domingo, agosto 17, 2008

NA IDADE DA INOCÊNCIA (L'Argent de Poche)



Uma das grandes vantagens de se ter um cineasta que é também ao mesmo tempo um crítico, que tem uma maior consciência de seu próprio trabalho, é que ele acaba nos dando de bandeja algumas coisas que, apesar de óbvias, se custaria a captar. No livro "O Cinema segundo François Truffaut", o diretor faz comparações de NA IDADE DA INOCÊNCIA (1976) com seus outros dois filmes que lidam com crianças ou adolescentes. Ao rebater as críticas de que, nesse filme, ele não mostra o aspecto malvado das crianças, diz que quando fez OS INCOMPREENDIDOS (1959) ele tinha quase a mesma idade de Jean-Pierre Léaud, portanto, era um filme de irmão; quando ele fez O GAROTO SELVAGEM (1970), ele fez um filme de pai, sendo que ele mesmo desempenhou o papel de pai adotivo do garoto, utilizando-se de métodos até um pouco dolorosos para fazer com que aquela criança evoluísse. Já em NA IDADE DA INOCÊNCIA, Truffaut diz que havia envelhecido muito rápido, fazendo um filme de avô, isto é, o modo como ele vê as crianças é de pura ternura. Assistir o discurso final do professor sobre os maus tratos que algumas crianças recebem é como se estivéssemos ouvindo do próprio cineasta, de tão próximos que nos tornamos dele a partir da leitura do livro e da apreciação de seus filmes. Até porque nas entrevistas, Truffaut não se importava em se auto-analisar. Assim, é fácil entender como ele vê com olhos não acusadores a criança pobre que tem o hábito de roubar, já que ele mesmo já falou o quanto se identifica com personagens marginais.

Assim, em NA IDADE DA INOCÊNCIA, Truffaut está representado em três personagens: o professor, que eu já mencionei; o garoto pobre e maltratado, que eu também já mencionei; e o garotinho loiro, o que cuida do pai paralítico e que teve a dura tarefa de amadurecer mais rápido, tendo que lidar com responsabilidades que normalmente seriam delegadas a pessoas mais velhas. Truffaut também conta que não tinha a intenção de destacar nenhum personagem em especial nesse filme sem protagonistas. Mas aos poucos os personagens Patrick (o loirinho) e Julien (o garotinho pobre) vão se destacando dos demais, justamente por serem mais a cara do cineasta. O diretor jura que isso não foi deliberado e que aconteceu naturalmente.

O filme é bem o oposto de A HISTÓRIA DE ADÈLE H. (1975), o filme anterior, que era excessivamente triste e opressivo. NA IDADE DA INOCÊNCIA, por mais que também trate de assuntos delicados e que tenha momentos um pouco mais fortes, é um trabalho muito mais arejado. O fato de ter muitos personagens e não apenas um único protagonista e de não se ter uma obrigação de seguir especificamente um enredo, mas pequenas estórias dentro do filme, faz com que se perceba essa maior leveza de tom. Mesmo assim, a cena em que o pequeno Gregory está sozinho no apartamento e, brincando com um gatinho, está prestes a cair da janela chega a ser hitchcockiana. Os adultos, ao contrário do que muitos críticos da época os acusaram, não são mostrados como os vilões da história. Alguns deles sim, mas poucos. Os dois professores da escola, por exemplo, são tratados com carinho pelo diretor e pela co-roteirista Suzanne Schiffman. Especialmente a professora, no momento em que ela chora ao perceber o quanto foi insensível de não ter percebido o quanto sofria um dos garotos da classe. Ver o filme me deu uma saudade dos tempos em que os garotos, apesar de sapecas, ainda tinham o mínimo de respeito pela figura autoritária do professor.

NA IDADE DA INOCÊNCIA seria o filme que fecharia a minha lenta peregrinação pelo cinema de François Truffaut, mas senti necessidade de rever também O ÚLTIMO METRÔ (1980) e DE REPENTE NUM DOMINGO (1983). E como os dois filmes estão disponíveis em dvd, acho que daqui a algumas semanas ou meses os verei, já que tive a oportunidade de vê-los no cinema, mas não os apreciei, provavelmente por não ter entendido suas motivações. Além do mais, minhas lembranças desses filmes são bem nebulosas, mais até do que A MULHER DO LADO (1981), que vi há muito mais tempo, também no cinema, mas cujas lembranças parecem estar mais vivas. Vai entender.

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