sexta-feira, outubro 27, 2006

MASCULINO-FEMININO (Masculin Féminin: 15 Faits Précis)



Minha peregrinação pelo cinema de Jean-Luc Godard está andando a passos de tartaruga. A última vez que escrevi sobre um filme dele - PIERROT LE FOU (1965) - foi em agosto. Confesso que, apesar do respeito e admiração, Godard ainda não é o que eu chamaria de cineasta do coração. Ainda preciso me preparar psicologicamente para ver qualquer um de seus filmes. A surpresa é que MASCULINO-FEMININO (1966) é uma delícia. Apesar do título remeter à diferença de gêneros, acho que Godard foi mais feliz em estabelecer critérios de comparação entre os sexos em UMA MULHER É UMA MULHER (1961). Mas gostei bem mais desse MASCULINO-FEMININO. Muito pela presença de Jean-Pierre Léaud. Por causa dos filmes das aventuras de Antoine Doinel, de François Truffaut, estabeleci uma espécie de vínculo afetivo com o ator. Em alguns momentos, deu até pra fingir que estava vendo um filme de Truffaut, mas aí apareciam aquelas experimentações godardianas e eu lembrava quem era o dono do filme.

Em MASCULINO-FEMININO, Léaud é Paul, um jovem recém-saído das forças armadas que conhece num cafè Madeleine, interpretada pela gracinha Chantal Goya, na época, uma cantora muito popular na França. Inclusive, a trilha sonora do filme traz algumas das canções de Chantal, que são muito gostosas de ouvir. Paul se apaixona por Madeleine, mas a moça se revela muito difícil, tendo resistido muitas vezes às abordagens do rapaz, muito por medo de engravidar. Um dos momentos mais bonitos do filme é quando Paul entra numa cabine de gravações, bota pra fora toda sua paixão pela jovem e sai com um disquinho compacto na mão.

Nesse filme, Godard explicitava seu interesse pela política. Felizmente, a parte política não ficou datada, quer dizer, não perdeu a sua importância, já que o momento era mesmo de efervescência e Godard soube documentar muito bem a sua época, falando de temas relevantes como a Guerra do Vietnã, o marxismo, o acostumar-se com a violência e a alienação da juventude. Sobre esse último tópico, tem uma cena de uma jovem sendo entrevistada (Eva-Britt Strandberg), que é maravilhosa. Muito por causa da beleza, graça e sensualidade da moça. Sobre a violência crescente, interessante notar que nunca se fala na cena seguinte sobre algum ato violento mostrado anteriormente.

O filme é composto por 15 capítulos que se iniciam com títulos muitas vezes acompanhados por sons de tiros. Esse tipo de estrutura já havia sido utilizada em VIVER A VIDA (1962), que era constituido de doze capítulos. É uma maneira interessante de se livrar da obrigação de se fazer um filme coeso. Nesse filme, o barulho das ruas e a presença de pessoas alheias à cena no canto do quadro dá ao filme um aspecto documental. Mesmo que o filme tivesse uma narrativa convencional, ainda assim seria um belo documento da juventude da época, que consumia produtos americanos (cinema, coca-cola, rock and roll), ouvia música em jukeboxes nos bares e em discotecas; as meninas usavam mini-saia e os rapazes ficavam ainda mais loucos. Godard registrou também a repercussão que a música de um jovem chamado Bob Dylan estava causando mundo afora.

Uma das maiores vantagens de se assistir aos filmes de Godard é que eles ficam melhores no dia seguinte. Cada vez que a gente pensa ou escreve sobre seus filmes, eles crescem de forma impressionante. São também filmes que precisam da participação do espectador para que sejam melhor apreciados. O espectador é levado a pensar a todo instante. Talvez por isso seus filmes sejam um pouco cansativos ao mesmo tempo que trazem prazer estético.

Na época, Godard já podia se dar ao luxo de colocar referências ao próprio trabalho. Pelo menos três filmes são citados: ACOSSADO (1960), UMA MULHER É UMA MULHER e PIERROT LE FOU. De ACOSSADO, temos Léaud imitando os trejeitos de Jean-Paul Belmondo, seja tentando acertar o cigarro na boca, seja passando os dedos sobre os lábios. Da mesma forma, Chantal parece imitar Anna Karina. O extremo respeito pelo cinema é explicitada na cena em que Léaud sai correndo da sala de projeção para reclamar que o filme estava sendo exibido na janela errada.

No próximo trabalho - MADE IN U.S.A. (1966) -, Godard junta Jean-Pierre Léaud com sua musa Anna Karina. Qual deve ter sido o resultado? Isso eu pretendo conferir em breve.

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