terça-feira, agosto 02, 2005
O BEIJO AMARGO (The Naked Kiss)
E eis que aos poucos vou conhecendo o cinema do mitológico Samuel Fuller, esse que é um dos mais cultuados cineastas americanos. O lançamento de O BEIJO AMARGO (1964) em DVD pela Aurora é um presente para os cinéfilos. E a distribuidora em breve vai lançar MATEI JESSE JAMES (1949). Somando-se à edição especial estendida de AGONIA E GLÓRIA (1980), lançada pela Warner, até podemos dizer com certo otimismo que finalmente vamos ter acesso aos filmes do homem aqui no Brasil.
Com tantos filmes pra escrever, não estava planejando falar de O BEIJO AMARGO logo hoje, mas impulsionado pelo ótimo texto do amigo Marcelo Miranda, resolvi entrar no clima também, até pra ajudar a divulgar o lançamento do DVD. Miranda cita o filme como um anti-noir.
Trata-se de um filme no mínimo bem esquisito. A começar pela seqüência inicial, mostrando uma enfurecida Constance Towers dando uma surra de sapato num homem. Fuller usa aquele método de mostrar tomadas dela surrando a câmera, seguida pelas tomadas dele apanhando. Praticamente o mesmo que Hitchcock havia feito na cena do banheiro de PSICOSE, quatro anos antes. Mas Fuller guarda ainda mais uma surpresinha logo nessa seqüência de abertura, que antece os créditos. Aí é que vemos que O BEIJO AMARGO de convencional não tem nada.
Constance Towers era uma das atrizes preferidas de Fuller. Já tinha trabalhado com o diretor em PAIXÕES QUE ALUCINAM (1963), filme que recebe uma citação em O BEIJO AMARGO: no cinema da cidade em que a protagonista chega para recomeçar a vida está passando esse filme. Constance talvez seja mais conhecida pelo filme AUDAZES E MALDITOS (1960), de John Ford.
Não dá pra contar muito do filme, sob o risco de estragar as surpresas, mas dá pra dizer que a história é sobre uma prostituta que é humilhada por um cafetão, foge dele e vai para uma outra cidade a fim de refazer sua vida. Ela passa a trabalhar num hospital que trata de crianças com problemas nas pernas. Uma das cenas mais bizarras e ao mesmo tempo belas do filme é a das crianças cantando.
Por falar em música, outra seqüência digna de nota é aquela que toca a Sonata ao Luar de Beethoven. Vez ou outra, Fuller tratava de colocar em seu filme referências da cultura erudita. Seus personagens citam Goethe e Lord Byron. Essa é uma característica de Fuller, associada a um gosto pelas contradições. Em O QUIMONO ESCARLATE (1959), policiais tocam piano e são criticos de arte; em PAIXÕES QUE ALUCINAM, negros são membros da Ku-Klux-Klan. Isso me fez lembrar dos filmes de Carlos Reichenbach, também ricos em citações eruditas e em paradoxos.
Confesso que quando vi o filme, não fiquei tão encantado. Mas agora que comecei a estudar a obra do diretor e a repensar o filme é que percebo o quanto ele é genial. Provavelmente é um filme que cresce na revisão. E o momento é de comemorar a chegada dos filmes de Fuller no mercado de DVD brasileiro.
Outros lançamentos da Aurora: BRINQUEDO PROIBIDO, de René Clément; RIFIFI, de Jules Dassin; O DOCUMENTO HOLCROFT, de John Frankenheimer; SOMOS TODOS ASSASSINOS, de André Cayatte; ANOS DE REBELDIA, de Dennis Hopper. E para os próximos meses: O PÁSSARO DAS PLUMAS DE CRISTAL, de Dario Argento; ILUSÃO PERDIDA, de George Seaton; PARCEIROS DA MORTE, de Sam Peckinpah; O COZINHEIRO, O LADRÃO, SUA MULHER E O AMANTE, de Peter Greenaway; e CINZAS E DIAMANTES, de Andrzej Wajda.
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