segunda-feira, março 26, 2007
EU ME LEMBRO
Vendo EU ME LEMBRO (2005), eu fiquei pensando no porquê de que há tão poucos filmes abordando memórias de infância e juventude como esse. Afinal, quando nos falta criatividade para inventar uma boa estória de ficção, o território das memórias é uma boa fonte. Eu, pelo menos, tenho muitas memórias boas que eu trato com carinho e que até já pensei em transformá-las em contos no dia em que eu estiver inspirado. O difícil é fazer com que aquelas lembranças especiais também pareçam especiais na forma de literatura ou cinema. Felizmente, Edgard Navarro foi bem sucedido nessa sua primeira, ainda que tardia, incursão no longa-metragem. Seu filme lembra um pouco o ALMA CORSÁRIA, de Carlos Reichenbach, bem como o canadense C.R.A.Z.Y. - LOUCOS DE AMOR, de Jean-Marc Vallée.
No que se refere à infância, interessante quando o menino Guiga experimenta fechar os olhos e tapar os ouvidos. Quando ele faz isso, o mundo simplesmente deixa de existir para ele. O mundo só existe porque ele existe. É uma visão bem egocêntrica, mas isso não deixa de ser verdade, principalmente do ponto de vista de uma criança, que acredita que tudo gira em torno dela. Para Guiga, o sexo sempre foi importante desde muito pequeno, ao ver as conversas sobre intimidade das mulheres, o namoro dos adultos, seus pais transando e, na adolescência, com a descoberta da masturbação. Senti falta de algo mais romântico, como a primeira paixão da infância, mas vai ver isso não aconteceu ou não foi tão marcante para ele. Legal ver as crianças se divertindo com as cantigas de roda, num tempo em que as crianças era mais inocentes e as brincadeiras mais saudáveis. Também muito bom ouvir no rádio as propagandas da época e ver a chegada da televisão.
Interessante como o advento da contracultura no final dos anos 60 modificou os costumes e a aparência da sociedade jovem da época. No filme, essa mudança se dá a partir da cena em que ouvimos "Baby", cantada pela Gal Costa, enquanto vemos Guiga e seus amigos passeando com aquelas roupas de hippie. A maconha é parte integrante e essencial desse processo e é engraçado como a lembrança da primeira tragada fica forte na memória. A cena da viagem psicodélica depois da ingestão de um cogumelo, além de servir para nos colocar cruzando as "portas da percepção", também funcionou como uma espécie de resumo do filme, com direito até a recurso metalingüístico que me fez lembrar o final de O GOSTO DE CEREJA, de Abbas Kiarostami. Quando o filme termina, fica uma sensação de que foi mostrado muito pouco, de que a vida de Guiga foi até bem normal. Também senti falta de mais referências à cinefilia de Navarro. Isso é mostrado poucas vezes no filme e a impressão que fica é que, para Navarro, o cinema fica, em grau de importância, bem atrás das drogas e do sexo. Não que isso seja um problema.
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