domingo, março 06, 2005

ANTES DO PÔR-DO-SOL (Before Sunset)



Finalmente, depois de tanto tempo esperando, chega a Fortaleza ANTES DO PÔR-DO-SOL (2004), de Richard Linklater, continuação do maravilhoso ANTES DO AMANHECER (1995). Estava evitando ler qualquer matéria sobre o filme para que ninguém estragasse as surpresas dessa continuação. Preferi não saber de nada até ver o filme. Perguntava-me: será que Jesse e Celine se encontraram seis meses depois como combinado? Ou será que um deles deixou de ir? Nesse caso, o que pode ter havido? Ou será que ambos desistiram? Será que começaram a achar que aquilo tinha sido só uma história romântica boba e juvenil e perfeitamente fácil de esquecer? Pouco provável essa hipótese.

O fato é que eles se encontram novamente nove anos depois - os dois juntos na cama no filme WAKING LIFE (2001) não conta, já que era apenas um sonho do protagonista. Jesse agora é um escritor de sucesso. Ele acabou de escrever um livro sobre um certo encontro romântico num trem, seguido de um passeio pelas ruas de Viena até o dia amanhecer, e está em Paris dando autógrafos e entrevistas numa livraria, quando aparece Celine. Vê-la foi um impacto tão grande que deve ter sido difícil botar as idéias em ordem. Tanto que logo que eles começam a conversar, há tanto o que falar um para o outro e em tão pouco tempo (Jesse teria que pegar o avião de volta para os EUA em uma hora), que eles não sabem por onde começar. E haja conversa. Mas uma conversa deliciosa, como a do primeiro filme, ou como acontece sempre nos filmes de Eric Rohmer, a principal influência de Linklater.

São 88 minutos de agradável bate-papo, mas vez ou outra, surgem alguns emocionantes momentos de silêncio. O que dizer da cena da escada, por exemplo? Lembra a cena do primeiro beijo de ANTES DO AMANHECER, onde uma tensão é criada entre os dois. Nesse sentido, a cena dos dois no carro seria um equivalente à cena da loja de discos do primeiro filme, com a vontade que se tem de tocar o outro. (Ou seria o contrário?)

Interessante que, nesse filme, eu me identifiquei tanto com o Jesse quanto com a Celine - no primeiro, eu só me identificava com o Jesse, me colocando no lugar dele e tentando viver através do personagem a fantasia de encontrar uma alma gêmea. Na época, cerca de dez anos atrás, quando vi ANTES DO AMANHECER no cinema, eu era parecido com eles: cheio de esperança, achava que tinha a vida inteira pela frente, que seria fácil me entrosar com as pessoas. Agora, com 32 anos (como Celine), tenho de enfrentar o desencanto da vida e a dificuldade de se apaixonar de novo.

Identifiquei-me com Jesse, quando ele falou sobre a possibilidade de ver a vida com uma postura meio budista, procurando eliminar o desejo para evitar a dor e as decepções. Mas por outro lado, também vejo o lado dela, que diz que o desejo é essencial para que nos sintamos mais vivos, que deixar de desejar parece ser algo meio depressivo.

Pode-se dizer que ANTES DO PÔR-DO-SOL é mais realista e menos romântico que o primeiro filme, o que não quer dizer que o que aconteceu entre os dois, o encontro no trem, seja algo impossível de acontecer na vida real. Na verdade, é um evento muito raro, que só acontece uma vez na vida. Quando acontece, já que muitas vezes deixamos passar oportunidades de ouro por causa do medo, da timidez ou mesmo da estupidez. Imaginem se Jesse não tivesse convidado Celine para descer com ele do trem no primeiro filme? O encontro mágico de duas almas gêmeas deixaria de ter acontecido.

E é engraçado como eu falo disso como se fosse um fato real e não apenas um filme. Mas acontece que isso tudo acaba sendo bastante real pra mim. Como deve ser mais real ainda para Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy, que colocaram um pouco de suas vidas nesse filme, quando se juntaram durante cinco dias para elaborar o roteiro. Dessa forma, o personagem de Hawke, assim como o próprio, é escritor, casado (agora parece estar separado de Uma Thurman) e tem um filho que significa muito pra ele; do mesmo modo, Julie Delpy está solteira e tem dificuldades com relacionamentos amorosos, não conseguindo ficar com alguém por mais de um ano e meio.

O novo filme faz oposição ao primeiro também pelo fato de se passar durante o dia. A noite está para o romantismo, assim como o dia está para o realismo, para a clareza dos fatos. À noite, há a possibilidade de nos enganarmos, ou de nos deixarmos enganar a fim de criarmos uma fantasia, um momento de sonho. E o filme se aproxima mais ainda do realismo ao optar pelo uso do tempo real.

O plano final é um dos mais belos que eu já vi na vida, deixando em aberto o destino do casal, e ficando por conta do espectador imaginar se eles ficarão ou não juntos.

Acho espetacular esse cruzamento do cinema com a vida. ANTES DO PÔR-DO-SOL é cheio de vida: da vida no sentido geral e da mistura das vidas de três pessoas que criam personagens tão fortes que parecem reais. Algo parecido com um certo personagem de François Truffaut. E a nós resta a dúvida: como será o terceiro encontro de Jesse e Celine? Não sei, mas quero estar vivo para presenciar. Enquanto isso, fico ouvindo "A Waltz for a Night", cantada pela apaixonante Julie Delpy.

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