sexta-feira, novembro 03, 2006

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS



O segundo longa-metragem de Cao Hamburguer confirma o talento do cineasta e a sua vocação para trabalhar com crianças. Excetuando FRANKENSTEIN PUNK (1986), que é um curta de animação com massinha, e o episódio de FILHOS DO CARNAVAL (2004), toda a filmografia de Hamburguer é ligada ao universo infantil. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (2006) estaria a frente de todos, até por ser o trabalho mais pessoal, próximo do autobiográfico, do diretor.

Interessante notar que geralmente os filmes que mostram o ponto de vista das crianças têm uma leveza toda particular, independente do pano de fundo. Os filmes que mostram crianças sobrevivendo na guerra, como IMPÉRIO DO SOL, de Steven Spielberg, ou ESPERANÇA E GLÓRIA, de John Boorman, são mais leves que filmes com adultos na guerra. Talvez porque as crianças ainda não têm consciência do que está acontecendo ao redor. O filme que mais se aproxima de O DIA EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS é o argentino KAMCHATKA, de Marcelo Piñeyro, que também narra as memórias de um garoto durante o exílio de seus pais na época da ditadura militar. Como tenho uma atração maior pelo sentimentalismo, confesso ter gostado mais do argentino. Mas o filme brasileiro tem, é claro, o seu valor.

Na trama, o menino Mauro (Michel Joelsas) é deixado pelos pais na casa do avô no bairro Bom Retiro, em São Paulo. Os pais, acusados de "subversivos", estão sendo procurados pelos militares, e por isso saem às pressas em seu fusca, sem ao menos entregar o menino pessoalmente ao avô (Paulo Autran, em participação breve). Chegando no apartamento do avô é que o garoto descobre que ele acabou de falecer. Deu até tempo de o garoto ir ao funeral do velho. Assim, o menino fica sob os cuidados de um senhor judeu, entrando em contato com os costumes judaicos. (Interessante que no mesmo dia que eu fui ver esse filme, eu fiz sessão dupla com A PEQUENA JERUSALÉM, de Karim Albou, que também nos apresenta detalhes da cultura judaica. Foi uma agradável coincidência.)

Como o filme se passa durante a Copa do Mundo de 1970, podemos notar o quanto o clima de euforia pela excelente campanha da seleção brasileira contrasta com o clima de repressão causado pela ditadura. Da mesma forma, o garoto ora está angustiado pela estranha ausência dos pais, ora se diverte e faz amizade com os meninos do bairro, principalmente sua vizinha, a malandrinha Hanna. A cena dos garotos espiando as mulheres tirando a roupa no buraco que dá acesso aos provadores de uma loja de roupas é inspirada em ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, de Sergio Leone.

Já as cenas que mostram a vibração no país com as vitórias do Brasil são vistas com um misto de alegria e vazio, tristeza. Aliás, eu sempre sinto esse vazio quando o Brasil ganha nos jogos da Copa. Como se aquela alegria não significasse muito para nossa vida. Hamburguer soube trabalhar muito bem esse sentimento, até porque em 1970 o país estava vivendo um de seus momentos mais tristes. Por isso, por mais que o menino gostasse de futebol e colecionasse as figurinhas dos jogadores, havia algo mais importante na vida.

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