terça-feira, junho 10, 2008

DEMÔNIO DE MULHER (It Should Happen to You)



Continuando a peregrinação pela filmografia de George Cukor, chego a este DEMÔNIO DE MULHER (1954), que no Brasil recebeu esse título horrível e que não faz jus ao filme, mas que era bem comum de se ver na época. Acho que havia nos anos 50 essa tendência de satanizar a mulher, colocar nas suas costas a culpa de todas as desgraças do homem. Bom, algumas vezes isso pode até ser verdade, tanto é que isso é tema para um monte de canções de blues. Mas não justifica ver tantos títulos brasileiros que falam da mulher como algo satânico ou pecaminoso. Alguns exemplos: SÓ A MULHER PECA, de Fritz Lang, O PECADO MORA AO LADO, de Billy Wilder, A MULHER SATÂNICA, de Josef Von Stenberg, O DIABO FEITO MULHER, outro de Fritz Lang. Tenho certeza de que existem outros títulos, mas não consegui me lembrar nem soube procurar. E olha que nenhum desses títulos é de um filme de terror. Mas como não costumo ignorar os títulos nacionais, falemos então de DEMÔNIO DE MULHER, que se trata de um dos melhores trabalhos de Cukor, que vinha de uma bela parceria com o roteirista Garson Kanin, que com ele realizou A COSTELA DE ADÃO (1949), NASCIDA ONTEM (1950), A MULHER ABSOLUTA (1952) e DA MESMA CARNE (1952), todos eles já comentados aqui no blog. DEMÔNIO DE MULHER é também o último filme da parceria de Cukor com a estrela que ele ajudou a criar: Judy Holliday.

Diferente do que ela fez em DA MESMA CARNE, mostrando que podia fazer um trabalho mais dramático e de tom documental e realista, DEMÔNIO DE MULHER é o retorno de Judy ao tipo que a tornou famosa, o da loura burra. Aliás, nem tão burra assim. Na verdade, tanto em NASCIDA ONTEM quanto neste filme, a personagem de Judy é inteligente. Só não tem noção disso. A trama de DEMÔNIO DE MULHER é bem interessante e lida com o tema da fama. No começo do filme, vemos Judy encontrando Jack Lemmon - que estava começando sua carreira no cinema - no Central Park. Ele, com sua câmera de cinema, trata de flagrar no parque momentos interessantes para o documentário que pretende realizar. Ele achou interessante ver aquela mulher sem muita classe se sentando num banco da praça, tirando fora seus sapatos para descansar os pés, sem se incomodar com o que os outros pensam. Talvez tenha sido isso, essa naturalidade, que o deixou tão interessado nessa jovem, que, assim como ele, veio do interior para fazer a vida em Nova York. Na primeira conversa que os dois travam, ela comenta o fato de não "ter um nome". Ela acreditava que para ser alguém na vida é preciso ter um nome, ser conhecida, famosa. Então, num de seus momentos sozinha, ela imagina o seu nome escrito em letras enormes no maior outdoor da cidade. Com essa idéia fixa, ela vai até a agência dona dos outdoors e paga apenas para ter o seu nome escrito naquele espaço por seis meses. Apenas seus nome, nada mais.

O resultado é que isso acaba gerando uma curiosidade nas pessoas, sobre quem ou o que seria Gladys Glover (o nome de sua personagem), já que ela acaba negociando com um empresário muito interessado naquele outdoor e, depois de muito esforço, consegue negociar uma troca com ela. Ela teria o seu nome escrito em seis outdoors localizados em outros lugares da cidade. Enquanto isso, o personagem de Jack Lemmon fica tão encantado pela moça desde a primeira vez que a viu que acaba indo morar no mesmo prédio que ela, só pra facilitar as suas investidas. Mas não é tão fácil disputar com a fama e o dinheiro que passam a perseguir Gladys, como se ela fosse um desses recém-saídos participantes do Big Brother. Dá pra notar que o próprio enredo do filme é por si só bastante divertido e atraente e por mais que não seja uma dessas comédias de causar gargalhadas, percebe-se a inteligência e a graça do roteiro, o qual Cukor, muito modestamente, atribui todo o sucesso do filme. Mas o que eu notei nessa série de filmes de sucesso de Cukor, do fim dos anos 40 para o meio dos anos 50 foi uma certa sofisticação no trato com os personagens e com os temas que parece anteceder a revolução que viria no cinema americano, a partir do final dos anos 60. Eu senti isso principalmente nos primeiros minutos do filme, justamente na cena do primeiro encontro de Judy e Lemmon.

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