quinta-feira, outubro 25, 2018
LEGALIZE JÁ - AMIZADE NUNCA MORRE
É raro uma cinebiografia acertar a mão. Muitas tentam dar conta da vida completa do artista ou da pessoa em questão e acabam por tornar tanto a narrativa quanto o personagem rasos. Não é o caso de LEGALIZE JÁ – AMIZADE NUNCA MORRE (2018), dirigido por Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, que faz um recorte destacando a amizade entre Marcelo D2 e Skunk, responsáveis pela criação de uma das bandas mais importantes do cenário brasileiro dos anos 1990, o Planet Hemp.
Bastava estar vivo naquela década para lembrar o que o rolava nas rádios e nas televisões: era o boom do pagode e do axé. O surgimento de novas bandas da turma de 94 foi crucial para dar uma oxigenada no rock daquele período, ainda que as bandas da década anterior ainda estivessem ativas e interessantes. Mas era preciso sangue novo e essa nova turma em geral soube lidar com a transgressão de maneira muito mais efetiva do que a turma anterior. Colocar a legalização da maconha como principal bandeira por si só já foi um trunfo. Mas o Planet Hemp tinha muito a oferecer no que se refere à qualidade de sua música.
Uma coisa que muita gente não sabia, inclusive eu, era a importância de Skunk para a criação do conceito da banda. Marcelo não acreditava em si mesmo, embora as letras tenham partido dele desde o começo. Skunk, soropositivo, tentou lidar com a doença até onde deu. Na época, os coquetéis para combater o avanço do HIV eram muito desconfortáveis e tinham efeitos colaterais bem desagradáveis.
LEGALIZE JÁ – AMIZADE NUNCA MORRE ganhou este subtítulo justamente por ser mais um filme de amizade do que um filme sobre criação musical. As linhas paralelas das vidas de Marcelo e Skunk, com Marcelo trabalhando de camelô vendendo camiseta de banda de rock na rua, e Skunk morando com um amigo argentino dono de um bar e com uma espécie de mini-estúdio caseiro, se cruzam em um momento em que o rapa aparece para desmontar as bancas de alguns vendedores de rua.
Chega a ser tocante ver a aproximação e a ótima química entre os dois, com Skunk sempre sendo o cara que motiva Marcelo a acreditar em si, em pensar grande com a ideia de montar uma das melhores bandas de rock do país. O filme tem uma pegada leve, apesar de haver aspectos dramáticos muito fortes devido às situações nada fáceis da vida de ambos, com cenas bem divertidas, como a da igreja ou a do guitarrista chegando ao estúdio. E há também os momentos musicais, que são de arrepiar. O que dizer da primeira vez em que ouvimos “Phunky Bhuda”? O que é esse riff de guitarra, essa energia?
Vale destacar aqui as excelentes performances dos atores. Tanto Renato Góes como Marcelo quanto Ícaro Silva como Skunk estão ótimos. Principalmente o segundo, que exala um carisma impressionante. Quanto ao um dos diretores, Johnny Araújo já havia se mostrado muito interessado em rock desde seu debute, com O MAGNATA (2007), com roteiro de Chorão e participação do Marcelo Nova, e DEPOIS DE TUDO (2015), uma espécie de ode à canção “Soldados”, da Legião Urbana.
+ TRÊS FILMES
A FÁBRICA DE NADA
Coragem do pessoal do Dragão de exibir um filme tão pouco usual e com uma duração até que bem longa. A FÁBRICA DE NADA dialoga com o nosso ARÁBIA, sobre a questão do trabalho e do capitalismo, mas é um bocado mais teórico. Olhei para os relógios várias vezes, mas acho que meu mal era a fome, já que fiz dobradinha com o uruguaio UMA NOITE DE 12 ANOS . Direção: Pedro Pinho. Ano: 2017.
DJON ÁFRICA
Acho excelente a primeira metade: passa um prazer grande dentro do subgênero road movie, por mais que adote um registro realista e quase documental, com uso de não-atores. Acho que lá pelo meio dá impressão de que os diretores não sabiam o que fazer com o personagem, ou não souberam como terminar sua história. Eu teria que pegar umas entrevistas e saber mais sobre o processo criativo e os rumos do projeto para saber o que aconteceu. De todo modo, é quase uma passagem de ida e volta para Cabo Verde. E custa baratinho, hein. Direção: João Miller Guerra e Filipa Reis. Ano: 2018.
10 SEGUNDOS PARA VENCER
já fizeram tantos filmes de boxe que muitas vezes esta cinebiografia do Éder Jofre parece imitar ROCKY, UM LUTADOR sem querer disfarçar. Ou outro parecido. Só que as cenas de luta são chatas e as de preparação também. O que mais conta mesmo é a relação pai e filho e a problematização quanto à questão de ser um campeão, o significado disso. Direção: José Alvarenga Jr. Ano: 2018.
quinta-feira, outubro 04, 2018
FERRUGEM
A carreira de Aly Muritiba, nascido no interior da Bahia, é bastante curiosa. Diretor interessado na temática do presídio, até por ter trabalhado como agente penitenciário por sete anos, chegou a ganhar visibilidade nos festivais com a maneira pungente com que tratava aquele ambiente e as pessoas que lá trabalhavam, cumpriam pena ou as que visitavam os presos, como no curta A FÁBRICA (2011). Mas a virada na carreira de Muritiba se deu mais recentemente, quando ele mudou o foco de suas atenções, a partir do thriller PARA MINHA AMADA MORTA (2015) e do horror TARÂNTULA (2015).
Se em PARA MINHA AMADA MORTA o conteúdo de um vídeo seria o catalisador do destino do protagonista – ele descobre que sua esposa falecida tinha um caso com outro homem através de uma fita VHS -, no novo FERRUGEM (2018) é também um vídeo o responsável pelo estrago que acontece na vida dos dois protagonistas.
O vídeo em questão foi filmado com câmera de celular e mostra um momento de intimidade entre dois adolescentes colegiais. A primeira parte do filme foca em Tati (Tiffany Dopke), que terminou um namoro recentemente e começa a conversar com um rapaz mais tímido e arredio, Renet (Giovanni de Lorenzi). O filme parece dar a impressão de que a partir da conversa que os dois têm vai surgir uma história de amor, mas a garota fica logo assustada quando seu aparelho celular desaparece.
No entanto, isso não é nada perto do que se transformará a sua vida no dia seguinte, ao saber que o vídeo íntimo presente no celular foi viralizado e ela passa a ser vista por toda a escola como vadia ou algo parecido. Ao abordar em especial esta parte do filme, Muritiba deixa bem claro o modo diferente com que o vídeo atinge os presentes: o ex-namorado de Tati leva tudo na brincadeira. Para ela, porém, o vídeo representa um pesadelo insuportável.
Acabei lembrando do que uma professora amiga minha falou sobre a necessidade de as mulheres se unirem para ajudar a desestruturar a sociedade machista instituída e principal motor para tragédias como a mostrada no filme. Afinal, na trama, as próprias garotas se afastam de Tati, a família é ausente em apoio e as famílias das colegas incentivam o afastamento de suas filhas dessa menina de comportamento impróprio. Hipocrisia e falta de empatia imperam.
A segunda parte do filme, mais longa, mais angustiante e mais contemplativa, lança seus holofotes para Renet, o jovem com quem Tati havia conversado na primeira parte. O papel do pai de Renet, vivido pelo excelente Enrique Diaz, ganha mais força nesta segunda parte, enfatizando o aspecto. A história dessa vez se passa em uma cidade litorânea, e há a importante visita da mãe até então ausente de Renet, que aparece grávida.
Essa questão da gravidez da mãe e o fato de ela ter abandonado os filhos para viver a sua vida não é algo visto com bons olhos por Renet. Ao contrário, o rapaz evita atender os telefonemas da mãe ou qualquer contato com ela. Eis mais um elemento importante para dar pano para a manga no que se refere à maior cobrança das mulheres na sociedade machista, que vive em um momento de crescimento com a onda conservadora, na contramão de uma linha mais progressista que vinha até então se formando.
FERRUGEM pode não ser o tipo de filme que agrada imediatamente durante a metragem, mas que aos poucos vai ganhando força na memória afetiva, tanto pela beleza da construção das cenas, quanto pelas discussões que levanta.
+ TRÊS FILMES
O NOME DA MORTE
Um filme herdeiro de um tipo de cinema que se fazia muito bem no Brasil dos anos 1970. Uma pena que deve acabar sendo visto por poucas pessoas, pois tem uma narrativa muito enxuta e fluida e um veneno bem próprio nascido do drama do personagem pistoleiro. O título internacional do filme é 492, o número de mortes do protagonista. Baseado em uma história real. Direção: Henrique Goldman. Ano: 2017.
ALGUMA COISA ASSIM
Acho o curta mais redondinho e mais bem resolvido, mas o longa traz mais coisas para a discussão, como a questão do aborto. A brincadeira com os três tempos também ficou boa, ainda que não tão boa quanto gostaríamos. O problema do filme talvez seja o personagem masculino, já que Caroline Abras arrasa de novo. Nos três tempos. Direção: Esmir Filho e Mariana Bastos. Ano: 2017.
A DESTRUIÇÃO DE BERNADET
Considerado por muitos como o maior crítico de cinema do Brasil, Jean Claude Bernadet ganha aqui mais um filme em torno de si. Provavelmente o mais importante, no sentido de ser um longa-metragem sobre ele, mas também sabendo brincar com a ficção, com a performance. Achei o monólogo final um pouco cansativo, mas talvez esteja ali muito do significado do filme. Por isso é importante prestar bem atenção. Direção: Claudia Priscilla e Pedro Marques. Ano: 2016.
Se em PARA MINHA AMADA MORTA o conteúdo de um vídeo seria o catalisador do destino do protagonista – ele descobre que sua esposa falecida tinha um caso com outro homem através de uma fita VHS -, no novo FERRUGEM (2018) é também um vídeo o responsável pelo estrago que acontece na vida dos dois protagonistas.
O vídeo em questão foi filmado com câmera de celular e mostra um momento de intimidade entre dois adolescentes colegiais. A primeira parte do filme foca em Tati (Tiffany Dopke), que terminou um namoro recentemente e começa a conversar com um rapaz mais tímido e arredio, Renet (Giovanni de Lorenzi). O filme parece dar a impressão de que a partir da conversa que os dois têm vai surgir uma história de amor, mas a garota fica logo assustada quando seu aparelho celular desaparece.
No entanto, isso não é nada perto do que se transformará a sua vida no dia seguinte, ao saber que o vídeo íntimo presente no celular foi viralizado e ela passa a ser vista por toda a escola como vadia ou algo parecido. Ao abordar em especial esta parte do filme, Muritiba deixa bem claro o modo diferente com que o vídeo atinge os presentes: o ex-namorado de Tati leva tudo na brincadeira. Para ela, porém, o vídeo representa um pesadelo insuportável.
Acabei lembrando do que uma professora amiga minha falou sobre a necessidade de as mulheres se unirem para ajudar a desestruturar a sociedade machista instituída e principal motor para tragédias como a mostrada no filme. Afinal, na trama, as próprias garotas se afastam de Tati, a família é ausente em apoio e as famílias das colegas incentivam o afastamento de suas filhas dessa menina de comportamento impróprio. Hipocrisia e falta de empatia imperam.
A segunda parte do filme, mais longa, mais angustiante e mais contemplativa, lança seus holofotes para Renet, o jovem com quem Tati havia conversado na primeira parte. O papel do pai de Renet, vivido pelo excelente Enrique Diaz, ganha mais força nesta segunda parte, enfatizando o aspecto. A história dessa vez se passa em uma cidade litorânea, e há a importante visita da mãe até então ausente de Renet, que aparece grávida.
Essa questão da gravidez da mãe e o fato de ela ter abandonado os filhos para viver a sua vida não é algo visto com bons olhos por Renet. Ao contrário, o rapaz evita atender os telefonemas da mãe ou qualquer contato com ela. Eis mais um elemento importante para dar pano para a manga no que se refere à maior cobrança das mulheres na sociedade machista, que vive em um momento de crescimento com a onda conservadora, na contramão de uma linha mais progressista que vinha até então se formando.
FERRUGEM pode não ser o tipo de filme que agrada imediatamente durante a metragem, mas que aos poucos vai ganhando força na memória afetiva, tanto pela beleza da construção das cenas, quanto pelas discussões que levanta.
+ TRÊS FILMES
O NOME DA MORTE
Um filme herdeiro de um tipo de cinema que se fazia muito bem no Brasil dos anos 1970. Uma pena que deve acabar sendo visto por poucas pessoas, pois tem uma narrativa muito enxuta e fluida e um veneno bem próprio nascido do drama do personagem pistoleiro. O título internacional do filme é 492, o número de mortes do protagonista. Baseado em uma história real. Direção: Henrique Goldman. Ano: 2017.
ALGUMA COISA ASSIM
Acho o curta mais redondinho e mais bem resolvido, mas o longa traz mais coisas para a discussão, como a questão do aborto. A brincadeira com os três tempos também ficou boa, ainda que não tão boa quanto gostaríamos. O problema do filme talvez seja o personagem masculino, já que Caroline Abras arrasa de novo. Nos três tempos. Direção: Esmir Filho e Mariana Bastos. Ano: 2017.
A DESTRUIÇÃO DE BERNADET
Considerado por muitos como o maior crítico de cinema do Brasil, Jean Claude Bernadet ganha aqui mais um filme em torno de si. Provavelmente o mais importante, no sentido de ser um longa-metragem sobre ele, mas também sabendo brincar com a ficção, com a performance. Achei o monólogo final um pouco cansativo, mas talvez esteja ali muito do significado do filme. Por isso é importante prestar bem atenção. Direção: Claudia Priscilla e Pedro Marques. Ano: 2016.
quarta-feira, outubro 03, 2018
UMA NOITE DE 12 ANOS (La Noche de 12 Años)
Nós, brasileiros, estamos vivendo um dos momentos mais perigosos de nossa História, com a possibilidade de eleição de um candidato à presidência que flerta com a ditadura militar e com os torturadores, tendo deixado isso bem claro em diversas declarações. Por isso que a primeira coisa que eu pensei ao sair da sessão de UMA NOITE DE 12 ANOS (2018), de Álvaro Brechner, foi: este filme deveria passar numa Tela Quente da vida, para que a maior quantidade possível de brasileiros pudesse assistir. É lamentável que ele fique relegado ao pequeno circuito, um espaço que costuma já ser frequentado por pessoas de linha progressista.
O filme conta uma história que foi repetida em quase todos os países da América Latina: o surgimento de ditaduras militares nos anos 1960 e 1970, patrocinadas pelo governo americano, com medo de uma possível transformação desses países em repúblicas comunistas. Os tempos eram outros, mas atualmente a falta de noção domina e o velho discurso anticomunista volta à tona com a ascensão da extrema direita no mundo.
Por isso a urgência de uma obra como UMA NOITE DE 12 ANOS, desde já candidato do Uruguai ao Oscar de filme estrangeiro. Muito do interesse do filme se dá pela presença de um personagem muito importante e querido dos sistemas democráticos recentes, José Mujica, ex-presidente do Uruguai. Ele e mais dois amigos foram presos e torturados durante 12 anos e o filme acompanha esse processo com muita desenvoltura narrativa. Não que seja um filme novo do ponto de vista formal. É até bastante tradicional. Mas isso é até positivo, para alcançar um público maior.
Na trama, Mujica, (Antonio de la Torre), o poeta Mauricio Rosencof (Chino Darin) e o político e jornalista Eleutério Fernández Huidobro (Alfonso Tort) passam por várias prisões diferentes ao longo dos anos, impossibilitados de se comunicar um com o outro ou com qualquer outra pessoa. São tratados como se fossem elementos extremamente perigosos para o sistema implantado. Uma vez que o ódio aos comunistas era comum entre os militares, o tratamento que eles recebiam era proporcional a esse ódio.
A cada contagem dos dias e da mudança dos espaços, sentimos a perda da esperança daqueles homens. Dos três, Mujica foi o que mais se aproximou de enlouquecer, já que não obteve um elo de comunicação como os dois outros conseguiram em determinado momento, através de batidas na parede, criando códigos. Para não ficar tão carregado de tragédia, Brechner até traz um pouco de humor, embora o riso surja às vezes do ridículo da situação, como na cena em que um dos prisioneiros está algemado e não consegue sentar na privada para defecar. Os militares imbecis não conseguem tomar uma decisão sem perguntar a seus superiores.
Rosencof até conquistou a simpatia de um sargento ao ajudá-lo a conquistar a mulher que ele desejava, através da escrita de cartas. São esses talvez os momentos mais leves do filme, cujo tom é de uma escuridão tão penetrante que até sentimos uma diferença enorme na fotografia sempre que vemos as poucas imagens de exteriores. Há uma cena em que um deles pede para que lhe tire por favor as vendas, de modo que ele possa pelo menos olhar para o céu por um minuto.
À medida que o tempo da ditadura se aproxima do fim, a partir de um plebiscito, assim como aconteceu também no Chile, vamos ganhando um pouco mais de alegria e esperança, embora esse sentimento mais positivo seja nublado pelo fato de que os 12 anos que aqueles homens perderam na prisão jamais serão recuperados novamente. Ainda assim, não deixa de haver um sentimento agridoce de vitória, principalmente quando lemos sobre os destinos desses três homens no campo da política e das artes. Mas, como o tempo é cíclico, a luta continua. As ameaças também.
+ TRÊS FILMES
Z
O começo do filme é confuso pra caramba, mas depois, com as investigações, tudo passa a fazer mais sentido. O tom de confusão do começo era pra ser mesmo. Era o tom da França em 1968. E o filme se parece demais com o mundo de hoje. Inclusive com o Brasil de hoje. Impressionante. Direção: Costa-Gavras. Ano: 1969.
CAMOCIM
Da série de documentários que se constroem como dramas e que têm enriquecido o cinema brasileiro contemporâneo, CAMOCIM tem sua urgência, pois apresenta a imagem do Brasil dividido a partir das eleições municipais de uma pequenas cidade de Pernambuco. Ótima a protagonista, cabo eleitoral de um vereador. Bom também ver o ridículo de ambos os lados e o quanto o povo vira fantoche fácil dos políticos. Direção: Quentin Delaroche. Ano: 2017.
UMA QUESTÃO PESSOAL (Una Questione Privata)
Fui com muito interesse e muita boa vontade ver o último filme dos irmãos Taviani, mas infelizmente achei muito difícil de me sensibilizar ou mesmo de me envolver com a obra. Até fico me perguntando novamente se é uma espécie de mal do cinema italiano contemporâneo. Este filme em particular tem o problema de não trazer envolvimento emocional nas cenas de flashback do protagonista com a garota que ele ama. Acerta um pouco no que há de maior, que é a questão da guerra, enquanto ele passa por essa busca interior. Direção: Paolo Taviani. Ano: 2017.
O filme conta uma história que foi repetida em quase todos os países da América Latina: o surgimento de ditaduras militares nos anos 1960 e 1970, patrocinadas pelo governo americano, com medo de uma possível transformação desses países em repúblicas comunistas. Os tempos eram outros, mas atualmente a falta de noção domina e o velho discurso anticomunista volta à tona com a ascensão da extrema direita no mundo.
Por isso a urgência de uma obra como UMA NOITE DE 12 ANOS, desde já candidato do Uruguai ao Oscar de filme estrangeiro. Muito do interesse do filme se dá pela presença de um personagem muito importante e querido dos sistemas democráticos recentes, José Mujica, ex-presidente do Uruguai. Ele e mais dois amigos foram presos e torturados durante 12 anos e o filme acompanha esse processo com muita desenvoltura narrativa. Não que seja um filme novo do ponto de vista formal. É até bastante tradicional. Mas isso é até positivo, para alcançar um público maior.
Na trama, Mujica, (Antonio de la Torre), o poeta Mauricio Rosencof (Chino Darin) e o político e jornalista Eleutério Fernández Huidobro (Alfonso Tort) passam por várias prisões diferentes ao longo dos anos, impossibilitados de se comunicar um com o outro ou com qualquer outra pessoa. São tratados como se fossem elementos extremamente perigosos para o sistema implantado. Uma vez que o ódio aos comunistas era comum entre os militares, o tratamento que eles recebiam era proporcional a esse ódio.
A cada contagem dos dias e da mudança dos espaços, sentimos a perda da esperança daqueles homens. Dos três, Mujica foi o que mais se aproximou de enlouquecer, já que não obteve um elo de comunicação como os dois outros conseguiram em determinado momento, através de batidas na parede, criando códigos. Para não ficar tão carregado de tragédia, Brechner até traz um pouco de humor, embora o riso surja às vezes do ridículo da situação, como na cena em que um dos prisioneiros está algemado e não consegue sentar na privada para defecar. Os militares imbecis não conseguem tomar uma decisão sem perguntar a seus superiores.
Rosencof até conquistou a simpatia de um sargento ao ajudá-lo a conquistar a mulher que ele desejava, através da escrita de cartas. São esses talvez os momentos mais leves do filme, cujo tom é de uma escuridão tão penetrante que até sentimos uma diferença enorme na fotografia sempre que vemos as poucas imagens de exteriores. Há uma cena em que um deles pede para que lhe tire por favor as vendas, de modo que ele possa pelo menos olhar para o céu por um minuto.
À medida que o tempo da ditadura se aproxima do fim, a partir de um plebiscito, assim como aconteceu também no Chile, vamos ganhando um pouco mais de alegria e esperança, embora esse sentimento mais positivo seja nublado pelo fato de que os 12 anos que aqueles homens perderam na prisão jamais serão recuperados novamente. Ainda assim, não deixa de haver um sentimento agridoce de vitória, principalmente quando lemos sobre os destinos desses três homens no campo da política e das artes. Mas, como o tempo é cíclico, a luta continua. As ameaças também.
+ TRÊS FILMES
Z
O começo do filme é confuso pra caramba, mas depois, com as investigações, tudo passa a fazer mais sentido. O tom de confusão do começo era pra ser mesmo. Era o tom da França em 1968. E o filme se parece demais com o mundo de hoje. Inclusive com o Brasil de hoje. Impressionante. Direção: Costa-Gavras. Ano: 1969.
CAMOCIM
Da série de documentários que se constroem como dramas e que têm enriquecido o cinema brasileiro contemporâneo, CAMOCIM tem sua urgência, pois apresenta a imagem do Brasil dividido a partir das eleições municipais de uma pequenas cidade de Pernambuco. Ótima a protagonista, cabo eleitoral de um vereador. Bom também ver o ridículo de ambos os lados e o quanto o povo vira fantoche fácil dos políticos. Direção: Quentin Delaroche. Ano: 2017.
UMA QUESTÃO PESSOAL (Una Questione Privata)
Fui com muito interesse e muita boa vontade ver o último filme dos irmãos Taviani, mas infelizmente achei muito difícil de me sensibilizar ou mesmo de me envolver com a obra. Até fico me perguntando novamente se é uma espécie de mal do cinema italiano contemporâneo. Este filme em particular tem o problema de não trazer envolvimento emocional nas cenas de flashback do protagonista com a garota que ele ama. Acerta um pouco no que há de maior, que é a questão da guerra, enquanto ele passa por essa busca interior. Direção: Paolo Taviani. Ano: 2017.