sexta-feira, maio 06, 2005

ESPIONAGEM NA REDE (Demonlover)

 

Estou encontrando dificuldades para falar sobre DEMONLOVER (2002), de Olivier Assayas, que aqui no Brasil ganhou o título de ESPIONAGEM NA REDE, o que vai contribuir ainda mais para que o filme passe batido nas locadoras e permaneça na obscuridade. Bom, pelo menos o filme foi lançado. Considero a chegada desse filme em DVD um dos grandes acontecimentos do ano na área. O filme vem sem nenhum extra a não ser o trailer, mas só em ter vindo em glorioso scope, já vale até mesmo a compra do disquinho para ver e rever. Rever, aliás, é uma necessidade em se tratando desse filme, que possui trama tão complexa. 

O diretor Olivier Assayas é talvez o mais interessante dos cineastas franceses surgidos nos últimos anos. Dele, só tinha visto o excelente IRMA VEP (1996). DEMONLOVER consegue ser ainda melhor, por incrível que pareça. Os dois filmes têm várias coisas em comum: ambos se detêm bastante na frieza burocrática do mundo dos negócios. Enquanto IRMA VEP destacava o mundo da produção de filmes, DEMONLOVER mostra, inicialmente, as negociações entre empresas para garantir os direitos de exibição de animes pornográficos tridimensionais feitos por computador, para posteriormente nos jogar no submundo dos sites proibidos de sadomasoquismo. E o negócio é barra pesada. 

Na trama, Connie Nielsen é uma espiã da Mangatronics que consegue subir ao posto de assistente de um dos principais executivos da Volf, empresa rival da Mangatronics, depois de ter sabotado a vida pessoal e profissional de uma executiva da empresa. Na verdade, a coisa é bem mais complexa do que isso aí, há um envolvimento de mais duas empresas, há espiãs dos dois lados, e o comportamento das personagens é quase sempre um enigma. 

Boa parte da força do filme está nas mulheres. Connie Nielsen, Chloë Sevigny e Gina Gershon. Ainda que Charles Berling empreste muita força masculina nas cenas em que aparece, o filme é das mulheres. São nos duelos verbais de Connie e Chloë e na luta física de Connie e Gina - comparável à luta de Uma Thurman e Darryl Hannah em KILL BILL VOL. 2 - que o filme atinge alguns de seus pontos altos. 

Mas o que torna DEMONLOVER uma obra-prima são as elipses que acontecem em seus momentos finais. Elas nos deixam cada vez mais angustiados, sem saber bem o que de horrível está acontecendo com a personagem de Connie Nielsen. O filme tem o mérito de não explicitar as cenas mais fortes, nos deixando cheios de dúvida e até apavorados - o final de DEMONLOVER é praticamente um filme de horror. 

O filme faz um estudo sobre a passividade do mundo atual diante da violência, da busca por emoções mais fortes, nem que seja através da dor. Na cena em que Connie está vendo o que fizeram com ela através da câmera, ela parece sorrir. Como se estivesse aceitando de bom grado a posição passiva. Logo ela, que agia com extrema agressividade no ambiente de trabalho e na sua condição de espiã. Até parece que ela simpatiza com a idéia de ser torturada, de sofrer. Como se tivesse ficado com tesão de se ver nessa situação extrema. 

Umas perguntas pra quem viu o filme: afinal, o que acontece de fato com Diane (Connie Nielsen) quando ela é levada dopada pra casa e Chloë limpa o ferimento em seu braço? O que seria aquilo? Parte da tortura? Ou uso de seringa para injetar drogas nela? Caramba. Que filme louco. Muitas imagens não saem da minha cabeça. E eu nem falei da fotografia exuberante, da trilha sonora do Sonic Youth, das cenas do hentai 3D... 

Recomendo para leitura, depois de ver o filme, os ótimos textos de Filipe Furtado e Bruno Andrade, que saíram na Contracampo. O Filipe, então, mandou ver com um texto de 8 páginas! 

P.S.: Está no ar no Cinema com Rapadura, minha coluna sobre adaptações de livros para o cinema.

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