quarta-feira, agosto 09, 2006

O DEMÔNIO DAS ONZE HORAS (Pierrot Le Fou)



Como não consegui cópia de UMA MULHER CASADA (1964) e nem coragem para rever ALPHAVILLE (1965), eis que revejo PIERROT LE FOU (1965), um dos filmes mais festejados de Jean-Luc Godard. A primeira vez que vi esse filme foi em 2002, numa exibição em vídeo e telão no Dragão do Mar, momentos antes de eu assistir o maravilhoso CIDADE DOS SONHOS, de David Lynch. Não gosto de ver filme em vídeo e telão, a imagem fica uma bosta e o que era pra ser algo prazeroso se torna uma tarefa até difícil. Por isso que fiz questão de rever o filme agora que consegui uma cópia ótima em divx, com uma imagem que valoriza o belo colorido Eastmancolor e o formato scope. Só tive um probleminha lá pelo meio do filme quando o arquivo deu umas travadas, problema ainda bastante comum com esse tipo de mídia. Rever o filme também significaria absorver certas coisas que só com a revisão é possível. Em se tratando de Godard, principalmente.

Porém, percebi que os mesmos problemas que tive vendo da primeira vez, senti durante a revisão. O que acontece é que em determinado ponto do filme, a narrativa fica um pouco confusa, especialmente quando o personagem de Jean-Paul Belmondo se separa de Anna Karina e entra em contato com os traficantes de drogas. A partir desse momento, eu comecei a me perder da trama. Sei que o enredo é bem pouco importante quando o diretor é Godard. Por isso, fiquei tranqüilo em relação a essa confusão toda. Soube que o final do filme não foi previsto por Godard. Ele só havia preparado o começo. O final só foi pensado durante as gravações. Por isso que senti um certo desleixo no ar.

PIERROT LE FOU - prefiro usar o título original do que o título nacional sem sentido - é talvez a mais radical colagem de estilos feita por Godard. Ele já havia flertado com gêneros diversos em obras anteriores, como UMA MULHER É UMA MULHER (1961) e BAND À PARTE (1964), mas dessa vez, há espaço até para a pintura (Velazquez, Picasso) e para as histórias em quadrinhos. Somam-se a isso os momentos musicais, que se constituem, na minha opinião, os momentos máximos do filme. Pra mim, não tem coisa melhor no filme do que ver Anna Karina cantando "Ma ligne de chance" e "Jamais je ne t'ai dit que je t'aimerais toujours". Godard tinha um talento incrível para seqüências musicais. Não sei porque ele não se aprofundou mais com isso. Lembro que adorei ver Anna Karina cantando também em BAND À PARTE. A musicalidade também aparece nos momentos de voice over dos protagonistas, quando eles alternam suas falas de maneira poética.

Com PIERROT LE FOU, o número de referências passa a ser cada vez maior. É como se Godard estivesse fazendo o filme exclusivamente para si mesmo e não para a platéia. O gosto pelo cinema de Nicholas Ray e Samuel Fuller aparecem, inclusive com direito a participação especial de Fuller, num dos momentos mais conhecidos do filme. Já Nicholas Ray é citado quando Belmondo diz que quer instruir sua filha, levando-a para ver JOHNNY GUITAR no cinema.

Uma das coisas que eu mais gosto nos filmes de Godard é da desesperada e romântica busca pela liberdade. As personagens godardianas procuram fugir das convenções sociais a todo custo, tornando-se marginais, criminosos até. Saber que o destino desses personagens não é dos mais felizes nos deixa com um gosto amargo. Como se a total liberdade só fosse possível por alguns poucos momentos. Pierrot e Marianne fogem sem rumo. Não importando para onde. Parte de nós também deseja se livrar das amarras da vida social. Do emprego, da família, do país, da política. Mas se até na arte essa fuga é frustrada e interrompida, imagine na vida real.

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