terça-feira, fevereiro 05, 2008
A SEREIA DO MISSISSIPI (La Sirène du Mississipi)
Fazia tempo que eu não via um filme de Truffaut. Desde o trauma do horrível A NOIVA ESTAVA DE PRETO (1968) que não peguei outro filme do diretor para ver. Aí resolvi arriscar e ver este A SEREIA DO MISSISSIPI (1969), que já havia baixado há um tempão. E que bela surpresa! Que filme lindo e encantador! Lendo depois a entrevista do diretor no livro "O Cinema Segundo François Truffaut" não acreditei que o filme foi tão criticado pelos próprios franceses e tão vaiado nos festivais. Alguns franceses criticaram o fato de Truffaut ter colocado no elenco dois medalhões do cinema francês: Catherine Deneuve e Jean-Paul Belmondo. Seria como se Truffaut estivesse se rendendo ao esquema hollywoodiano, tentando fazer um filme de grande apelo popular, bem comercial. No entanto, eu colocaria o filme numa posição bem privilegiada se fosse montar agora um ranking dos filmes do diretor. Outra coisa que parece ter acontecido na França foi que os espectadores acharam que o o diretor tinha a intenção de fazer uma paródia de um suspense americano, quando, na verdade, Truffaut quis passar sinceridade ao mostrar o amor de um homem puro (Belmondo) por uma mulher pouco confiável e com muita experiência de vida (Deneuve). E eu achei isso maravilhoso e comovente. Sem falar que o filme é também bastante eficiente no que se refere à construção do suspense, influência clara do mestre e amigo Alfred Hitchcock. Claro que não é nada que deixe as nossas mãos geladas, mas essa capacidade de criar suspense de gelar a espinha, da turma da Nouvelle Vague, acho que só Claude Chabrol é capaz de fazer.
A estória é conhecida de quem assistiu o fraco PECADO ORIGINAL (2001), mas da mesma maneira que o filme estrelado por Antonio Banderas e Angelina Jolie deve ser esquecido, o filme de Truffaut deve ser lembrado e louvado. Na trama, Belmondo é um rico comerciante de tabaco na ilha de Reunión - em vez de Nova Orleans, que é onde se passa a história no romance de William Irish. Reunión é uma das colônias francesas situadas no sul da África. E Belmondo espera a mulher com quem ele vai se casar, que está prestes a chegar de navio. Ele nunca a viu pessoalmente, tendo se correspondido com ela apenas por cartas. A mulher que chega (Deneuve) é bem diferente da foto que ele tinha em mãos. A desculpa da mulher é que ela não estava suficientemente à vontade para enviar uma fotografia de verdade dela e por isso enviou a de uma amiga. Ele também havia mentido, dizendo ser apenas um mero trabalhador numa fábrica de tabaco, quando na verdade ele era o próprio dono. Portanto, supostamente, os dois estariam quites. Depois da cerimônia de casamento, com a beleza e o carinho da mulher, o pobre homem se entrega fácil e logo está fazendo uma conta conjunta no banco e dando total liberdade para que ela movimentasse o quanto quisesse, tanto da conta pessoal quanto da conta da empresa. Quando ele descobre que a mulher não era a mesma com quem ele se correspondera e sim uma falsária, é tarde demais, seu saldo bancário estava quase esvaziado e ela havia fugido. Mas a estória estava apenas começando.
Da mesma forma que JOHNNY GUITAR, de Nicholas Ray - homenageado numa cena do filme -, seria, segundo Truffaut, um falso western, A SEREIA DO MISSISSIPI seria um falso thriller, revelando-se mais um filme de amor de Truffaut, que gosta de apresentar homens frágeis e mulheres fortes. Assim, Belmondo, que normalmente costumava fazer tipos durões e cafajestes, interpreta um sujeito puro, que mesmo tentando executar um ato extremo, que é o de matar a mulher que o enganou, não consegue. Em A SEREIA DO MISSISSIPI, Belmondo se transforma numa espécie de Jean-Pierre Léaud, com direito até a uma cena em que ele conversa com sua própria imagem no espelho, cena bastante familiar para quem viu os filmes do ciclo "Antoine Doinel". E assim como Belmondo não estava acostumado a fazer homens frágeis, Catherine Deneuve sempre interpretou mulheres suaves, mesmo já tendo feito papel de prostituta em A BELA DA TARDE, de Luis Buñuel. Apesar disso, os dois desempenham seus papéis com extrema competência. Durante as filmagens, Truffaut usou muito do improviso, não dando com antecedência o script para o elenco e deixando pra entregar tudo na hora das filmagens para que eles não tivessem que decorar as falas, mas pudessem improvisar em cima das situações apresentadas. Truffaut também filmou tudo na ordem cronológica dos acontecimentos e das locações.
O próximo Truffaut da fila pra mim é AS DUAS INGLESAS E O AMOR (1971), mas vou primeiro ver se consigo em dvd para locar, antes de apelar para a internet.
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