Hoje em dia é comum alguns filmes iranianos serem alvos de chacota, especialmente os que mostram criancinhas pobres em situações difíceis. FILHOS DO PARAÍSO (1997) é talvez o maior exemplo disso. Muita gente usa-o como referencial, afinal esse é o famoso filme do garotinho pobre que perde o sapato da irmã. Mas o culpado disso tudo deve ter sido Abbas Kiarostami, com o seu ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO? (1987), que mostra um garotinho numa jornada para entregar o caderno do seu colega de escola. Ambos os filmes são herdeiros diretos do neo-realismo italiano, especialmente do clássico LADRÕES DE BICICLETA (1948), de Vittorio De Sica, que mostrava pai e filho na busca por uma bicicleta roubada, meio de transporte fundamental para a sobrevivência da família. Falemos mais um pouco desses dois belos filmes que merecem todo nosso respeito.
ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO? (Khaneh-ye Dust Kojast?)
Abbas Kiarostami é um dos mais importantes cineastas em atividade no mundo. ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO? foi o primeiro filme do diretor que alcançou repercussão mundial, ainda que a popularidade dos filmes iranianos só começasse mesmo no início dos anos 90. O filme é uma beleza. Kiarostami nos apresenta um mundo onde os adultos agem com violência com as crianças, apenas para mostrar quem é que manda. Os adultos não procuram entender os problemas e as necessidades das crianças. Chega a ser incômoda a cena em que Ahmad tenta explicar para a mãe que ele precisa entregar o caderno de seu colega Nematzadeh que ele pegou por engano. Caso ele não faça isso, seu colega pode ser expulso da escola. Ele fala com sua mãe e nada dela lhe escutar. Ao contrário, ele sempre é chamado de preguiçoso, vagabundo, enrolão. O que faz de ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO? uma obra-prima, entre outras coisas, é uma certa estranheza que fica no ar durante o trajeto de Ahmad na busca pela casa do amigo, passando por um vilarejo estranho, tendo primeiro que atravessar uma trilha em zigue-zague, parecida com a de ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS (1994). Em alguns momentos, quando escurece, o filme até parece ter herdado algo do expressionismo alemão, por causa das sombras e dos becos escuros por onde o garoto passa. Ao mesmo tempo, o filme prenuncia um estilo semi-documental que se tornaria mais evidente na obra de Kiarostami a partir de CLOSE-UP (1990). Um dos momentos mais belos do filme aparece no final, quando surge uma ventania violenta e a mãe de Ahmad está tirando as roupas do varal. Momentos como esse são de pura magia e gostaria de tentar expressar em palavras o que senti vendo (e ouvindo) aquilo.
Visto em VHS selado da Cult Filmes.
FILHOS DO PARAÍSO (Bacheha-Ye Aseman)
Seguindo a lição de Kiarostami, mesmo sem ter o mesmo brilhantismo e genialidade, Majid Majidi, diretor de O JARRO (1992), faz um filme tocante sobre duas crianças que têm de dividir o mesmo par de sapatos. Isto é, tocante para quem não se incomodar com os clichês do melodrama. Na trama, um menino perde o único par de sapatos recém-concertados da irmã mais nova e tem medo de contar aos pais o que aconteceu, já que é clara a dificuldade financeira da família. Sua solução, pelo menos até conseguir de volta os tais sapatos, é deixar a irmã ir para a escola com os sapatos dele pela manhã e asssim que ela chegar da aula seria a vez dele. O problema é que o intervalo entre o fim da aula da menina e o início da aula dele é muito curto, o que resulta sempre em atrasos e reclamações vindas da escola, além de outros contratempos desagradáveis, como na cena em que a menina deixa cair o sapato (um pouco folgado para seu pé) na correnteza. FILHOS DO PARAÍSO é o tipo de filme que pode ser visto por toda a família, tem uma carga de inocência que encanta e eu acho que seria um filme ideal para ser passado em escolas, para crianças, tanto as ricas quanto as pobres. O filme mostra o quanto certas coisas que não têm valor nenhum para certas pessoas são de importância vital para outras. Impressionante a performance das duas crianças e emocionante a conclusão do filme. Pra se assistir com um lenço nas mãos.
Gravado da Globo.
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