAL (1978). Tudo bem que a intenção era mesmo perturbar o espectador, trazendo um apanhado de cenas de tortura, mutilação e canibalismo, mas além do fato de eu não ser muito fã dessas cenas de delírio, de Mojica no inferno ou povoando a mente das pessoas, como as mostradas em ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967), RITUAL DOS SÁDICOS (1969) e EXORCISMO NEGRO (1974), ver um filme só com sobras dessas cenas não me pareceu nada agradável ou interessante. Muito pelo contrário: foram 83 minutos de tortura pra mim. Por mais que o filme possa ser visto como uma vingança contra a censura, eu vejo mais como pura picaretagem.
Se a criatividade para gerar filmes que rendam um longa-metragem estava escassa, por que não chamar o colega R.F.Luchetti para fazer um filme em segmentos, como nos moldes de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968)? Vejo Mojica, nesses anos 70, como uma banda de rock que de uma hora para outra deixa de ser genial e passa a fazer apenas canções medíocres, como se a criatividade tivesse ido para o espaço e tudo o que resta é reciclar, no caso, roubar cenas de seus próprios filmes para compor um "novo" filme. O que há de novo em DELÍRIOS DE UM ANORMAL são apenas cerca de 20 minutos. Tudo o mais foi editado pela sua então companheira Nilcemar Leyart. Senti-me incomodado com o fato de Mojica ter se aproveitado de suas pérolas sessentistas para fazer esse trabalho tão degradante. Se bem que o filme foi até bem recebido e teve uma bilheteria até razoável. Mojica estava passando por um momento de retorno à popularidade, graças aos prêmios que ganhara na Europa, mas continuava na pindaíba, pagando ainda as dívidas do filme censurado de 69, cuja boa parte das cenas, então inéditas na época, pôde ser vista nesse filme, já que no final dos anos 70, a censura estava muito menos rigorosa com cenas de sexo, nudez e violência.
Antes de DELÍRIOS DE UM ANORMAL, Mojica vinha de experiências não muito agradáveis para ele, como a pornochanchada COMO CONSOLAR VIÚVAS (1976) e o terror INFERNO CARNAL (1977), filmes que eu não tive a chance de conferir, mas acredito que não sejam tão ruins quanto os últimos que eu vi do cineasta. Na época, a namorada do produtor Augusto de Cervantes, Georgina Duarte, havia sido diagnostica com câncer, e como ela própria escreveu o roteiro de COMO CONSOLAR VIÚVAS e, sabendo que ela não tinha muito tempo de vida, Augusto pediu para Mojica apressar as filmagens, que demoraram apenas 16 dias. INFERNO CARNAL também não foi um filme que Mojica dirigiu com afinco, já que estava tão desinteressado que pediu para Marcelo Motta dirigir umas cenas. Mas o pior aconteceu depois: pressionado pelos credores, Mojica teve um enfarto – fumava quatro maços de cigarro por dia e se entupia de torresmos e frituras. Depois de sobreviver a esse incidente, ele até iniciou um documentário para faturar em cima disso, que permaneceu inédito no Brasil até ser lançado como extra da coleção Zé do Caixão. Trata-se de DEMÔNIOS E MARAVILHAS (1976-1987). E como Mojica não se contenta com poucos problemas, depois da cirurgia, ele ainda arranjou outra namorada.
O fiapo de roteiro de DELÍROS DE UM ANORMAL mostra um paciente de um hospital psiquiátrico, com um quadro estranho: ele tem pesadelos constantes que mostram o Zé do Caixão querendo tomar a esposa dele. O quadro é tão agravante que os médicos do hospital recorrem a ninguém menos que José Mojica Marins, o criador do Zé do Caixão. E pela terceira vez, Mojica interpreta Mojica num filme. Mas não o Mojica que ele é na verdade, mas o que ele gostaria de ser. Alguém rico, classudo e com inteligência para lidar com problemas graves. Algo já mostrado em EXORCISMO NEGRO.
Entre os extras, na seção de textos, o grande destaque é o artigo de Carlos Primati sobre as mulheres de Mojica e do Zé do Caixão. Tem também o roteiro do filme, mas é material mais indicado para pesquisadores que desejam se aprofundar de verdade na obra. É preciso um pouco de sacrifício e muita boa vontade para ler esse roteiro na televisão. As fotos nunca foram minha parte favorita dos DVDs mas gosto de ver os lobby cards e os cartazes. No caso de DELÍRIOS DE UM ANORMAL, já se nota o forte apelo erótico, ao vender o filme mostrando as mulheres nuas nas fotos.
No "Especial", tem cenas do corte das unhas do Zé do Caixão num show do Sepultura; em "Sons da Noite", há a vinheta de abertura do programa Noise 89 FM; uma estória hilária e nojenta sobre um homem que pediu uma sopa de ervilhas num restaurante; a tradicional praga do dia do programa Noise e a canção-tema do Cine Trash. Na seção "Quem tem medo de Zé do Caixão", um sujeito, perguntado se conhecia Zé do Caixão, fala que é um modelo de automóvel. Esse realmente vive em outro mundo. Nos trailers incluídos, não há muitas novidades.
Nas entrevistas, que é a primeira coisa que eu vejo nesses DVDs, os convidados são: Igor Cavalera, baterista do Sepultura, que conta sobre sua relação com Mojica, do orgulho de ter sido um dos ganhadores de uma das unhas do Zé do Caixão e do quanto o Sepultura e o "Coffin Joe" são constantemente relacionados nas entrevistas que ele dá na imprensa americana; Jairo Ferreira, o famoso crítico e cineasta, é entrevistado numa mesa de bar e já parecia não estar muito bem - não sei se foi depois que eu li sobre o estado deprimente em que ele se encontrou pouco antes de sua morte, de saber disso que me deu essa impressão. Na entrevista ele fala um pouco sobre o documentário experimental que ele dirigiu sobre o Mojica: HORROR PALACE HOTEL OU O GÊNIO TOTAL (1978), que vem como extra do DVD; Nilcemar Leyarte, mais conhecida como Nilce, parceira e mulher de Mojica nos anos 70, fala da admiração pelo artista e do carinho pelo homem, que, segundo ela, apesar de ser uma pessoa difícil de lidar, é ao mesmo tempo muito generosa; Devon Morf, vocalista da banda What Happen Next: na verdade, sua entrevista é mais uma oportunidade de ouvirmos a famosa história do batateiro, que Mojica conta para o músico. Para quem não lembra, o batateiro é aquele sujeito que teve catalepsia e acordou em pleno velório e com o tempo foi se tornando rejeitado pela família e pelos amigos. Não se sabe o quanto disso é verdade ou se Mojica inventou, o que não é algo a se descartar; Andrea Busic, da banda de heavy metal Doctor Sin, em entrevista relâmpago: ele ia passando na rua e a equipe o entrevistou, mas a entrevista não tem muito valor; Gracielle Libório (atriz): não entendi muito bem o que representou essa menina. Jovem e bonita, conheceu o Mojica em 1994 nas filmagens de um filme sobre crianças, e diz que vem seguindo ele desde então. Achei muito esquisito e não sei que filme sobre crianças era esse que Mojica estava fazendo. Deve ser ADOLESCÊNCIA EM TRANSE (1996), que consta em sua filmografia no Wikipedia, mas não consta no IMDB nem no livro MALDITO; e finalmente, R.F. Lucchetti, que fala sobre os projetos inéditos, como "Sapos" e outros projetos e argumentos que estão encadernados e bem guardados em sua biblioteca particular. Há tanto roteiros quanto argumentos, idéias que ele tinha e não realizou. Já a mini-entrevista de Mojica é um fiasco: ele não fala coisa com coisa e enrola para responder a pergunta sobre criatividade.
O curta-metragem HORROR PALACE HOTEL, OU O GÊNIO TOTAL (1978), de Jairo Ferreira, é a melhor coisa do DVD. Trata-se de um documentário experimental que conta com participação especial de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Ivan Cardoso. Pena que se estende mais do que deveria. Uns dez minutos a menos (são 40 minutos no total) faria bem ao filme. Legal ver o quanto Mojica se sente vaidoso quando o chamam de gênio e o filme o flagra meio bêbado num quarto de hotel, durante o festival de Brasília, junto com a turma do cinema marginal. No mais, há cenas de ESTUPRO/PERVERSÃO (1979), 24 HORAS DE SEXO EXPLÍCITO (1985) e de 48 HORAS DE SEXO ALUCINANTE (1987). Como esse filme é difícil de encontrar, não deixa de ser curioso e divertido ver a seqüência da mulher entrando numa vaca mecânica para ser comida por um touro, como realização de uma fantasia erótica.
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