terça-feira, maio 31, 2005
O PAGAMENTO FINAL (Carlito's Way)
Depois de mais de dez anos da primeira e única vez que vi O PAGAMENTO FINAL (1993) no cinema - lembro que saí em estado de graça do extinto Cine Fortaleza por volta das nove da noite, o centro da cidade quase deserto -, eis que revejo o filme em DVD nesse fim de semana. Não sei se estou sendo exigente demais, mas acho que o filme deveria ter um tratamento digital melhor pela Universal. Achei a imagem um pouco escura e com pouca nitidez. Bem inferior a do DVD de UM TIRO NA NOITE, para citar um dos De Palmas que eu vi recentemente. Será que é porque colocaram um documentário de meia hora e aí tiveram que diminuir os pixels do filme? Bom, pelo menos está na janela correta, em scope. Aliás, essa é uma das razões para eu estar querendo rever todos os filmes do De Palma em DVD. Ele tem a mania de filmar em scope. E a grande maioria dos filmes dele que eu vi foi pela televisão.
Acho que costumo colocar O PAGAMENTO FINAL no pódio da filmografia de Brian De Palma por ser um de seus trabalhos mais sentimentais, ao lado de PECADOS DE GUERRA (1989). Ele que aparenta ser tão frio e cerebral com seu virtuosismo técnico, aqui usa suas habilidades em prol de uma estória trágica e carregada de dramaticidade e melancolia.
Lendo o dossiê do De Palma escrito para o site Senses of Cinema, soube de algo bem interessante de sua infância, através de uma citação do livro "The De Palma Cut", de Laurent Bouzereau: quando ele era pequeno e brincava com seus irmãos, ele ficou preso detrás de uma geladeira e ficou gritando por ajuda. A humilhação, o sentimento de inferioridade e a sensação de não ter nenhum controle sobre a vida o afetou bastante, inclusive em seu trabalho. Guardadas as devidas proporções, daria até pra comparar um pouco com a história do pequeno Hitchcock sendo preso na delegacia de polícia. Essas coisas repercutiram profundamente no trabalho autoral desse diretores. Talvez um exemplo desse tipo de humilhação esteja mais explícito em sua obra na cena do personagem de Craig Wasson sofrendo de claustrofobia dentro de um caixão em DUBLÊ DE CORPO (1984).
Em O PAGAMENTO FINAL Carlito Brigante (Al Pacino) luta para fugir do seu destino trágico e inevitável. Nos momentos finais, mesmo sabendo que a qualquer momento ele vai levar um tiro, como De Palma já tinha adiantado no início do filme, ainda assim torcemos para que ele pegue o trem e fuja para bem longe com sua amada (Penelope Ann Miller), nessa que é uma das melhores seqüências de perseguição do cinema americano.
E o interessante de O PAGAMENTO FINAL é que apesar de ter muitos temas recorrentes da obra do diretor, o filme aparentemente não faz muitas citações a Hitchcock, coisa bastante comum em seus filmes. Vindo de seus próprios filmes, um dos trechos mais explícitos é a cena em que Sean Penn é esfaqueado próximo a um elevador, citação direta ao hitchcockiano VESTIDA PARA MATAR (1980). Há também a cena do tiroteio nas escadas, que remete aOS INTOCÁVEIS (1987). Fora de sua obra. há uma semelhança com ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, de Sergio Leone, na visão idealizada que Carlito tem de seu amor da juventude.
No documentário de Laurent Bouzereau constante no DVD ficamos sabendo que De Palma inicialmente não simpatizou com a idéia de dirigir o filme. Ele achava a atmosfera muito parecida com a de SCARFACE (1983) e não queria se repetir. Foi Al Pacino que insistiu, que adorou o script. Também pelo documentário, ficamos sabendo das cenas que mais demoraram a ficar prontas. Uma delas, aparentemente simples, foi filmada dezenas de vezes por causa do perfeccionismo de Al Pacino: aquela em que Sean Penn convida Pacino para uma festa para contar o seu fatídico plano. As cenas finais na estação de trem também duraram uma eternidade, segundo De Palma.
O PAGAMENTO FINAL também tem o mérito de apresentar algumas das melhores performances de Al Pacino e Sean Penn e o melhor e mais antológico papel da carreira de John Leguizamo, o Benny Blanco from the Bronx. Com a dobradinha SCARFACE/O PAGAMENTO FINAL, De Palma se insere na tradição de grandes diretores, como Coppola, Scorsese e Leone, com sensibilidade para descrever o mundo agressivo, trágico e perigoso dos gângsters. Com a diferença que aqui há também espaço para o amor idealizado e romântico. E quando sobem os créditos ao som de "You Are So Beautiful", cantada pelo Joe Cocker, a gente custa a acreditar que o ser humano é capaz de criar coisas tão belas.
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