segunda-feira, setembro 15, 2008

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness)



"Ensaio sobre a Cegueira", o romance de José Saramago, é um dos mais impactantes - e talvez o mais acessível e ao mesmo tempo instigante - trabalhos do autor. Diferente, por exemplo, de "Todos os Nomes", que é uma obra mais difícil, mas que vai conquistando aos poucos o leitor a ponto de ter um clímax poético e emocionante, "Ensaio..." é um livro que agrada e "pega" o leitor logo de cara. Por isso, só imaginar uma adaptação cinematográfica para essa obra-prima de Saramago é uma tarefa difícil. O próprio escritor, quando sondado por Fernando Meirelles para ceder os direitos de sua obra para o cinema, alguns anos antes, recusou, afirmando se tratar de uma obra infilmável, afinal, muito da força do livro vem da imaginação do leitor, que, assim como a maioria dos personagens, também não pode realmente ver o que está acontecendo na ação. Transformar a prosa do escritor português em filme poderia resultar na diminuição do impacto de várias cenas, principalmente levando-se em consideração que Meirelles não é exatamente um fã de cinema de horror (o sujeito nunca viu O DESPERTAR DOS MORTOS, do Romero!), e o resultado final de ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (2008), o filme, seria mais ou menos parecido com o de um filme de horror de zumbis. Pelo menos é essa a imagem que fica na cabeça do leitor nas cenas em que Saramago descreve os cegos com as bocas levantadas para cima no meio da rua, para beber a água da chuva, ou andando como zumbis famintos, dentro de um supermercado, em busca de comida, numa das melhores seqüências, tanto do filme quanto do livro.

A adaptação não tem o mesmo impacto que sua fonte (nem acho que Meirelles tivesse essa pretensão) e o cineasta, por querer fazer um trabalho mais limpo, em nome do "bom gosto", para evitar chocar a platéia, me passou uma impressão de covardia. Não que eu faça questão de ver as fezes dos cegos nas alas onde eles ficam presos em quarentena, o que serviria para passar a imagem de sujeira extrema descrita com detalhes no livro, mas acredito que isso ajudaria a tornar o filme menos asséptico do que ficou em seu resultado final. Mas tudo bem. Meirelles optou por esse caminho e as tonalidades brancas da fotografia de César Charlone, quase constantes no filme, tornam essa assepsia coerente com a chamada "cegueira branca".

Independente dos problemas, Meirelles é um ótimo narrador e para quem leu o livro, o filme não deixa de ser um prazer de se ver, sempre que tentamos imaginar o que virá a seguir, imaginar como Meirelles materializará determinada cena. Uma das que eu mais tinha curiosidade de ver o resultado era a cena em que o "velho da venda preta" (Danny Glover, também narrador do filme) conta como está o mundo lá fora. Enquanto lia o livro ficava imaginando se Meirelles iria utilizar o recurso do flashback ou se mostraria o personagem simplesmente contando o ocorrido. Considero a escolha pelo uso das cenas do caos no mundo causado pela cegueira generalizada um dos acertos do filme. Bem como a utilização de um elenco global.

Sendo uma co-produção de países tão distintos quanto o Brasil, o Japão e o Canadá, o filme utilizou atores hollywoodianos para interpretar os personagens principais – o médico (Mark Ruffalo) e a mulher do médico (Julianne Moore) -, a nossa atriz brasileira mais conhecida lá fora (Alice Braga), o mexicano Gael Garcia Bernal como o grande vilão do filme, e dois astros japoneses (Yusuke Iseya e Yoshino Kimura) convidados para interpretar o primeiro cego e sua esposa. Sem falar no já citado Danny Glover. Como o livro não especifica onde acontece a ação e nem mesmo dá nome e e características físicas aos personagens, ele funciona como uma fábula, como algo universal. E sendo universal, a opção pela língua inglesa foi por necessidade comercial, sem a intenção de dar a entender que a ação se passa nos Estados Unidos, no Canadá ou na Inglaterra ou em qualquer outro país de língua inglesa. No entanto, pelo menos para os brasileiros, a cidade mais reconhecível do filme, entre as várias utilizadas como locação, é a São Paulo esvaziada durante a epidemia.

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