segunda-feira, junho 11, 2007

NÃO POR ACASO



O mais bonito de NÃO POR ACASO (2007) é a quase perfeita união entre cerebral e emocional. Afinal, é da junção desses dois aspectos que vem a complexidade do ser humano, já mencionada nos momentos iniciais do filme. Como o homem é detentor do livre arbítrio, as regras que o governam são mais complexas, diferente do restante do universo, sujeito principalmente às leis da atração e da repulsão, como os átomos. Quando vi PALÍNDROMO (2002), o impressionante curta-metragem "de trás pra frente" de Philippe Barcinski, fiquei imaginando o que poderia resultar quando o diretor começasse a dirigir seus longas. Semelhante expectativa também me ocorreu quando vi o arrepiante ILHA DAS FLORES, de Jorge Furtado, e quando vi o belo e assustador VINIL VERDE, de Kléber Mendonça Filho. Do Kleber, ainda não podemos conferir o seu desempenho na direção de um filme em longa-metragem, mas a estréia de Barcinski chegou e não desapontou.

NÃO POR ACASO impressiona a partir dos créditos iniciais, elaborados com muita criatividade. As letras dos créditos, em vez de permanecerem na tela enquanto a câmera se move, movimentam-se como se fizessem parte da paisagem - no caso, a imagem da cinzenta e movimentada cidade de São Paulo. Fascinante o modo como a câmera, durante esse primeiro bloco, nos apresenta São Paulo vista de cima ou vista pelas lentes do monitor do protagonista, o engenheiro de trânsito interpretado por Leonardo Medeiros, um homem solitário e cujos sentimentos estão presos ao passado. É ele quem controla o tempo dos sinais, para evitar que haja um maior engarrafamento na cidade. O personagem de Medeiros é apresentado no primeiro bloco, que termina com uma tragédia. Rodrigo Santoro só aparece no segundo bloco. Ele interpreta um homem que confecciona mesas de sinuca e que também costuma jogar. Assim como o controlador de tráfego, o personagem de Santoro também tenta prever o que acontecerá no futuro, pelo menos dentro de sua especialidade: o jogo de sinuca. Ainda que eles não se encontrem, a história dos dois está ligada ao mesmo acidente. Outra personagem que também lida com as possibilidades do futuro e que aparecerá no filme é a operadora de bolsa de futuros vivida por Letícia Sabatella.

Pra mim, os momentos mais belos do filme são os dois blocos iniciais, que apresentam os dois protagonistas. Gosto ainda mais do primeiro bloco, pois é nele que Barcinski mostra com bastante sensibilidade a tristeza do personagem de Leonardo Medeiros. O ápice desse belo momento vem com a audição de "Laços", da banda portuguesa Toranja, interpretada por Nasi, do Ira!. De arrepiar ouvir o refrão - "Devolve-me os laços, meu amor!" -, já que nesse momento já temos uma idéia do amor que ainda existe no coração sofrido daquele homem. Se depois dos dois blocos iniciais, o filme diminui um pouco o ritmo e perde um pouco o impacto, podemos encarar esse terceiro e bem mais longo momento como sendo uma conseqüência do vazio deixado pela ausência das duas mulheres. Porém, aos poucos, como acontece na vida real, novos acontecimentos trazem novas motivações para a vida desses dois homens. Desse modo, NÃO POR ACASO é um filme bem mais otimista do que se imagina. O final é um tanto quanto melancólico, mas isso deve ser porque as feridas demoram um bocado a cicatrizar, embora isso não seja motivo para não se permitir viver.

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