segunda-feira, maio 28, 2007
PRO DIA NASCER FELIZ
Muitas vezes o valor de um filme está na capacidade que ele tem de ficar grudado em nossa memória. Vi PRO DIA NASCER FELIZ (2006) na quarta-feira passada e o filme não me sai da memória. E de vez em quando eu me pego emocionado com a lembrança de algumas passagens. Engraçado que eu nem sou de comentar sobre os filmes que vejo na escola onde trabalho, mas eu comentei sobre esse doc. Tanto que uma professora de lá chegou a me perguntar se eu gostava de cinema. Eu respondi com um sorriso, achei a pergunta engraçada. Eu só citei PRO DIA NASCER FELIZ na escola porque esse filme merece ser visto por todos da escola - alunos, professores, direção. E sei também que é o tipo de filme que será exibido nas escolas quando chegar em DVD. Mas, por outro lado, eu também fico imaginando os alunos fazendo bagunça e pouco interessados no que o filme tem a dizer. Seria como dar pérolas aos porcos. Aliás, esse tipo de pensamento deve passar com freqüência pela cabeça de muitos professores que começam a dar suas aulas com todo carinho e que acabam se desestimulando com a falta de respeito e de interesse e terminam dando apenas o feijão-com-arroz básico apenas para que os alunos não se saiam tão mal nas provas. Afinal, tudo que lhes interessa são os resultados das provas...
Eu sempre estudei em escola pública. E quando passei no vestibular, também fui para uma universidade pública. E agora sou professor de escola pública - graças a Deus, não em tempo integral. Quando fazia o segundo grau, como era estudioso e interessado, vivia revoltado com o ensino público, com a falta de interesse da maioria dos alunos e dos professores. E pensar que a coisa só piorou daqueles tempos pra cá.
Essa triste realidade é um dos focos de discussão desse belíssimo documentário de João Jardim. PRO DIA NASCER FELIZ centra a atenção em quatro escolas: uma em Manari, uma das cidades mais pobres do interior de Pernambuco; outra em Duque de Caxias, Rio de Janeiro; outra em Itaquaquecetuba, interior de São Paulo; e uma escola de elite no bairro de Alto de Pinheiros, na capital paulista. O filme mostra as semelhanças e diferenças entre alunos e professores de escola pobre e de escola rica. Na verdade, o objetivo principal do filme ficou meio nebuloso. João Jardim parece atirar para todos os lados. Mas as imagens são tão poderosas que fica difícil condenar, por exemplo, as cenas que são meio que um corpo estranho do filme, em que vemos depoimentos de dois jovens que cometeram crimes. Não vemos seus rostos, mas o que eles dizem é chocante. Principalmente a menina, que conta como matou sua colega em plena escola com assustador orgulho.
Interessante que a impressão que fica, durante o filme, é que as meninas, pelo menos dentro da faixa etária mostrada, de 14 a 17 anos, são muito mais inteligentes e superiores espiritualmente que os meninos, que mais parecem uns bobões sem discernimento ou sensibilidade. Já as meninas têm uma sensibilidade tão forte que algumas delas não conseguem conter as lágrimas, como as meninas de São Paulo, que têm forte consciência da pobreza que as cerca, que sofrem com inquietações existenciais, com a pressão da família, da escola e da sociedade, que sentem falta do carinho e do abraço dos pais. A ausência dos pais, no caso dos adolescentes ricos, se manifesta de forma diferente do que acontece com os jovens pobres, filhos de mães solteiras, que já lidam com problemas mais básicos, como falta de transporte, de água, de interesse, de professores. E falando em professores, identifiquei-me com a professora de Literatura que diz que faz até psicananálise para tentar minimizar o sentimento de solidão, desprezo e abandono que sente tanto por parte dos seus alunos, quanto da direção da escola.
Em alguns momentos, PRO DIA NASCER FELIZ lembra os documentários de Eduardo Coutinho, principalmente pela proximidade que a câmera tem com os entrevistados, que abrem seus corações para nós, privilegiados expectadores do filme, que saímos com a alma lavada, depois de ouvirmos a inteligente versão da "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, escrita pela aluna-poeta do interior de Pernambuco.
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