quinta-feira, outubro 09, 2008
FINIS HOMINIS (O FIM DO HOMEM)
Entrando em sintonia com a Revista Zingu!, que está fazendo um dossiê super-caprichado sobre o trabalho de José Mojica Marins, continuo minha peregrinação pela obra de Mojica. Ou pelo pouco que consegui dentro de sua vasta e irregular filmografia. Não sei como a turma que escreveu sobre os filmes na Zingu! conseguiu tanto material raro.
Depois de ter feito um trabalho de encomenda intitulado SEXO E SANGUE NA TRILHA DO TESOURO (1972), Mojica resolveu voltar a fazer um trabalho autenticamente seu. Daí veio a idéia para FINIS HOMINIS (1971), que apresenta um personagem que é o oposto de sua mais famosa criação: o Zé do Caixão. Finis Hominis é o nome de um misterioso homem que sai pelado de dentro do mar e passa a mudar a vida das pessoas por onde passa. A primeira maravilha operada por Finis acontece quando ele aparece nu na casa de uma senhora que está numa cadeira de rodas e ela se levanta assustada, o que os pescadores da região acreditam se tratar de um milagre. Em seguida, com sede, entra numa igreja e bebe o vinho consagrado pelo padre, que vê esse ato como sendo uma heresia e diz "finis hominis", o termo em latim que ele ouve e adota como seu nome.
Nesse fiapo de roteiro, escrito pro Mojica e R.F.Lucchetti, a solução encontrada foi encher o filme de situações que mostrariam o tal Finis como um ser superior, ou acima da maior parte dos mortais. Até o estilo hippie de viver, tão apregoado na década de 70, é posto à prova quando ele joga um saco cheio de moedas para os hippies, que recebem o dinheiro com avidez e alegria e se revelam tão capitalistas e materialistas quanto o sistema a quem eles dizem negar. No meio da trama, há também lugar para uma "Maria Madalena" e até para um "Lázaro", confirmando a intenção de Mojica de fazer um personagem próximo de Jesus.
Por falta de verba, o filme foi realizado com negativos em cores e em preto e branco, bem como com sobras de filmes. Nos comentários em áudio, Mojica conta que o preço do negativo colorido era três vezes o valor do negativo em preto e branco. E as sobras de filmes em preto e branco – alguns trechos do filme são claramente riscados e de tonalidades diferentes das demais – eram oito vezes mais baratas. Para a maior parte das cenas em preto e branco, Mojica usou tom sépia para disfarçar o contraste com o colorido. Para a cena da procissão, onde uma multidão de pessoas segue Finis pelas ruas, Mojica teve a manha de filmar uma procissão de uma santa, às escondidas, com medo de que a polícia pegasse a sua equipe em flagrante. Carlão Reichenbach (que é creditado nos créditos apenas como "Carlão") aparece no filme no papel de um médico. Andrea Bryan, a jovem que fez a cena do strip-tease em RITUAL DOS SÁDICOS (1969), aparece em FINIS HOMINIS como uma mulher que chifra o marido impotente, fazendo sexo anal com o personagem de Mário Lima. Fazer sexo anal é a única coisa que a faz chorar. Inclusive, uma das cenas mais polêmicas do filme é a cena de sexo em pleno velório do marido.
Apesar disso tudo, de parecer divertido, FINIS HOMINIS não me empolgou e me pareceu mesmo o já alertado começo da decadência de Mojica como diretor. Uma pena que depois de uma obra impressionante como RITUAL DOS SÁDICOS, que nem pôde ser exibida na época por causa da censura, Mojica tenha "perdido a mão". Além disso, ele passou por uma série de dificuldades financeiras. E mesmo quando ele acreditava que estava finalmente com sua vida em ordem, filmando ao mesmo tempo FINIS HOMINIS e sua continuação, QUANDO OS DEUSES ADORMECEM (1973), Mojica acabou se dando mal, quando, com o dinheiro que conseguiu com a venda dos direitos da continuação, gastou com uma perua que ele nem precisava. Comprou para ajudar o amigo Mário Lima, que também estava endividado. A perua só durou três dias e logo o motor pifou. Mojica deixou-a num estacionamento durante alguns meses, tanto tempo que ele acabou por dar a perua para o dono do estacionamento em troca da dívida. Pra completar, ele ainda foi processado por um rapaz que disse ter trabalhado com ele e não ter recebido dinheiro. Por causa disso, Mojica estava no zero novamente. Perguntado qual seria o seu filme preferido, o cineasta afirmou ser FINIS HOMINIS, para ele, uma obra incompreendida. Ele acredita ser, como afirmou Leon Cakoff em crítica sobre o filme na época do lançamento, uma obra feita trinta anos antes de seu tempo.
O documentário presente como extra do filme é o média-metragem DEMÔNIOS E MARAVILHAS (1976-1987), um trabalho autobiográfico iniciado pouco antes de Mojica se reerguer com DELÍRIOS DE UM ANORMAL (1978). Foi uma fase bastante difícil para Mojica, onde ele teve que lidar com a morte do pai e um enfarto. O documentário contém cenas reais e cenas dramatizadas e também mostra um momento de alegria para o diretor, que aconteceu quando ele soube que O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968) foi premiado no Festival Internacional do Cinema Fantástico e de Horror em Sitges, na Espanha. Ele nem sabia que o filme havia sido inscrito e ficou felicíssimo com a notícia. Foi o começo do descobrimento do trabalho do diretor no exterior. DEMÔNIOS E MARAVILHAS estava até então inédito em cinema e em vídeo no Brasil, tendo sido lançado somente nos Estados Unidos, em vídeo, em 1996.
O DVD ainda conta com trechos de 5ª DIMENSÃO DO SEXO (1984), de Mojica e Mário Lima, e A DAMA DE PAUS (1985), de Mário Vaz Filho, um pornô da Boca do Lixo estrelado por Débora Muniz, onde Mojica faz uma ponta como um pastor bêbado que, durante o culto, sempre está escondendo uma garrafa de cachaça debaixo do púlpito. Os "especiais" são fracos: clipes de abraços para Mojica, um clipe da Liz Vamp e um making of da trilha de comentário. Os entrevistados da edição são: Satã, que comenta o longo tempo que trabalhou com Mojica como guarda-costas e de como o considera um pai, chegando a ficar até com os olhos marejados; Crounel Marins, filho do Mojica, que conta de como sofrieu preconceito na escola quando criança, quando as outras crianças achavam que ele era filho do Zé do Caixão; Mariliz Marins, a Liz Vamp, que tentou seguir os passos do pai e criou uma personagem que seria a filha do Zé do Caixão com uma vampira européia (não deu muito certo, mas parece que ela insiste); Dona Conceição, tia do Mojica, que fala da infância do cineasta e até de antes da infância, dos tempos em que ela e o marido moravam com os pais de Mojica num cinema; a prima Lourdes, que fala de quando descobriu que o pequeno Mojica enganava as outras crianças fazendo cineminha de mentira, usando uma caixa, bonecos e marionetes e já se mostrava bastante inventivo desde pequeno; e, finalmente, R.F. Luchetti, que fala do fato de que a idéia para FINIS HOMINIS era da criação de uma série de tevê para a Bandeirantes que não deu muito certo e daí se transformou em dois filmes para cinema. Quanto a Mojica, na sua seção em separado de entrevistas, dessa vez, a ele é perguntado o que pensa sobre as religiões e qual a sua visão de Deus.
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