sábado, junho 30, 2012

PARA ROMA COM AMOR (To Rome with Love)



Um novo Woody Allen é sempre motivo de alegria. Ainda que seja um Woody Allen "menor". Talvez seja o caso de PARA ROMA COM AMOR (2012), que é bem menos ambicioso que MEIA NOITE EM PARIS (2011), seu filme anterior. Mas ao mesmo tempo, trata-se de um trabalho bem mais engraçado, mais solto, que provoca boas gargalhadas, especialmente para quem é mais íntimo do cinema do diretor. E a Itália tem tudo a ver com Allen. Ele já confessou que seu diretor favorito é Federico Fellini e não Ingmar Bergman, como muita gente suspeita. Tanto que já chegou a fazer homenagem explícita ao cineasta italiano em CELEBRIDADES (1998).

Falando em celebridades, um dos quatro núcleos de PARA ROMA COM AMOR é o de Roberto Benigni, que interpreta um sujeito que tem uma vida muito pacata e que, inexplicavelmente, da noite para o dia, se torna uma celebridade. Muito divertido o modo como Allen faz essa paródia das celebridades instantâneas. E Benigni está muito bem no papel. Só quem não gosta mesmo do comediante para desconsiderar a sua contribuição valiosa para o filme.

Interessante notar que Allen, se quisesse fazer um filme em episódios, poderia muito bem dividi-lo em quatro partes separadas, já que as quatro histórias do filme não se encontram em momento algum. Aí ficaria uma homenagem ainda mais explícita aos filmes italianos de segmentos, tão comuns na década de 1960. Em vez disso, ele preferiu intercalar as histórias, para dar certa unidade ao filme.

Outra história envolve Alec Baldwin, um arquiteto que já morou em Roma e que conhece um estudante de arquitetura (Jesse Eisenberg) na rua. Logo ele se transforma numa espécie de consciência do jovem rapaz, que se vê atraído pela amiga de sua namorada, que chega para visitá-los. A namorada é Greta Gerwig; a amiga é Ellen Page. A personagem de Page reúne todas as qualidades de uma mulher atraente, somando o fato de ser neurótica, que é um tempero a mais para as mulheres de Allen se tornarem ainda mais irresistíveis.

Alec Baldwin lembra o coro grego de PODEROSA AFRODITE (1995), alertando ao jovem que ele vai se apaixonar pela amiga da esposa e que vai se dar mal. Nesse núcleo, também destaco o momento em que os personagens de Eisenberg e Page estão sozinhos nas ruínas da velha civilização e começa a chover e trovejar. Como ele é comprometido, a cena remete à sequência antológica do beijo em MARIDOS E ESPOSAS (1992), quando Allen beija Juliette Lewis, num corajoso momento de sua vida em que ele estava traindo Mia Farrow com Soon Yi Previn.

O terceiro núcleo envolve o próprio Woody Allen, no papel de um diretor de óperas americano que chega a Roma para conhecer o novo namorado de sua filha (Alison Pill) e que descobre na figura do pai do rapaz (o astro da ópera Fabio Armiliato) um gênio e quer levá-lo para se tornar uma celebridade respeitada no meio da música erudita. Ver Allen novamente em cena é um prazer e muito divertido.

O último núcleo envolve um casal de visitantes italianos que planeja mudar de vida em Roma. Um bem-vindo desencontro acontece na vida deles, quando ela resolve sair para ajeitar o cabelo em um cabeleireiro e se perde pela cidade e ele é confundido com outra pessoa e é visitado pela prostituta vivida por Penélope Cruz. No fim das contas, ele e a prostituta precisam fingir que são marido e mulher, causando uma série de situações bem divertidas, com Penélope bem à vontade no papel. É nesse núcleo que aparece Ornella Muti, em participação apenas simbólica.

No mais, a leveza e a descontração do filme e a série de pequenas histórias que remetem à "chanchada" italiana trazem um prazer que poucos filmes recentes conseguem proporcionar. E mais uma vez mostra a genialidade desse cineasta que brinca com a própria situação, ao falar, na boca de seu personagem, que não deseja se aposentar, pois isso indicaria a morte iminente. Por isso, que ele continue seguindo sua jornada de um filme por ano, seja na Europa, seja nos EUA. Para a nossa alegria. E para a da enorme lista de atores e atrizes que desejam trabalhar com o diretor, mesmo sabendo que não vão ganhar muito dinheiro com isso. É apenas pelo prazer e pelo prestígio de trabalhar com Allen.

sexta-feira, junho 29, 2012

HIT & MISS



A premissa é convidativa, assim como a atriz que a interpreta: Chloë Sevigny. Ela é Mia, uma transexual que ganha a vida trabalhando como assassina profissional para um mafioso. Um dia ela recebe uma carta sobre uma mulher com quem ela teve um namoro no passado, de quando ela ainda era um rapaz. Essa mulher morreu recentemente de câncer. Na carta, ela fica sabendo também que é pai de um garotinho. Depois que conhece o fillho, ela acaba entrando na vida daquela humilde família.

HIT & MISS (2012) é uma produção inglesa que fez algum sucesso nas últimas semanas entre os meios virtuais, mas que não foi tão bem sucedida em audiência no canal que a exibiu, o Sky Atlantic, o que deixa dúvidas se ela será ou não renovada para uma segunda temporada, mesmo tendo terminado com um gancho. A série (ou minissérie, ainda não se sabe) de seis capítulos, apesar de ser bem agradável e um tanto viciante, tem os seus problemas.

O principal deles está na má construção dos personagens. A própria protagonista nem é bem trabalhada e muitas sequências parecem forçadas, como a própria intenção de mostrar o bilau da moça em cenas de intimidade em quase todo episódio. No primeiro episódio achei importante mostrar, mas depois acaba se tornando meio apelativo. É também no primeiro episódio que a vemos cantando "Let me kiss you", do Morrissey, em um karaoke bar decadente, para explicitar a sua solidão.

O forte de HIT & MISS está nas locações e no capricho nas imagens, especialmente quando a série se move para o ambiente rural da casa da família em que Mia acaba tomando as rédeas como líder. As tomadas gerais são bonitas e revelam um mundo que serviria de oásis para a vida pouco agradável que ela leva na cidade. Embora os demais personagens pareçam muito frágeis na construção, curiosamente, o que melhor se desenvolve ao longo da série é o pequeno Ryan, filho de Mia.

E assim Chloë Sevigny vai somando mais uma personagem interessante à sua controversa filmografia, que revela um gosto por tipos marginais e a torna uma das atrizes mais interessantes de sua geração.

P.S.: No blog do Diário do Nordeste, tem uma matéria sobre a incursão de Alan Moore como diretor de cinema. O texto pode ser lido AQUI.

quinta-feira, junho 28, 2012

CONSPIRAÇÃO AMERICANA (The Conspirator)



Oitavo filme na direção de Robert Redford, CONSPIRAÇÃO AMERICANA (2010) mais uma vez mostra a sensibilidade do diretor/ator para assuntos relacionados à política, além de um domínio impressionante da tensão e da emoção em um filme de tribunal que se passa logo após o assassinato de Abraham Lincoln. O diretor também tem a sorte de trabalhar com um elenco de primeira. Em CONSPIRAÇÃO AMERICANA, ele pôde contar com James McAvoy, Robin Wright, Kevin Kline, Evan Rachel Wood, Tom Wilkinson, Justin Long e Danny Huston.

Já havia visto dois filmes inspirados em Abraham Lincoln: A MOCIDADE DE LINCOLN e O PRISIONEIRO DA ILHA DOS TUBARÕES, ambos de John Ford. Mas se o primeiro só mostrava o homem de bem que se tornaria Presidente dos Estados Unidos, o segundo mostrava um homem que foi preso erroneamente como culpado e não teve ninguém para defendê-lo.

CONSPIRAÇÃO AMERICANA trata de esclarecer melhor a situação do assassinato e das circunstâncias em que o país se encontrava. Em pleno fim da Guerra Civil, um ator de teatro, John Wilkes Booth, atira no Presidente, tirando sua vida, e grita uma frase em latim, considerando estar vingando os perdedores do sul do país. Assim, o filme nos dá uma noção de como estava o país naquele momento de forte ruptura.

O filme mostra a dificuldade de um jovem advogado (McAvoy), que já lutou na guerra como capitão do lado da União, em defender uma senhora acusada de conspiração, Mary Surratt (Robin Wright), que abrigou em sua pensão, momentos antes do assassinato, o grupo responsável pela morte de Lincoln. Ela se diz inocente e afirma não ter ligações com a conspiração. Mas não adianta muito, pois os membros do tribunal querem de qualquer jeito levá-la à forca. Assim, o filme acompanha a via crúcis da réu e de seu advogado, que toma o caso com muita vontade de fazer justiça e evitar que uma inocente seja executada.

CONSPIRAÇÃO AMERICANA é tenso e emocionante. A tensão se estabelece principalmente nas cenas de tribunal e a emoção está no vínculo afetivo que se cria entre o advogado e Mary Surratt. Quase uma relação entre mãe e filho. E nesse sentido, torna-se fácil para o espectador também sofrer junto com os personagens. O filme de Redford é um dos melhores dramas de tribunal dos últimos anos e que ainda oferece uma bela aula de História para o espectador. Uma pena que esteja passando quase desapercebido nos cinemas.

P.S.: Saíram os indicados ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Confiram AQUI.

quarta-feira, junho 27, 2012

O BANDIDO DA LUZ VERMELHA



Vendo os extras do DVD da versão restaurada de O BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968), achei interessante o que falou Inácio Araújo descrevendo a ruptura que o filme de Rogério Sganzerla representou e o quanto os cineastas do chamado Cinema Marginal (Sganzerla, Júlio Bressane, Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias e outros) pareciam um só bloco em contrapartida com os cineastas do Cinema Novo, que naquele momento, embora não tivessem conquistado o público, tinham se firmado como uma espécie de "cinema oficial". Depois ele fala que, na verdade, cada um desses cineastas, não apenas os do Cinema Novo, como os do Cinema Marginal, também mostrariam ter suas próprias particularidades.

O filme surgiu praticamente no mesmo tempo que saiu o AI-5 e, assim como o Tropicalismo, que nascia nessa época (1967-68), transcendia a política, que se tornava insuficiente naquele momento. A revolução não estava em partidos políticos, estava no corpo e na mente; não era nacional, era global. E interessante esse vaivém de tendências entre nacionalismos e irreverências com o nacional - na literatura também ocorreu com o Romantismo e o Modernismo, por exemplo. O Tropicalismo foi uma espécie de continuação das ideias dos modernistas de 1922, só que com um alcance muito maior, pois havia a música e o cinema como elementos principais.

Um dos discursos do bandido do filme (Paulo Vilaça) é bem interessante nesse sentido e é bem explicado nos extras do filme por Carlos Ebert e Helena Ignez. É quando ele diz: "Sozinho a gente não vale nada". E depois diz: "E daí?". Esse "e daí?" faz toda a diferença, pois desfaz a frase anterior, que parece muito o discurso manjado da esquerda da época. E a ideia na época era se aproximar mais do anarquismo. Por isso a frase mais conhecida do filme é: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba", também dita pelo bandido.

Senti necessidade de rever o filme, que vi num Corujão na Rede Globo na aurora de minha cinefilia, graças à sua ''continuação", LUZ NAS TREVAS (2012), de Helena Ignez, que já está passando em alguns cinemas do Brasil, mas que ainda não chegou por aqui. Na época que o vi não tinha conhecido nada do Godard ainda, por isso não podia fazer nenhuma relação ou reconhecer as influências. Devo ter visto o filme como boa parte do público o viu na época, pois dizem que O BANDIDO DA LUZ VERMELHA teve grande sucesso popular.

E isso não deixa de ser curioso, pois o filme é bem moderno, ou pós-moderno, melhor dizendo. O que não o torna tão fácil para assimilar. Sem falar que na época, o som não era muito bom e muitas das piadas do filme acabaram passando batidas pelo público. Mas de qualquer maneira, a agilidade do filme, sua montagem meio louca, com a retirada dos "tempos mortos", a narração sensacionalista de locutor de rádio e a própria figura do bandido foram o suficiente para atrair o público. Soube nos extras também o quão inventivo foi Sganzerla, ao utilizar, com poucos recursos, muitos planos-sequência, usando cadeiras de roda, tapetes e até mesmo o cameraman saltando de dentro de um carro em movimento.

Nos extras, muito legal o documentário em curta metragem que Sganzerla realizou antes de seu longa, o curta DOCUMENTÁRIO (1966), que mostra dois jovens transitando pelas ruas de São Paulo discutindo sobre o que fazer, falando muito de cinema, passando em frente a salas de exibição, em bancas de jornal e com uma dublagem bem precária, mas por isso mesmo muito interessante de ver. Há também um curta novo chamado B2 (2001), com direção e montagem de Sganzerla e Silvio Rinoldi. O curta é uma espécie de videoclipe com imagens representativas da época, e principalmente de sobras de O BANDIDO DA LUZ VERMELHA, ao som de samba, blues e Jimi Hendrix. B2 pode ser conferido pelo youtube AQUI.

terça-feira, junho 26, 2012

QUEM FOI JESSE JAMES? (The True Story of Jesse James)



Jesse James foi um dos mais célebres foras-da-lei da história americana. E o cinema tratou de dar continuidade à sua lenda, através de diversas produções, que focaram diferentes aspectos do anti-herói. QUEM FOI JESSE JAMES? (1957), de Nicholas Ray, é uma refilmagem de JESSE JAMES (1939), de Henry King. Ray ia para a França fazer o seu AMARGO TRIUNFO (1957), mas tinha que cumprir contrato para mais um filme com a Fox, que lhe sugeriu que fizesse um remake do já celebrado filme de King, que em sua época fez tanto sucesso que gerou uma continuação, dirigida por Fritz Lang: O RETORNO DE FRANK JAMES (1940).

Embora goste também do recente O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (2007), de Andrew Dominik, o meu preferido de todos os filmes envolvendo Jesse James continua sendo o sensacional MATEI JESSE JAMES (1949), de Samuel Fuller. Embora seja um filme que trate mais das angústias de Robert Ford, é uma obra bem mais impactante psicologicamente. Quanto ao filme de Ray, embora a Fox tenha feito a desfeita de cortar mais de meia hora de sua duração e de remontar o filme com inúmeros flashbacks contra a vontade do diretor, QUEM FOI JESSE JAMES? guarda muito de sua marca. O Jesse James de Ray, vivido por Robert Wagner, traz o arquétipo de outros personagens rebeldes e atormentados do autor.

O filme mostra os motivos pelo qual Jesse se tornou um criminoso. Que começou como fruto de desavenças surgidas durante os últimos anos da Guerra Civil. Seu irmão, Frank James (Jeffrey Hunter), lutou do lado dos confederados e continuou lutando, mesmo depois que o estado do Missouri aderiu aos ianques. Não querendo entregar o irmão, Jesse resolve, apesar da idade jovem, integrar as tropas. Mesmo depois que a guerra termina, ainda há uma rixa no estado entre aqueles que defendiam os interesses do sul e os do norte do país, o que levou Jesse a juntar um grupo de fazendeiros para roubar um banco dos ianques.

Quer dizer, o filme leva a crer que as intenções de Jesse, pelo menos inicialmente, eram mais políticas do que criminosas. Mas QUEM FOI JESSE JAMES? também mostra o seu lado sombrio: o que aprendeu a gostar de matar, aprendeu a gostar da aventura de assaltar um banco ou um trem. Uma das melhores cenas do filme acontece quando um dos planos de Jesse falha: o do assalto a um banco numa cidade de Minnesota. O domínio das cenas de ação de Ray torna a cena a mais empolgante do filme. Só achei meio estranho todos do bando aparecerem de casacos brancos, parecendo saídos de um filme de Sergio Leone. E tornando-se alvos fáceis para os habitantes da cidade, os quais eles subestimaram.

QUEM MATOU JESSE JAMES? obviamente não é uma obra-prima como JOHNNY GUITAR (1954), o primeiro western de Ray, talvez por culpa da Fox, mas ainda assim é um belo filme.

segunda-feira, junho 25, 2012

BELEZA ADORMECIDA (Sleeping Beauty)



Muito interessante este filme australiano da estreante Julia Leigh e que conta com os talentos físicos e artísticos de Emily Browning, que passa parte do filme nua. BELEZA ADORMECIDA (2011) é desses filmes hipnóticos e intrigantes, cujo andamento narrativo lento está longe de ser um convite ao sono. Ao contrário: cada momento do filme é interessante. Muita coisa da trama não é contada e fica para o espectador entender nas entrelinhas, nas elipses, naquilo que é apenas sugerido, como o amigo da protagonista, as constantes idas da moça a um médico para fazer um exame desconfortável e a maneira displicente como ela trata o trabalho e as coisas do cotidiano.

A personagem de Browning tem algo de irresponsável com relação à própria vida, sujeitando-se a conseguir dinheiro inicialmente em atividades múltiplas para pagar a faculdade e o aluguel, depois aceitando prestar um serviço para um grupo de velhos pervertidos, que durante um jantar sofisticado, querem ser servidos por garçonetes nuas ou seminuas. Em seguida, o mesmo grupo de senhores idosos oferece outro serviço: uma vez aceitando a oferta, a protagonista teria que ficar completamente sedada e nua numa cama e o velho que estaria com ela poderia fazer o que quisesse, mas sem penetrá-la ou machucá-la.

A moça foi corajosa em aceitar o papel e apesar de muitos considerarem o filme doentio ou algo do tipo, não deixa de ser muito interessante pelo horror que também pode causar. Não um horror convencional; não se trata de um filme de horror; mas um horror que lida com a perda, com a impotência, dos dois pontos de vista. O fato de não compreendermos as motivações da personagem contribui ainda mais para torná-la interessante e imprevisível. Pelo que andei lendo nas poucas críticas que li, o filme não foi bem recebido. Não entendi bem o motivo. Pra mim, filmes estranhos assim são raros e muito bem-vindos.

domingo, junho 24, 2012

E AÍ... COMEU?



Está longe de ser bom cinema, mas também não vou engrossar as já tantas críticas negativas e óbvias a E AÍ... COMEU? (2012), de Felipe Joffily, mesmo diretor da comédia juvenil MUITA CALMA NESSA HORA (2010), que tinha lá seus momentos engraçados. O diferencial de E AÍ... COMEU? é que se trata da adaptação de uma peça de Marcelo Rubens Paiva, e por isso tem uns diálogos interessantes. O ruim é que a presença de Bruno Mazzeo já remete ao horrível CILADA.COM, do ano passado, e faz colocarmos o filme no mesmo saco. E talvez até mereça mesmo. Quem mandou fazerem propaganda enganosa? Porque esse negócio de dizer que é a primeira comédia verdadeira sobre o amor só acredita quem é muito ingênuo mesmo.

No fim das contas, E AÍ... COMEU? nem é bem uma comédia para todos os sexos; é mais uma comédia masculina, muito embora as mulheres possam também gostar. Mas a estrutura do filme é de homens conversando sobre mulher e sacanagem em mesa de bar. Geralmente tirando alguma vantagem ou dizendo qual o jeito ideal de se pegar uma mulher. No fim das contas, antes mesmo que o filme explicite, percebemos que aquele trio de homens ali é cheio de inseguranças. E AÍ... COMEU? é um filme sobre a insegurança masculina.

Há o personagem de Bruno Mazzeo que acabou de se divorciar e sofre muito ainda com a falta da esposa (Tainá Müller), o homem casado (Marcos Palmeira) que está com o casamento de mal a pior, e desconfiando que a mulher (Dira Paes) está traindo-o, e há aquele que não consegue ficar num relacionamento sério (Emilio Orciollo Netto), é apaixonado por uma prostituta e tem dificuldade em terminar um livro. O filme até certo ponto lida bem com esse mal estar da insegurança, de mostrar o homem tentando segurar uma fachada de fodão, quando no fundo as coisas não são bem assim.

Se o filme tivesse se vendido como tal, com certeza não traria público aos cinemas. E por isso tiveram que usar a má fé de vendê-lo como uma comédia para se rir muito. Acontece que como uma comédia, o filme não funciona direito. Se é que ele funciona de alguma maneira. O diretor Felipe Joffily perdeu a oportunidade de dar dignidade ao seu filme, embora esteja bem longe de ser constrangedor quanto CILADA.COM (que não é dele, vale lembrar). Provavelmente na peça de Rubens Paiva essa fragilidade do homem no mundo contemporâneo fosse mais acentuada, o que tornaria o filme mais interessante. Mas o que importa são os números, não é mesmo?

sábado, junho 23, 2012

SOMBRAS DA NOITE (Dark Shadows)



Impressionante como um cineasta tão cultuado como Tim Burton chegou a um momento de sua carreira que se tornou irritante, de tão repetitivo e sem graça. Reciclando cada vez mais projetos dos outros e projetos dele mesmo, como o curta FRANKENWEENIE (1984), que ele agora está transformando em longa, o cineasta ainda tem a sua legião de fãs, mas o que eu mais vejo em seus filmes é uma obra toda baseada em direção de arte e na figura cada vez mais manjada e no piloto automático de Johnny Depp.

No caso de SOMBRAS DA NOITE (2012), pelo menos há um elenco mais agradável aos olhos, com a presença de Michelle Pfeiffer, Eva Green e Chloë Grace Moretz, que compensa um pouco a repetição de ver sempre Depp e a esposa Helena Bonham Carter, que também comparece neste novo filme. Há também coadjuvantes de luxo, como Alice Cooper, no papel dele mesmo, e uma ponta de Christopher Lee.

O filme é baseado numa série de televisão de Dan Curtis que durou de 1966 a 1971. Por isso, Burton resolveu ambientar seu filme no ano de 1972, como se estivesse dando continuidade à série. Na trama, que se inicia no século XVIII, uma bruxa (Eva Green) é apaixonada por um rapaz chamado Barnabas (Depp), que não corresponde ao seu sentimento. Depois de levar um fora, ela mata os pais do sujeito, mata a namorada e ainda o transforma num vampiro, enterrando-o num caixão, que só seria aberto quase dois séculos depois, quando um grupo de operários encontrou o estranho objeto e foi morto pelo sedento vampiro.

De volta ao lar e sem saber em que ano está, o vampiro cavalheiro e cheio de fleuma volta à sua antiga casa, hoje decadente e habitada por uma pequena família. Michelle Pfeiffer como a matriarca, a princípio é a única que sabe que Barnabas é um vampiro. Depois, com a entrada em cena de novo da bruxa, o filme poderia ficar melhor, mas em vez disso, vai ficando cada vez mais vazio. E assim é o cinema de Tim Burton. Cada vez mais intragável para muitos e ainda motivo de celebração para outros tantos.

P.S.: Mudando de assunto e falando de diretor de respeito, no blog do Diário do Nordeste, tem notícia sobre o controverso projeto de Paul Verhoeven sobre a vida de Jesus. Confira AQUI.

quinta-feira, junho 21, 2012

SETE CURTAS



Não está sendo fácil este mês de junho. Até o blog ficou meio prejudicado por causa dos artigos de final de semestre no mestrado. Mas como ando vendo poucos filmes, acho que até julho eu consigo escrever a respeito do que está atrasado. Por isso, na falta de tempo para escrever um texto minimamente mais elaborado, vamos logo matando sete coelhos com uma só caixa d'água: seis curtas-metragens vistos no Cine Ceará e mais um curta do Nelson Pereira dos Santos que entra de gaiato na história.

O RIO DE MACHADO DE ASSIS

Este curta de Nelson Pereira dos Santos nem parece que foi feito logo após VIDAS SECAS (1963), tal o jeito um tanto amador. Mas não deixa de ter o seu valor e a narração de Paulo Mendes Campos dá a O RIO DE MACHADO DE ASSIS (1965) o ar de merecedor respeito ao nosso romancista maior. Só achei que a duração podia ser um pouco maior. Foi lançado como extra no DVD de AZYLLO MUITO LOUCO (1971).

HERÓI ILUMINADO 

Um curta institucional em animação feito por crianças e patrocinado pela COELCE, a companhia de eletricidade do Ceará, HERÓI ILUMINADO (CE, 2012) lida com o dia-a-dia dos trabalhadores que arriscam a vida em postes para que a eletricidade chegue aos nossos lares. A narração feita por uma criança e o ponto de vista infantil tornam o curta no mínimo simpático. Foi o filme que abriu o festival, antes da exibição de VIOLETA FOI PARA O CÉU, de Andrés Wood.

LAMBARI 

Certos curtas eu não tenho ideia de como é que passam para a mostra competitiva de tão ruins que são. Não sei se é bem o caso deste LAMBARI (MG, 2012), de Márcio Soares. Ou eu não entendi a história (o que é provável), ou trata-se mesmo de um curta problemático na construção narrativa, que envolve pai e filho em um rio e um elemento fantástico que surge.

REALEJO 

Um dos mais belos curtas do festival, REALEGO (SP, 2012, foto), de Marcus Vinicius Vasconcelos, é uma animação bem sofisticada que lida com uma coruja que decide o destino da vida dos habitantes de um planeta, até que um desses homens, cansado da opressão, procura mudar seu destino. O filme ainda brinca com o próprio cinema. Um trecho do curta pode ser conferido AQUI. No Cine Ceará, ganhou o prêmio de melhor roteiro. 

DIZEM QUE OS CÃES VEEM COISAS

Baseado no conto homônimo do escritor cearense Moreira Campos, DIZEM QUE OS CÃES VEEM COISAS (CE, 2012), de Guto Parente, até tem um visual interessante e começa bem, mas termina de maneira horrível. Não pela canção do Falcão, que é legal, mas pelo tom grotesco que preferiu adotar. Se a intenção foi criticar a burguesia, o resultado foi pífio.

A GALINHA QUE BURLOU O SISTEMA 

Mais conhecido como o filho do Fernando Meirelles, Quico Meirelles mostra que pode não ficar mais à sombra do pai, se continuar indo tão bem. A GALINHA QUE BURLOU O SISTEMA (SP, 2012) já até passou na mostra "É Tudo Verdade", em São Paulo. Mostra uma galinha que descobre o seu destino e tenta tomá-lo de volta para si. Pelas imagens que mostra e a narração inteligente, é um trabalho claramente anti-matança de animais. No Cine Ceará, ganhou o prêmio Aquisição Canal Brasil.

DIA ESTRELADO

Utilizando a técnica de stop motion, DIA ESTRELADO (PE, 2011), de Nara Normande, talvez peque um pouco pela duração – acima dos 15 minutos. Mas é um trabalho bonito e que se apoia em atmosfera. O filme já anda colecionando prêmios pelo país. No Cine Ceará ganhou o Prêmio da Crítica.

segunda-feira, junho 18, 2012

THE KILLING – A SEGUNDA TEMPORADA COMPLETA (The Killing – The Complete Second Season)



O final da primeira temporada de THE KILLING não deixou muita gente satisfeita. Esperar mais um ano para saber quem matou Rosie Larsen pareceu incomodar a muitos. A mim não: até achei interessante. Se tudo tivesse sido resolvido na primeira, não teríamos um episódio duplo tão emocionalmente intenso quanto os que abrem a segunda temporada (2012), com todos os personagens chegando ao fundo do poço de suas vidas e a série deixando de lado um pouco o registro policial para entrar de cabeça no drama pesado.

Sarah Linden não confia mais no parceiro, que por sua vez entra numa situação complicada. Mitch Larsen resolve deixar a família enquanto o marido fica em casa sozinho aguentando as dificuldades de cuidar das crianças. Mas o pior de tudo é o candidato a prefeito Darren Richmond, que depois de levar um tiro no final da primeira temporada, se vê paralítico. Gwen, a namorada, sofre com a dor da culpa do que aconteceu com Richmond. Enfim, cada um enfrentando o seu próprio inferno pessoal.

Aos poucos, porém, a série volta aos trilhos, e a investigação do assassinato de Rosie vai se tornando cada vez mais complicada, com ramificações que levam ao gabinete do prefeito e ao de seu concorrente, a um cassino situado em território indígena (elemento claramente derivado de TWIN PEAKS) e a um grupo de mafiosos poloneses. Enquanto isso, Linden é perseguida pelo pai de seu filho, por não cuidar devidamente bem do jovem rapaz, agindo obsessivamente em relação ao caso. Para ela, enquanto o caso não for resolvido, ela não descansa.

E finalmente chega ao fim a longa jornada e o episódio final conta quem matou Rosie Larsen, com direito a flashbacks da garota em momentos importantes antes de sua morte. Se o resultado final traz furos ou não na trama, não sou eu quem vai atrás de procurar. Mas considero o desfecho bastante satisfatório e em certo momento poético. Ainda assim, tem algo na conclusão que não me deixou completamente satisfeito: talvez o fato de eu preferir ainda o mistério à clareza da resolução dos fatos. Mas o bonito da série é justamente não apontar exatamente pessoas más, mas pessoas comuns que cometem bobagens enormes e que precisam pagar por isso.

domingo, junho 17, 2012

PROMETHEUS



E o retorno de Ridley Scott ao gênero que o consagrou e mais especificamente ao filme que trouxe seu nome ao panteão dos cineastas mais talentosos de Hollywood - no caso, ALIEN - O 8º PASSAGEIRO (1979) - foi um sucesso. Pelo menos do ponto de vista artístico, pois a produção não está indo tão bem assim nas bilheterias, como esperado, para desespero da Fox. Talvez seja o caso de filme que se tornará cultuado com o tempo, como foi o caso de BLADE RUNNER - O CAÇADOR DE ANDRÓIDES (1982). O que é uma pena, pois se trata de uma produção a ser vista no cinema. De preferência numa sala 3D de qualidade, pois o filme foi produzido em 3D, com equipamento de última geração.

PROMETHEUS (2012) começa remetendo a 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick, inclusive com os personagens hibernando dentro de câmeras criogênicas, mas aos poucos o universo de ALIEN vai tomando conta da história e dos corpos de alguns personagens. E falando em personagens, foi muito feliz a escolha do elenco de PROMETHEUS. A sueca Noomi Rapace está vivendo seu momento de glória no cinema mundial, depois de ter sido descoberta em OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES, a versão sueca. No próximo ano, inclusive, já poderemos vê-la no tão aguardado novo filme de Brian De Palma, PASSION. Mas voltando a PROMETHEUS e a seu elenco, o filme ainda conta com Michael Fassbender (como o androide David) e Charlize Theron (como a representante do patrocinador da jornada).

O retorno de Scott ao universo de ALIEN foi cercado de muito mistério. Tanto que até pouco tempo antes da estreia o cineasta não havia confirmado que se tratava de fato de uma prequel de ALIEN – O 8º PASSAGEIRO. O trailer também não mostrava nada que remetesse às famosas criaturas. Apenas que se tratava de uma missão espacial com a finalidade ousada de descobrir a nossa origem, os nossos criadores, levando em consideração a teoria de que os deuses são astronautas. Assim, a tripulação chega a um planeta misterioso que traria ou não a tão almejada resposta.

No entanto, não precisamos dizer que, mais cedo ou mais tarde, o terror toma conta da história. O roteiro, feito a quatro mãos por Jon Spaihts (de A HORA DA ESCURIDÃO) e Damon Lindelof (uma das principais mentes criadoras da série LOST), tem sido criticado por algumas pessoas por deixar alguns pontos confusos, mas eu diria que esse detalhe contribui para o charme do filme. Se é uma obra imperfeita do ponto de vista narrativo, não diria que o é, quando pensamos em cenas tão fantásticas, como a da cirurgia de emergência, a da cabeça de David, a do primeiro ataque das criaturas na caverna, e várias outras.

Por isso, ouso destacar PROMETHEUS - que já carrega em seu próprio título uma força mitológica imensa - como um dos melhores trabalhos da carreira do hoje veterano Ridley Scott.

quinta-feira, junho 14, 2012

CARLOS REICHENBACH (1945-2012)



Uma das maiores alegrias de minha vida foi ter conhecido Carlos Reichenbach, este cineasta tão importante e tão culto, que fará uma imensa falta ao nosso cinema. Mas o que mais vai doer vai ser a saudade, o fato de eu saber que nunca mais o verei neste plano astral. O fato é que a minha vida mudou graças ao Carlão. E não estou dizendo nenhum exagero não. Cerca de 12 anos atrás, eu costumava escrever cartas para sua coluna no portal Terra. E ele as publicava e respondia com tanta atenção que eu continuei mandando os e-mails.

Em 2001, quando estava passando por uma crise amorosa braba, escrevi pra ele, depois de um tempo de reclusão e ele destacou em sua coluna, no título, entre outros assuntos, "a volta de um amigo". Nessa época, suas colunas passaram a ser publicadas no Cineclick. E foi nesse maio de 2001 que ele me convidou a ingressar numa lista de discussão de nome estranho: Cannibal Holocaust, dedicada a filmes de horror europeu e afins. Entrei na lista e de cara conheci um monte de pessoas que até hoje fazem parte do meu círculo de amizade, apesar da distância.

Em 2005, quando o Diário de um Cinéfilo ganhou o Quepe do Comodoro de melhor blog de cinema, eu não pude ir a São Paulo receber o prêmio, mas ele tratou generosamente de arranjar um jeito de fazer com que eu recebesse. Mas curiosamente, poucos meses depois, ele esteve presente no Cine Ceará para a exibição de BENS CONFISCADOS (2005). Quando subiu ao palco para apresentar o filme, dedicou-o a mim! Fiquei tão emocionado e sem palavras que nem consegui assistir direito o filme. Na conversa que tivemos no dia seguinte, após a entrevista coletiva com a imprensa, batemos um bom papo do lado de fora do hotel. Eu estava atrasado para o trabalho e não pude ficar muito. Deveria ter ficado.

Além da admiração como artista sofisticado que era, o carinho que passei a ter por ele fez com que eu o imaginasse como um pai que gostaria de ter tido. Ainda houve mais três ocasiões que nos encontramos: uma em Fortaleza e duas em São Paulo. Em 2006, numa conversa sensacional numa pizzaria, com os amigos Eduardo Aguilar, Renato Doho e Michel Simões; em 2008, quando ele veio novamente ao Cine Ceará exibir o seu último filme, o ótimo FALSA LOURA (2008); e outra em 2010, quando tive a honra de visitá-lo em seu apartamento, junto com Marcelo V., Ana Paul, Michel Simões e Vébis Jr. Ele já estava com a saúde um pouco debilitada, mas tinha sonhos imensos, projetos incríveis pela frente. E ficou tão feliz com a nossa visita e todos nós ficamos tão felizes naquela noite...

Dá para notar a importância que Carlão, esse intelectual de incrível sensibilidade que tanto teria ainda a nos ensinar com seus filmes, com suas referências literárias e musicais, dá para notar a importância e a falta que ele já está fazendo, mesmo tendo nos deixado há apenas algumas horas. Embora lamentemos sua falta, sabemos que as sementes que ele plantou seguirão dando bons frutos, como as amizades construídas, os filmes ainda a serem descobertos e analisados, e outros tantos servindo de influência para jovens realizadores. Vai em paz, mestre e amigo Carlão Reichenbach. Não tenho palavras para lhe agradecer.

quarta-feira, junho 13, 2012

BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (Snow White and the Huntsman)



Não resta dúvida de que BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (2012) é muito superior ao seu concorrente temático, ESPELHO, ESPELHO MEU. Porém, embora a distância de qualidade entre uma produção e outra seja gritante, o filme de estreia de Rupert Sanders perde um pouco da força a partir da entrada em cena dos anões. Até então, o clima sério e moderadamente violento do clássico conto infantil estava indo muito bem. Os exageros de Charlize Theron como vilã são muito bem vindos e eu diria que sem ela o filme não teria metade da força. Kristen Stewart como Branca de Neve perde feio em beleza para a Charlize, embora sua personagem seja boa. Mesmo porque seu jeito um tanto masculino combina com uma Branca de Neve guerreira.

Um dos grandes destaques do filme está no visual. Os efeitos especiais chamam a atenção, como quando a Rainha Má se transforma em corvos ou quando vai consultar o famoso espelho. Os 170 milhões da produção podem ser vistos no luxo da direção de arte, nos já citados efeitos visuais, na beleza das tomadas externas que valorizam o filme visto no cinema e na qualidade da fotografia. Nos aspectos técnicos, o filme é muito bom. Já nos aspectos narrativos, pena que lá pelo meio, a trama vai se tornando mais convencional, embora a opção de ter dois possíveis pares românticos para a Branca de Neve faça alguma diferença.

O legal do filme é lembrar mais uma vez o quanto esses contos de fadas podem ser violentos. Se BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR não o é suficientemente, é porque vivemos em tempos mais complicados. Mas é possível vislumbrar isso nos primeiros momentos do filme, quando a Rainha Má mata o rei com veneno e uma facada no peito. E há elementos de filmes de horror também, como quando ela suga a energia vital de uma garota para permanecer jovem e bela. Esses elementos se perdem quando o filme se assume como uma aventura. A seu favor está o interessante epílogo, que foge um pouco do que se esperaria.

terça-feira, junho 12, 2012

TRÊS REMAKES (OU QUASE)



A onda dos remakes tem trazido coisas cada vez mais desastrosas. É o caso de três cultuados trabalhos das décadas de 1970 e 1980 que ganharam nos últimos anos versões que não passam de sombras dos filmes que eles querem "homenagear". As aspas cabem pois sabemos que o que falta de criatividade, sobra de cara-de-pau no meio hollywoodiano atual. Vamos aos filmes, com poucas palavras, pois eles não merecem muito de nosso tempo.

DOCE VINGANÇA (I Spit on Your Grave)

O hoje clássico do horror rural A VINGANÇA DE JENNIFER (1978) ganhou uma versão atualizada que perde toda a crueza do filme original, embora a violência seja tão forte quanto a do anterior, compensando com sequências mais gráficas da garota indo à forra depois que é violentada e humilhada por um grupo de caipiras sádicos de uma cidadezinha. DOCE VINGANÇA (2010) foi o título que o remake recebeu no Brasil. No que se refere à história não há praticamente diferença com o original. Pelo menos, pelo que eu lembro. A principal diferença está no fato de o novo filme parecer incrivelmente ordinário nos dias de hoje.

A COISA (The Thing) 

Um filme que já começou sendo mal recebido pelos fãs, até pelo extremo amor que O ENIGMA DE OUTRO MUNDO (1982), de John Carpenter, até hoje desperta em novos e velhos fãs do trabalho do bom carpinteiro. Porém, dentre as três produções desse post, vale destacar que A COISA (2011) é o mais bem resolvido. O filme é uma espécie de prequel do trabalho do Carpenter. Se fosse analisado independentemente de seu objeto de inspiração, que por sua vez já era um remake caprichado de O MONSTRO DO ÁRTICO (1951), de Christian Nyby e Howard Hawks, o novo filme, dirigido pelo estreante em longas-metragens Matthijs van Heijningen Jr., tem a sua beleza e efeitos especiais bem caprichados, que mostram os monstros alienígenas de maneira tão boa ou até melhor que o filme de Carpenter, que foi produzido mais artesanalmente, enquanto que hoje é quase tudo feito via computação gráfica. A COISA ainda conta com a presença da gracinha Mary Elizabeth Winstead, a garota de farda colegial de À PROVA DE MORTE, do Tarantino. Ela mandou muito bem como protagonista. Se bem que ela já havia se destacado também em PREMONIÇÃO 3 e SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO. Mas foi o Tarantino que fez a estrela da garota subir de verdade.

SOB O DOMÍNIO DO MEDO (Straw Dogs)

É muito difícil receber uma refilmagem de um filme tão definitivo e singular quanto a obra que Sam Peckinpah realizou em 1971. O filme de Peckinpah, além de ter um clímax sensacional, além da performance genial de Dustin Hoffman e os peitos fantásticos de Susan George, há aquela polêmica cena do estupro que até hoje dá o que falar. Tudo isso é diminuído em efeito e intensidade neste novo SOB O DOMÍNIO DO MEDO (2011), embora o clímax até bem movimentado. Mas o diretor Rod Lurie não conta com um elenco bom o suficiente. Eles colocaram um elenco bonito para chamar a atenção, mas Kate Bosworth nem peitos tem. E quem ainda aguenta a cara de bocó de James Marsden? Aliás, vai ver foi por isso que o convidaram para o papel. E tem o "vampiro Eric" de TRUE BLOOD, o gigante Alexander Skarsgård, como o principal vilão. O filme não é de todo ruim se esquecemos o trabalho de Peckinpah. Mas ainda assim é um filme fácil de esquecer.

domingo, junho 10, 2012

AS NEVES DE KILIMANJARO (Les Neiges du Kilimandjaro)



Apesar do mesmo título de uma produção americana dirigida por Henry King em 1952, estrelada por Gregory Peck, Susan Hayward e Ava Gardner, o francês AS NEVES DE KILIMANJARO (2011), de Robert Guédiguian, traz uma história bem diferente. A relação com a África do filme americano aparece principalmente pelo fato de o casal de protagonistas ganhar uma passagem para o continente negro em um sorteio.

Guédiguian é um cineasta bem interessante. Só havia visto dois filmes dele, MARIE-JO E SEUS DOIS AMANTES (2002) e O ÚLTIMO MITTERRAND (2005), e ainda não entendi quais são seus temas recorrentes. Se é que existem. Seu estilo é geralmente pontuado por uma narrativa lenta, mas saborosa, com um ótimo domínio da técnica de narrativa, como um bom cineasta veterano costuma ter.

Os personagens de AS NEVES DE KILIMANJARO são particularmente adoráveis: pessoas simples que possuem uma moral digna. O próprio homem da família, Michel (Jean-Pierre Darroussin), durante uma crise em que é necessário demitir algumas pessoas de um sindicato, ele, mesmo sendo líder sindical, faz questão de colocar o seu nome também no sorteio. Não deu outra: ele foi sorteado e ficou desempregado junto com outra meia dúzia de funcionários.

O filme ganha mais força quando sua família e amigos são assaltados em sua própria casa por homens encapuzados, que levam, inclusive, as passagens que eles ganharam no sorteio. Depois da humilhação e do trauma, Michel acaba por descobrir um dos responsáveis pelo crime. Mas logo seu coração mole faz com que ele questione o seu ato de entregar o sujeito à polícia.

AS NEVES DE KILIMANJARO trata de pessoas do bem de modo quase tão estranho quanto O PORTO, de Aki Kaurismäki. Como se ser caridoso e ter o coração bom fosse algo inaceitável nos dias de hoje. Curiosamente, o mesmo ator, Darroussin, está em O PORTO. O filme de Guédiguian merece, no mínimo, nossa simpatia. E ele trata de conquistá-la facilmente.

sábado, junho 09, 2012

VIAGEM A JOÃO PESSOA (E RECIFE E OLINDA)



Durante três dias desta semana estive em João Pessoa-PB (e outras cidades que não estavam a princípio no roteiro), para participar de um Congresso Nacional sobre o poeta Augusto dos Anjos. Porém, o Congresso abria comunicações (apresentações orais de 15 minutos, com entrega de artigo para publicação) para outros assuntos relacionados à literatura. Como meu estudo de mestrado envolve a tradução de "Vidas Secas" para as telas, resolvi escrever um artigo a respeito de outras adaptações da literatura brasileira dirigidas por Nelson Pereira dos Santos. No caso, os contos "O Alienista" e "Missa do Galo", ambos de Machado de Assis, que no cinema se tornariam, respectivamente, AZYLLO MUITO LOUCO (1971) e A MISSA DO GALO (1978). Quem acompanha o blog já deve ter lido escritos meus sobre esses dois filmes.

Minha companheira de viagem foi a amiga Sarah, que acabou tornando a viagem mais divertida, com ousadias, como deixar João Pessoa logo após a apresentação dela e partirmos para Recife. Apesar dos percalços e de enfrentarmos o terrível engarrafamento da cidade, conseguimos chegar ao apartamento de sua amiga, Ana Carla, onde fomos muito bem recebidos, com direito a um delicioso jantar (não esqueço mais do purê de batatas) e um passeio por Olinda, idealizado pelo marido de Ana Carla, Nyzar, gente fina demais. O passeio por Olinda foi muito bom. Só havia visitado a cidade uma vez. Tinha me esquecido o quanto é bela: um grande centro histórico, onde a arte e a cultura convivem com a boemia.

Depois de dormir feito uma pedra (as noites no ônibus não são exatamente confortáveis), de tomar um ótimo café da manhã e de um passeio rápido pela praia de Boa Viagem, nos despedimos de nossa simpática e acolhedora anfitriã e partimos para a rodoviária. Não foi fácil chegar lá, pois o metrô que nos levaria mais rapidamente até lá estava em greve. Depois de muito sufoco, conseguimos chegar a tempo de pegar o ônibus e de estar em cima da hora para a minha apresentação no Congresso de João Pessoa.

Apesar de não ter dado certo a utilização dos slides que havia preparado, até que correu tudo bem. Acho que aos poucos estou me livrando das ansiedades e preocupações que antecedem essas apresentações públicas. O que pra mim já é uma grande vitória, já que não nasci com o dom da oratória, mas com uma timidez que tanto me atrapalhou ao longo dos anos. Enfim, acabamos não tendo paciência para ver nenhuma palestra do Congresso sobre Augusto dos Anjos. Em outra cidade, a vontade de sair e conhecer novos ares supera ter que ouvir textos acadêmicos lidos pelos palestrantes.

Assim, deixo aqui meus agradecimentos às pessoas que fizeram dessa rápida viagem particularmente especial, como as já citadas Sarah, Ana Carla e Nyzar; Larissa (que, gentilmente, nos deu carona até Recife); e mais Carlos Augusto e Saulo, com quem conversamos um bom tempo depois das comunicações, quando também pudemos testemunhar uma manifestação de estudantes e professores contra a eleição de um reitor em plena greve. Enquanto isso, uma forte chuva caía sobre João Pessoa.

Confira algumas fotos da viagem AQUI.

sexta-feira, junho 08, 2012

FEBRE DO RATO



Mais um filme de Cláudio Assis a despejar seu ácido sobre a sociedade dominante e com a coragem de colocar cenas de sexo ousadas em um momento em que o cinema brasileiro parece estar cada vez mais se desligando da sensualidade dos filmes de outrora, FEBRE DO RATO (2012) chega ao Cine Ceará participando da Mostra Competitiva de Longas-Metragens.

O filme destoa um pouco dos trabalhos anteriores de Assis, não apenas por optar por uma fotografia em preto e branco (dirigida lindamente por Walter Carvalho), mas por ir pelo caminho da poesia. O filme já inicia com a voz do poeta Zizo, interpretado por Irandhyr Santos (de TROPA DE ELITE 2), enquanto vemos imagens de um Recife sujo. As palavras que ele fala, em versos bonitos, também tratam desse lugar que desperta ao mesmo tempo revolta e amor. Zizo, além de poeta, publica um periódico de nome "Febre do Rato", às suas custas e feito com paixão, para divulgar também suas ideias anarquistas.

FEBRE DO RATO, inclusive, tem esse caráter bem verborrágico por causa do personagem. Mas o ponto positivo disso é que os poemas são incitadores, provocantes e líricos. O melhor amigo de Zizo é Pazinho (Matheus Nachtergaele), que mantém um relacionamento conturbado com um travesti. Zizo vive uma vida emocionalmente tranquila, apesar de carregada de emoções provocadas pelo seu estimulante natural, a poesia. Até o dia em que ele conhece Eneida (Nanda Costa), uma jovem garota que custa a dizer sim aos seus apelos amorosos.

O filme tem tomadas de cima lindas, especialmente quando flagram a personagem de Mariana Nunes em seu belo corpo nu, seja num balanço, seja depois de fazer sexo com três homens. Nesse sentido, o filme faz questão de expor os corpos nus dos personagens, não importando se são tão belos e atléticos quanto o de Mariana. O problema de FEBRE DO RATO está em uma busca por uma conclusão, que soa bastante forçada para um tipo de filme que parece fluir sem muita preocupação com a história.

Assim, o trabalho que parece ser o mais maduro de Assis acaba sendo o seu filme mais frágil. Mas isso é compensado com inúmeras sequências belas, como os diálogos espirituosos entre os personagens, que brincam com a própria ideia de Recife como um inferno na Terra; a sequência da discussão entre Pazinho e Wanessa, com uma edição caprichada, alternando três lugares diferentes; e a cena do barco com Zizo e Eneida, quando ele pede para que ele a veja urinando. Essa é uma das mais belas, românticas e memoráveis cenas do filme.

FEBRE DO RATO ganhou oito prêmios em Paulínia, nas categorias de filme de ficção, ator (Irandhyr Santos), atriz (Nanda Costa), fotografia (Walter Carvalho), montagem (Karen Harley), direção de arte (Renata Pinheiro), trilha sonora (Jorge Du Peixe) e prêmio da crítica.

O filme estreia no circuito comercial brasileiro no dia 22 de junho.

segunda-feira, junho 04, 2012

GAME OF THRONES – A SEGUNDA TEMPORADA COMPLETA (Game of Thrones – The Complete Second Season)



Não há como negar a ponta de desapontamento que a segunda temporada de GAME OF THRONES (2012) trouxe àqueles que ficaram empolgados com o ritmo, a violência, o erotismo e as emoções fortes da primeira. Mas também é preciso entender que se trata de uma adaptação de uma série de livros que vai ficando cada vez mais intrincada e cheia de personagens que dez episódios é muito pouco para dar conta de tanta informação. Assim, a impressão que fica é que é uma série que é mais curtida por quem lê os livros. Como não é o meu caso, eu acredito que a equipe criativa precisa dar um jeito de contornar esse problema na próxima temporada.

O grande destaque da segunda temporada foi, sem dúvida, Peter Dinklage, que passou da categoria de coadjuvante para protagonista. Seu personagem, Tyrion Lannister, é, sem dúvida, o mais carismático de toda a série. Sua adorável namorada também ajuda a trazer um pouco mais de romance e beleza. Gosto também da personagem de sua irmã, embora maléfica, vivida por Lena Headey. Sempre gostei, aliás. E há que se dar crédito ao odioso rei pivete malvado Joffrey. Sua maldade serve muitas vezes para tirar um pouco o sono que alguns momentos provocam.

Quanto aos Starks, todos espalhados pelo mundo criado por George R.R. Martin, ganharam mais personalidade. Mas sou tão desligado que cheguei ao ponto de confundir o FDP criado por Eddard Stark através de um acordo com outro rei com o seu filho legítimo. O "bastardo" Jon Snow é diferente dos outros, mas é um personagem bonzinho demais para ser apreciado e a "mãe dos dragões" Daenerys Targaryen, por mais que tenha sua força na trama, também ficou aquém das expectativas. Os demais personagens, principalmente os novos, não foram fortes o suficiente para se destacarem. Nem mesmo Carice van Houten, como a bruxa Melisandre, foi destaque, apesar de mostrar o belo corpo nu em dois dos quatro episódios em que aparece. Esses novos personagens serviram mais para confundir ainda mais a trama e tornar o ritmo da série mais irregular.

Tanto que o melhor episódio da temporada é o penúltimo, o da invasão à fortaleza dos Lannisters. É o melhor principalmente porque fica concentrado num único núcleo. Todos os demais personagens e subtramas são esquecidos e a série ganha em força e violência. O fato de convidarem um cineasta de filmes de horror (Neil Marshall, de DOG SOLDIERS e ABISMO DO MEDO) para dirigi-lo ajudou bastante a criar as cenas de violência gráfica na batalha com espadas e lanças. O episódio também foi particularmente especial por ter sido escrito pelo próprio George R.R. Martin.

Quanto à season finale, foi quase tão morna quanto os primeiros episódios desta segunda temporada, com a diferença de uma definição maior de posições. As peças no tabuleiro agora estão dispostas de maneira diferente. E tudo indica que na próxima temporada, as criaturas atrás da muralha serão de grande importância.

P.S.: Tem dois textos que escrevi sobre filmes vistos no Cine Ceará no blog do Diário do Nordeste: um sobre AMOR BANDIDO, de Bruno Barreto; e outro sobre CEGO ADERALDO - O CANTADOR E O MITO, de Rosemberg Cariry. Confiram!

domingo, junho 03, 2012

DELÍRIO DE LOUCURA (Bigger than Life)



O meu primeiro contato com DELÍRIO DE LOCURA (1956) foi através do documentário UMA VIAGEM PESSOAL ATRAVÉS DO CINEMA AMERICANO, de Martin Scorsese. O cineasta ítalo-americano cita o filme como um dos trabalhos que mais o impressionaram em sua formação e algumas cenas dessa obra de Nicholas Ray ficaram gravadas em meu subconsciente. Até que, através desta peregrinação pelo cinema de Ray, finalmente chegou a vez de conferir este, que é o um dos mais celebrados trabalhos do diretor. Inclusive, a capa do livro "The Films of Nicholas Ray" traz justamente uma foto do filme.

DELÍRIO DE LOUCURA acompanha a vida do professor Ed Avery, interpretado brilhantemente por James Mason. Ele é um sujeito que leva uma vida pacata, mas seu salário de professor não é o suficiente para suprir as necessidades de seu lar. Assim, ele começa a trabalhar numa empresa de táxis para conseguir um dinheiro extra. Isso, às escondidas da mulher e de quase todos, pois, para ele, uma profissão como essa não era digna de sua formação. Interessante que até nos Estados Unidos, pelo menos nessa época, o professor já tinha essa fama de ganhar muito mal. A esposa não fica sabendo do emprego "clandestino" e suspeita que o marido esteja tendo um caso. Até que umas dores de cabeça terríveis e crescentes fazem com que Ed tenha um colapso em plena sala de estar.

Chegando ao hospital, os médicos diagnosticam o problema como sendo uma inflamação nas artérias e que ele terá pouco tempo de vida. Mas há uma esperança: através de uma droga nova, a cortisona, que pode auxiliá-lo, mas que também pode causar alguns efeitos colaterais indesejáveis. Ed começa a tomar a droga e aos poucos passa a perder os horários, esquecer se já tomou, ou tomar mais pílulas para diminuir a depressão e aumentar o sentimento de autoconfiança. Assim, ele acaba por se tornar um sujeito extremamente agressivo, arrogante, imprevisível e cruel.

Nicholas Ray usa artifícios bem interessantes, como as sombras herdadas do Expressionismo Alemão. Destaque para a sequência em que Ed, já no auge de sua loucura, obriga o filho a fazer o dever de casa, privando-o de comida até que ele consiga terminar os exercícios. Sentindo fome, a criança só consegue terminar depois que a mãe, às escondidas, lhe oferece um copo de leite. Daí segue outra sequência muito impactante, que é quando ele percebe que a jarra de leite está com uma quantidade menor de líquido. Se bem que ainda haveria um momento mais terrível, que é quando ele quer refazer o sermão da igreja e sacrificar o filho, como na história de Abraão e Isaque, e diz a famosa e subversiva frase: "Deus estava errado!".

Esse misto de melodrama familiar com filme de horror perpetrado por Ray ainda tem múltiplas possibilidades de visão. Segundo Andrew, o filme pode ser visto como uma história edipiana (o filho quer matar o pai), uma alegoria (quando Ed quer desafiar o poder de Deus), uma tragédia (Ed é um mortal que se vê como divino), um horror psicológico (Ed como uma monstruosidade) e como um melodrama (ao mostrar em tons carregados a doença de Ed e como ela afeta a família).

O final causa estranheza diante do terror crescente que é instaurado, lembrando outro trabalho de Ray que teve um final ditado pelos produtores: CINZAS QUE QUEIMAM (1952), que tem um final feliz tão destoante do filme, que parece um sonho. Já o final de DELÍRIO DE LOUCURA causa uma sensação parecida, mas há também certa ambiguidade no que se refere ao destino daquela família. Assim, nem é preciso dizer que DELÍRIO DE LOUCURA é um dos mais importantes filmes de Ray, que duela pelo topo das grandes obras-primas do cineasta.

sábado, junho 02, 2012

VIOLETA FOI PARA O CÉU (Violeta se Fue a los Cielos)



O filme escolhido para abrir a 22ª edição do Cine Ceará foi VIOLETA FOI PARA O CÉU (2011), do chileno Andrés Wood, que já chegou com uma premiação no Festival de Sundance de 2012: o prêmio de melhor filme internacional. A princípio, parece se tratar de um filme um tanto panfletário, no sentido de abraçar o comunismo e colocar o capitalismo como grande inimigo, mas depois vemos que ainda que o seja, isso se faz com inteligência e sensibilidade. Não se trata de um filme fácil. Os vaivéns no tempo, a montagem um tanto confusa e a dificuldade de se gostar logo de cara da protagonista contribuem um pouco para isso. A personagem não é uma pessoa qualquer.

Trata-se de Violeta Parra, cantora e artista plástica chilena que defendia a bandeira socialista através da arte, de maneira radical. Sua canção mais famosa é a belíssima "Gracias a la vida", que chegou a ser gravada também por Mercedes Sosa, Joan Baez e Elis Regina. Violeta chegava a recusar que lhe cantassem "Parabéns pra você" por ser uma canção de origem americana. Aos poucos a personagem vai conquistando o espectador, especialmente quando viaja à Europa e mostra seus talentos. A vida amorosa é mais focada no romance com um homem mais jovem, um suíço que chegou ao Chile para conhecê-la.

Ainda que em entrevista para a televisão ela tenha dito que não sabia o que era amor, mas sabia o que era trabalho e esforço, a sequência em que ela canta uma canção amaldiçoando o mundo por causa de sua dor de amor é uma das mais belas do filme. A catarse provocada pela canção lembra o rock noventista. Lembrei, inclusive, de Kurt Cobain no MTV Unplugged, por mais que essa comparação possa ser até uma ofensa para ela, que não gostava dos Estados Unidos. Mas é que sentimento não tem nacionalidade.

E ao final, a metáfora da galinha e do gavião, que ela conta em entrevista a um programa de televisão, acaba ganhando todo o sentido. A forma como Wood mostra essa sequência intercalada com o momento mais doloroso da vida da artista é mesmo digno de aplauso. E foi, junto com a interpretação brilhante de Francisca Gavilán, provavelmente a razão de o filme ter conquistado reconhecimento internacional. VIOLETA FOI PARA O CÉU estreia no circuito comercial brasileiro no próximo dia 8.